SESSÃO
DE 6 DE
FEVEREIRO DE 1840
(Pronunciado
na discussão da resposta ao discurso da coroa)
Antes
de começar a falar, declaro que todas as minhas
expressões se devem entender no sentido matemático,
e portanto ninguém terá razão para se ofender
delas.
Sr.
presidente, a câmara está debaixo de um grande peso
de razões, dum grande peso de argumentos, argumentos,
que eu vi calar através da atmosfera das facções no
ânimo dos Srs. ministros, ressumbrando em seus rostos
a convicção de verdades, que eles mal poderão
contestar.
Depois
do eloquente discurso do Sr. José Alexandre de
Campos, nada posso eu dizer que aproveite à questão,
nada que aproveite ao meu crédito pessoal; apesar
disto, o meu nome apareceu na lista dos inscritos, e
é força que cumpra o meu dever, depondo no seio da câmara
as minhas convicções em ocasião tão solene, em matéria
tão ponderosa.
Sr.
presidente, uma voz grande e generosa soou nesta casa.
Seus efeitos foram mágicos: um brilhante sortilégio
se operou dentro destas paredes, as bandeiras dos
partidos tomaram seus lugares, os timbres das nossas
opiniões extremaram nossos campos, fez-se-nos justiça,
destruíram-se antigas e atrocíssimas calúnias! Uma
voz se levantou do centro da câmara, e desde então o
caos de leis anárquicas está daquele lado (o
direito), os grandes democratas do país ali estão,
os grandes males públicos dali vieram, os grandes
ataques ao trono daquele lado nasceram.
Nós estamos inocentes, nós estamos ilibados!
Agradeçamos ao centro generoso! Ele é que nos
salvou: só a sua omnipotência e virtude nos podia
arrancar aos dentes da calúnia e das facões! Sr.
presidente, depois de um facto tão importante, depois
de um favor tão assinalado, porque nos não abraçamos
nós com esse centro benfazejo? Porque, Sr.
presidente? Porque o centro é prudente, é
circunspecto, sabe avaliar as circunstancias,
respeitar os factos e sujeitar-se a eles: e agora há
um facto grave, gravíssimo para o centro, que é o
ministério. Se não fora ele, nossos braços se
estenderiam para darmos o amplexo cordial... Novo
motivo para praguejarmos a nova administração, que
nos desprende, talvez para sempre, d amigos tão
antigos e tão históricos!
Eu
disse, que o centro da câmara sabe respeitar os
factos... Vai a mais a sua ciência; o centro sabe
apropriar-se de todos os factos, e declarar-se o
fautor e autor de todos os acontecimentos que aparecem
no nosso globo! Tudo Se faz pela ordem, em virtude da
ordem, pelo bem da ordem, e em nome da ordem! Sr..
presidente, o centro da câmara é aquele
bem-aventurado louco, que se declarou dono do porto do
Piréu, e de todos os navios que nele entravam. o
porto do Piréu é o banco dos ministros, e as
galeras, que nele entram, são os diferentes ministérios.
(Riso prolongado.) Perdoe-se-me esta comparação, que
talvez seja baixa: aventuro outra. o centro da câmara
é um fidalgo da aldeia, que se pretende aparentar com
todos os titulares, por consanguinidade, por
afinidade, e até por bastardia! (Hilaridade geral e
prolongada.) Sr. presidente, serão talvez ímpias
estas minhas palavras: os gozos da vida não passam de
ilusões, e pode ser que eu tenha perturbado a mansão
de inefáveis prazeres, em que vive o centro ditoso e
fátuo... Mas esta crença de poder será uma ilusão?
Não, senhores, é uma realidade, e os factos no-lo
provam. Não ha um ano que um membro daquele lado da câmara
(o direito), lançando muitas palavras para o centro,
então quase imperceptível o felicitou de haver
tomado o volume de um átomo; não há um ano que esse
centro, na opinião de outros, espírito volátil,
encamou por algum tempo na direita; e hoje esse
centro, forte, poderoso, colossal, empunha o facho da
civilização, vai meter a luz da ordem em todas as
nossas leis, e obriga o partido, em que encarnou, a
pedir-lhe perdão de seus erros e a arrenegar de suas
convicções! E a nós, limpando-nos da baba da calúnia,
restitua-nos ao país, puros, como sempre fomos.
Este
centro, que mu vezes tem morrido, e muitas vezes
tomado à vida; este centro, que tem passado por
milhares de sortilégios; este centro grupo de duendes
políticos, - não admira que encare sem susto as
sombras dos ministros ressuscitados. Mas, Sr.
presidente, a este respeito fora melhor que houvesse
de menos um exemplo, e de mais um testemunho de gratidão:
um discurso antes menos concludente, mas mais
atencioso, o nobre visconde de Sá tem certamente
cometido erros políticos, mas nunca ressuscitou no
poder para vir atraiçoar o seu país... Quando nós
estávamos meditando com respeito na omnipotência do
centro, e agradecendo em silencio o serviço que
acabava de prestamos, um deputado central, como que
pesando-se desse acto de justiça, levantou-se contra
este lado da câmara (o esquerdo) com todo o poder da
sua voz, com a maior acrimónia de frases, com a mais
viva expressão dos gestos, e, proclamando-se carrasco
do despotismo e cavaleiro da liberdade, metei-nos na mão,
ora o alfange argelino, ora o cuco anarquista.
pintando-nos a folgar sobre as ruínas do país, que só
nós havíamos feito!!!
Sr.
presidente, a ofensa foi grave, muito grave... E que
desforra devemos nós tomar? Esquecei-a, perdoai-a! Nós?
disse eu. Sim, nós, - porque quando proclamo
sentimentos de generosidade, sei que sou verdadeiro órgão
deste lado da câmara (o esquerdo). A generosidade está
sem duvida nas cabeças e nos corações de todos os
meus amigos políticos. Mas, se perdoamos as injúrias
que se nos fazem, não podemos perdoar as que são
irrogadas ao país; a nossa voz pertence-lhe, e é forçoso
levantá-la para destruir as imputações que se lhe
fizeram, imputações, felizmente, tão falsas, como
imprudentemente alegadas.
No
soleníssimo momento em que o estrangeiro nos cobre de
calúnias nos seus parlamentos e nas suas imprensas;
no soleníssimo momento em que, por ventura, ou
teremos de ceder a todas as suas infundadas exigências,
ou de vestir, para o guerrear, as armas do Condestável
(muitos apoiados) - nesse mesmo momento, é que se
denuncia o país em tal estado de miséria, de confusão
e de anarquia, que mais é de esperar que roguemos a
esse estrangeiro o beneficio duma colonização, do
que levantemos braço para lhe resistir! - Vinde,
estrangeiro orgulhoso, que os nossos armazéns estão
desprovidos e os nossos arsenais vazios; vinde, que a
acção do governo é morta e o espirito da
nacionalidade extinto; vinde, que só encontrareis
diante de vós os punhais dos assassinos, a debilidade
dos tumultos, o desleixo da indiferença!
Felizmente
estes brados são enganosos; são vociferações de
partido, e ai do estrangeiro se confiasse nelas!
Magoa-me, contudo, que um coração português, que
ainda resputo tal, se deixasse vencer, em tão grande
discrime, das paixões políticas, e se esquecesse do
país para só se lembrar dos dissídios das facões!
Triste indiscrição, que a todos nós deve servir de
exemplo! Sr. presidente, para bem descrever o país,
é preciso ser digno dele, e ano tomar para ponto de
perspectiva as rivalidades conterrâneas e as rixas da
vizinhança; é preciso observa-lo pelas lentes da
verdade, e ano pelo prisma das facções.
Eu
vou pois clarear, um por um, os traços infiéis e
carregados, com que se falsificou o quadro do país.
Um dos meus honrados amigos disse que os
administradores de concelho ano serviam para executar
os trabalhos cadastrais, pelo modo como eles estavam
organizados entre nós: logo um ilustre deputado lhe
imputou o haver ele dado por absolutamente inábeis
essas autoridades, e, com esta suposta decalcarão,
julgou triunfantes os projectos do governo!
O
ministro, que entre nós empreendem primeiro os
trabalhos cadastrais, fez traduzir do francês os
modelos dos seus mapas, e ano sei se em boa linguagem.
Nesses mapas acha-se o seguinte dizer: terrenos
incultos em léguas quadradas. Como há de um
administrador de concelho satisfazer a estas exigências,
executar este trabalho? É impossível. Se a esse
grande arsenal da legislação francesa vão de contínuo
os nossos estadistas buscar os exemplos e as teorias
governamentais, porque ano hão de ir buscar os princípios
orgânicos de cada uma das repartições do Serviço Público?
Se o Sr. ministro tivesse estudado bem, em vez de copiá-la
apenas, a legislação francesa, lá veria que o
complexo dos trabalhos cadastrais esta dividido entre
as autoridades administrativas, as judiciais e os
engenheiros; a medição dos terrenos é feita pelos
engenheiros, que têm as noções cientificas necessárias
para dar conta desses trabalhos. E nunca foi
encarregada ao maire, que ano pode ser
agrimensor. Muitas vezes, Pois, é pela ignorância
dos ministros que as leis se ano executam. Falou-se em
regulamentos. Aqui é que bate o ponto; aqui é que
esta a grande falta administrativa.
O
que são pela maior parte os ministros em Portugal?
Uns homens que vêm aquelas cadeiras para
desacreditarem as leis de que ano gostam, e pedirem
outras que lhes façam conta; para lerem os seus três
relatórios, que às vezes são obra dos amigos,
(riso) e as suas propostas de lei, de ordinando tão
bem meditadas, que ano podem sofrer a censura das
comissões, saindo de ia tão desfiguradas que parecem
outras. (Riso). Depois que estas propostas passam a
lei, os nossos desapiedados ministros põem-nas fora
das secretarias, como um mau pai faz sair seu filho do
casal para correr fortuna pelo mundo. (Riso geral.) E
diz-lhes: «Se conseguirdes fazer-vos respeitar, bem;
o vosso património são as palavras que gastamos em
vos discutir, e as despesas que fizestes na Imprensa
Nacional. Se estes valores se perderem, paciência:
faremos outra tentativa, adoptaremos outros princípios,
arranjaremos outra formada de leis, e alguma há de
sair boa!» Eis aqui os nossos ministros! E o povo que
sofra os descuidos dos governantes e os desvarios das
facões!...
O
princípio das candidaturas é hoje apregoado por
muitos jurisconsultos respeitáveis, citados de contínuo
por quem deles ano alega senão as más doutrinas. As
bases de um bom sistema administrativo são a confiança
e o poder; e as candidaturas reúnem estas duas condições,
dando ao poder todo o prestigio da confiança, e à
confiança toda a forca do poder.
Notou
o Sr. José Alexandre que se ano mencionam no projecto
do governo os meios com que se há de pagar aos novos
administradores dos concelhos de nomeação regia. Lá
se lhes decretam ofícios acumulados, atribuições
diversas e encargos importantes, para o exercício dos
quais se há de certamente estabelecer uma larga
tabela de emolumentos com que o país será vexado,
aparecendo, a toda a hora e por todo o motivo, as
portas do cidadão os impertinentes esbirros do Sr.
administrador! Sr. presidente, a pura nomeação regia
para as autoridades locais ano é um sistema novo
entre nós: já tivemos provedores, e essa
magistratura tinha aquela origem. E que foram os
provedores? Factores de continuas discórdias nas
povoações, invasores descarados do poder municipal,
orgulhosos ostentadores da autoridade, homens sem
princípios, sem consideração, infleis na gerência
das rendas dos concelhos, finalmente (permita-se-me a
expressão) galopins eleitorais. (Risadas.) E como há
de o governo escolher doo empregados dentro das
paredes das secretarias? Belamente! Essa não é a
duvida, porque o governo tem uma lista de 500 pessoas
que precisa arranjar, e esse é um dos principais
motivos do sen projecto...
(Há
tumultos). Onde estão eles entre nós. hoje que
Portugal é o país mais sonegado da Europa?
Tumultua-se actualmente em Franca, por política, por
fome e por interesses comerciais; tumultua-se em
Inglaterra, por política, por fome e por interesses
comerciais; tumultua-se na Rússia, por motivos
religiosos; em Hanôver, para sustentar a constituição;
na Holanda, para fazer demitir o ministro; em Espanha,
para vencer eleições; e até, segundo parece, se
tumultua na Rússia, e ano há lá Código
Administrativo! (sinais negativos.) De ali foram
desterrados 300 oficiais para a Sibéria, e certamente
não os mandaram fazer aquela viagem por estarem
sossegados. Quando tanto se apregoa a ordem, é
preciso satisfazer as suas primeiras condições - a
verdade e a discrição: e é certamente contra os
seus ditames propalar sistemas imaginários, fazer
promessas impossíveis e acender esperanças vãs.
Tumultos, só não os haverá quando todo o país
estiver como está hoje Palmira. Então ouvir-se-ão
somente, através do silencio das ruínas, as passadas
de algum viajante ordeiro que venha contemplar nelas a
perfectibilidade do seu sistema!
O
mesmo ilustre deputado, frenético contra este lado da
câmara, lançou sobre nossos vestidos, gota a gota,
todo o sangue dos assassinatos, que se têm cometido
em Portugal depois da restauração.
Sr.
presidente, foram os ministros da Carta que, depois da
convenção de Évora-Monte, consentiram que o punhal
das facções andasse solto pelas ruas da capital,
vingando ódios e malquerenças passadas, que os
moribundos viessem arrastando-se a dar o ultimo
arranco na sua presença, e não sei mesmo se com as
rodas de suas berlindas pisaram algumas vezes os cadáveres
dos infelizes que deixaram assassinar! Este punhal
devastador passou da capital para as províncias, e
das mãos dos fanáticos políticos para as dos
salteadores facinorosos! Penetrou nas nossas mais
pequenas povoações, infestou todas as nossas
estradas. e semeou por toda a parte os seus horrorosos
estragos! Isto são factos, Sr. presidente: o
assassinato começou em Portugal por fanatismo político,
alentou-se pelo desleixo, continuou pelo exemplo. e
generalizou-se por necessidade...
Por necessidade, sim!... Sr. presidente, a lei
a mais imprudente, a mais atroz e provocante, a lei
das indemnizações, (intuitos apoiados) levantou
esperanças enganosas, suscitou pretensões
esquecidas, sancionou exigências indiscretas, e
distraiu dos seus mesteres o laborioso artista, o
pequeno comerciante, o proprietário de poucos teres,
com a expectativa das prometidas delicias, com a mira
dos prejuízos ressarcidos
A ilusão dissipou-se: e os homens iludidos,
tendo perdido o hábito do trabalho, entregaram-se ás
violências, para haverem aquilo que a lei lhes tinha
prometido. e cuja recusa reputaram depois um roubo,
que Ihs dava direito a Outro roubo! A lei das
indemnizações espalhou no país mais de três mil
punhais, e perdeu muito cidadão útil e honesto!
Recaia pois a culpa desses assassínios sobre quem
promulgou essa lei!...
Sr.
presidente, desculpe-me a câmara a minha excessiva
exaltação: o ilustre deputado, a quem respondo, teve
a por honra e crédito do sistema monárquico-representativo:
eu tenho-a pela honra e crédito deste lado da câmara
(o esquerdo), que não valera tanto como o sistema monárquico-representativo,
mas que a nossos olhos vale a inocência dum partido.
(Apoiados.) Sr. presidente, desde 1820 até 1826 houve
em Inglaterra 7000 pessoas condenadas a morte!... É
verdade que a legislação Ia é mais barbara; a pena
de morte é aplicada a muitos crimes, mas o júri faz
as leis piedosas interpretações. E não obstante,
repito, houve em Inglaterra, no espaço de sete anos,
7756 pessoas condenadas a morte, isto é, mais de mil
condenados por cada ano!... Em Franca, o ano passado,
as mortes violentas cegaram a três mil!... Oh! Sr.
presidente, pois se a Inglaterra, que há duzentos
anos é livre, e a Franca, que sempre aqui se nos
inculca por modelo, apresentam destes exemplos, como
querem ver entre nós, ainda noviços, um apuro de
moral, um vigor de administração a que esses países,
encanecidos em liberdade, não têm podido cegar, e de
que nos afastamos cada vez mais, substituindo ao
circunspecto exame das leis o furor reaccionário
contra todas elas?! (Muitos apoiados.) Sr. presidente,
e quem fez mais serviços. e serviços mais
assinalados para reprimir o contagio dos assassinatos,
e melhorar a segurança publica? foi este lado da câmara
(o esquerdo), que propôs. discutiu e votou a lei
excepcional, lei excepcional, que o Sr. ministro da
justiça pede agora para Lisboa... para Lisboa, onde,
segundo um ilustre deputado do centro (apontando para
o Sr. conde da Taipa), estão as instituições
liberais estabelecidas dum modo que faz inveja a todos
os países!... Sr. presidente, eu rejeito essa lei
(vivos apoiados do lado esquerdo) em nome... (bradando
com a voz mais forte) do Sr. conde da Taipa...
(Hilaridade.)
O Sr. Conde da Taipa (que estava distraído, voltando-se para o
orador): - O quê? não ouvi. Não ouvi.
O Orador: - Eu lhe digo: o Sr. deputado disse que Lisboa esta no estado
normal, que nela se realizam todas as condições do
sistema constitucional, que pode servir
de
tipo de civilização a todos os países. Ora o Sr.
Ministro da justiça pede a aplicação da lei
excepcional para Lisboa: digo eu que não é precisa - e que a rejeito em nome de V. Ex.a (Riso).
E
a lei das guardas de segurança, tantas vezes exigida
por este lado da câmara, (o esquerdo) e nunca tomada
em consideração pelos ministros da Carta, quem a
decretou afinal? O Congresso Constituinte. Ainda na
passada sessão, por uma triste deferência com os
Srs. ministros, essa lei esteve para ser sacrificada a
vistas mesquinhas. E quem a salvou deste perigo? Este
lado da câmara. Entretanto essa lei era orgânica, e os que agora falam na
necessidade instante de constituir o país esforçaram-se
para que ela se não executasse!
Diz-se
que «o país esta indiferente as contendas políticas.»
Que indiferença é essa do país? Em uns há a
indiferença do gozo. a satisfação do bem estar:
respiram livres das tiranias que os oprimiam,
descansam a sombra das leis constitucionais, e
(desfrutam o suor de seus trabalhos, que a
aristocracia em outro tempo lhes devorava. E que farão
estes indiferentes quando se virem debaixo das garras
dessa nova mesquinha aristocracia, que agora se
prepara para os massacrar? Vê-lo-emos.
Noutros, a indiferença é o desprezo por essa
voz de retrogradação, o escárnio por essas
infernais saudades do absolutismo, que a nação
detesta do fundo do seu coração. (Apoiados).
«Mas
o país esta entregue ao arbítrio dos valentões!»
Quereis vós saber quem são estes valentões? São os
homens a quem o sistema constitucional abriu as portas
da arena política; são os homens chamados pela nossa
lei à intervenção nos negócios públicos. Cônscios
de seus direitos disputam os cargos locais e a gerência
administrativa às famílias que tinham enfeudada a
governança dos municípios.
E
que dispunham dos seus bens sem responsabilidade. São
estes valentões que formam a monarquia de
turbulentos, de que falou o Sr. conde da Taipa.
(Riso). Algumas vezes, (despeito desta aristocracia
aldeã arroja-se a meios violentos e, supondo-se ainda
nos passados tempos, cerca-se de abegões e criados e
quer ditar a lei a golpes de fouce e de enxada. Então
aparece a resistência, e a ordem clama contra os
motins que suscitou! (Sensação).
Também
se disse, em tom de grande argumento, que «as nossas
terras pequenas se acham em estado de barbaridade
feudal.» Mas quem não sabe que nas divisões
territoriais de um país se acham representadas todas
as épocas do progresso social, e que esta barbaridade
das aldeias é a retaguarda da civilização antiga,
que ainda se não pode desalojar de todo do campo da
civilização moderna? Na Bretanha há povoações
muito menos civilizadas que as nossas, gente mais fanática,
menos tratável, de costumes mais ásperos. os
emigrados que o digam. Que se observava na Irlanda
governada por esse regime de ordem bárbara que tanto
se nos recomenda, e que se deseja implantar entre nós?
os seus camponeses são mais miseráveis e brutais que
os nossos! Sr. presidente, para descrever o carácter
de um pais, é preciso avaliar todas as suas acções,
é preciso julgá-las conjuntamente; numa palavra, é
preciso não fazer a um povo a injustiça que um indivíduo
não suportaria. Qual será o homem, por mais respeitável
e austero, a que se não possam irrogar graves
censuras, se se tomar isoladamente uma acção da sua
vida para o caracterizar? O país é e quer ser livre,
e, desenganemo-nos, há de sê-lo! Nossas esperanças
invencíveis de liberdade já não murcham, nem podem
murchar (com força), e hão de rebentar dentre todos
os sortilégios ordeiros e sofismas doutrinários...
(Vivos apoiados do lado esquerdo).
O
Sr. Derramado: - E contra todos os sortilégios anárquicos!
O
Orador: .
. . e hão de rebentar dentre esses sortilégios e
sofismas, para perdoar no dia do sen triunfo a tantas
esperanças dignas de compaixão. a tantos projectos
loucamente concebidos!...
(Novos e estrondosos apoiados do lado
esquerdo.)
Veio
a Carta, Sr. presidente, e a Carta foi baptizada num
rio de sangue. A Carta esteve exilada, e durante o seu
exílio correu sangue por ela. Voltou as nossas
praias; e de ia um jorro de sangue a trouxe a capital
e a firmou no poder, e com ela, na cabeça da rainha
uma coroa, levantada do pó da tirania até essa
augusta fronte, em um montão sempre crescente de cadáveres
portugueses! Sr. presidente, esta grande obra foi
nacional (apoiados); nenhuma das fracções de homens,
que por diferentes modos sofreram pela liberdade, pode
arrogar-se a gloria exclusiva de a ter executado.
(Apoiados.) Não foram sete ou oito mil emigrados,
intrigando-se por palavra e por escrito, dando e
tirando coroas, fazendo e desfazendo repúblicas, os
que fizeram esta grande obra (Apoiados.)
Para ela concorreram, em grande parte, os que
gemeram nas prisões, e que protestaram ali a todo o
instante contra os horrores da tirania, mostrando
nesses arriscados transes mais coragem do que era
preciso desenvolver nos bailes de Franca, ou nos
pasmatórios de Plimouth! (Apoiados). Sim, foram esses
corajosos mártires que conservaram, no meio dos
furores da tirania, aquele fogo sagrado da liberdade
que nunca Se apagou no país, e que nunca se há de
apagar, a despeito desta névoa de cinza ordeira, com
que o pretendem cobrir! (Repetidos apoiados do lado
esquerdo). Foram as autoridades que, recebendo a missão
do tirano, a procuraram exercitar com doçura,
sacrifico as vezes mais arriscado do que os perigos
que se correm ao empunhar uma espada, porque ele te
pendurava sobre a cabeça o cutelo da vingança
(apoiado), que a todo o instante os podia castigar de
sua frouxidão. Foram aqueles que promoveram as
comunicações, conservaram as esperanças, amaram os
tíbios, protegeram as emigrações, armaram os
soldados, e abriram as portas das povoações ao exército
libertador, que, sem este socorro, teria de ver acabar
o curso de suas vitórias diante dos frágeis muros de
algumas cidades. Foram finalmente os sessenta mil
soldados, tirados pela maior parte das classes que
agora se pretendem excluir da uma...
O
Sr. Conde da Taipa - Tudo se deve à classe média...
O
Orador: - A classe media estava nos estados maiores,
estava nos comandos, estava nos comissariados, estava
na parte filosófica da expedição, estava empregada
na grande corretagem política. (Riso.) Assim, Sr.
presidente, não só é exacto, segundo disse o Sr.
ministro do reino, que não faz mais serviços à
liberdade aquele que primeiro acode ao sino, que S.
Ex.a lá pintou pendurado no templo dessa deusa (a
imagem fica por sua conta), mas até é preciso
assistir a todas as cerimonias do seu culto, a todas
as suas orações, a reza da véspera, a reza da manhã,
sujeitar-se ao seu regime austero, até mesmo aos seus
jejuns; porque a Iiberdade também tem jejuns, e alguém
há que tem jejuado bem pouco por ela...
Sr
presidente, a Carta foi uma mentira, não realizou
nenhuma das condições do sistema representativo.
Ninguém pode contestar esta verdade, sancionada pelos
factos e selada pelo sangue. É, ao menos, uma
conquista da revolução o silencio significativo
daquele lado da câmara (o direito.) A Carta foi, porém,
uma mentira; o poder que ela tinha levantado
destruiu-se; uma nova constituição foi proclamada;
essa constituição recebeu, depois de modificada, a
sanção do trono, recebeu a sanção de todo o país;
a revolução que a produziu, atravessou por meio das
facções, das intrigas estrangeiras, da guerra,
reunindo sempre todas as condições do poder para
triunfar, e todos os predicados da liberdade para não
oprimir.
Uma
voz: - Oprimiu!
O Orador :- Oprimiu! Ah! senhores, e as cenas agora se voltassem, quem,
passado pouco tempo, poderia comparar sem pejo o
quadro das opressões revolucionárias com as que
havia de cometer uma restauração, se tivéssemos a
desventura de a presenciar?!...
Sr.
presidente, para destruir esta revolução recorreu-se
finalmente a meios insurreccionais.
Não toco nisto por ofender alguém; tenho
amigos íntimos, pessoas que respeito, entre os que
figuraram nesses acontecimentos.) Recorreu-se a operações
militares: houve uma correria pelo reino, e o povo
olhou para ela como para um círio feito em honra de
santo, por quem não tinha devoção... Eis aqui, Sr.
presidente, a indiferença do país, a indiferença a
que o ilustre deputado aludia!
Indiferença gloriosa, com a qual o pais
protestou que as suas opiniões eram progressistas,
que os princípios da constituição eram o seu ídolo;
indiferença gloriosa e significativa, que a voz do
Sr. deputado não pode menoscabar! Durante esta quadra
revolucionaria, em que as forças de todo o partido
liberal se dividiam e combatiam, como se apresentou
diante do pais o partido absolutista? Sr. presidente,
o canhão do despotismo retumbou sempre nas serranias
do Algarve; o inimigo da nação vizinha cegou até as
portas do Alentejo; suas avançadas vieram a ponte de
Alcântara; a fé dos tratados exigiu que um exercito
nosso marcasse a socorrer os nossos irmãos de
Espanha, e as quinas portuguesas apareceram na batalha
de Alvalan, cujo digno chefe creio que me esta
ouvindo. (Todos
os olhos se voltaram para a galeria diplomática, onde
se achava o general Córdova.) Este pais pode, pois,
lutar com todas as dificuldades duma nova organização
política: este país pode passar de instituições
para instituições, e (homens para homens; este país
venceu facções dentro do seu território, segurou
suas fronteiras, viu seus filhos combaterem no território
vizinho, e resistiu a um cardume de conspirações tão
bem urdidas que fariam tremer a política francesa;
este país triunfou finalmente de tudo isto, sem dar
um suspiro de lembrança, um ai de saudade pelo
absolutismo! E é todavia, este país que não tem,
força para ser livre! É este país que aborrece o
progresso! É este país um país bárbaro e feudal!!!
Sr.
presidente, esta observação é capital. Poderão
torneá-la; mas destrui-la é impossível, porque para
isso seria preciso rasgar a história de nossos dias.
Sr.
presidente, houve aqui uma questão pessoal, assas
grave pelos caracteres que trouxe a cena - os Srs.
Passos (Manuel) e Derramado. Não me intrometo nela
mas por esta ocasião peço aos Srs. ministros que
demitam despiedadamente de todos os empregos amovíveis
aquelas pessoas em quem verdadeiramente não
confiarem: (apoiados) que os demitam sem consideração
alguma, para não criarem ao bafo da sua confiança os
praguejadores do seu sistema e das suas leis .Uma das
condições com que se disse que se aceitara uma missão
administrativa foi a reunião da família portuguesa.
Mas quem se opôs a essa reunião? O trono? Não. O
partido dominante? Também não. A coroa deu uma
amnistia... Não digo bem: a coroa esqueceu legalmente
factos de que todos já nos não lembrávamos; e se a
coroa não tivesse adoptado essa medida nacional, nós
a provocaríamos na primeira comunicação que tivéssemos
com o trono. Ele, porém, antecipou nossos desejos;
mas nós aprovamos sinceramente a sua política,
porque ela estava nos nossos corações. Quem afastou
das umas aqueles que, segundo a frase dum Sr. deputado
do centro, no Congresso Constituinte, não quiseram
vir questionar a revolução ao parlamento para a irem
combater no campo.? Quem os estorvou de terem então
pedido aos seus constituintes as cadeiras que hoje
ocupam neste recinto? Apareceu nesta sala um homem que
não partilhou a cobardia política do seu partido, e
esse homem foi sempre respeitado, sempre considerado,
e talvez que à consideração que então lhe demos
deva os créditos parlamentares de que gozou. (Todos
os olhos se fitaram no Sr. Gorjão, a quem o orador se
referia) Quem se opôs, portanto, a essa tão falada reunião da família
portuguesa? Ninguém. Mas que se entende pela reunião
da família portuguesa? Será um aumento de criadagem
agaloada, criadagem nos bancos do ministério,
criadagem no parlamento, criadagem nos conselhos
privados, criadagem até no corpo eleitoral?! Sr.
presidente, as divisas do pais são as cores
nacionais...
O
Sr. Conde da Taipa:
É casaca de saragoça.
O
Orador: - Não sei se é casaca de Saragoça, mas o
que sei é que não é casaca vermelha com galões
brancos! (Sensação: silêncio profundo).
Disse-se
que «a responsabilidade era nula, porque as leis eram
insuficientes.» A prática a todos os momentos está
desmentindo esta proposição, e os Srs. ministros,
pelos seus actos, contrariam as suas asserções
orais. Aqui está uma portaria, do Sr. ministro da
fazenda ás contadorias de fazenda, repreendendo
empregados que podia demitir; aqui estão duas
portarias mandando meter em processo dois juizes da
relação dos Açores, que há muito tempo eram
acusados de prevaricar! o Sr. ministro da justiça
esta há sessenta dias no governo, quando se disse, na
resposta ao discurso da coroa, que o país estava
tranquilo, ele aprovou esta asserção com ar de quem
atribuía este benefício ao actual ministério
Nestes sessenta dias podiam os Srs. ministros
ter demitido os maus empregados, e pô-los logo em
processo, em vez de se ocuparem dos projectos que
trouxeram a câmara. Numa palavra, estes documentos
provam que o governo não exerce, na sua plenitude, as
atribuições de que goza para tomar efectiva a execução
das leis, e que vem, ou para endoidecer
o país, ou para jogar com todas as opiniões, pedir,
acintosamente e sem necessidade, a revogação peremptória
de todas as leis e à destruição de todos os
sistemas...
pressão
tão semelhante a do actor que confunde com ela, não
sabe que os elementos de civilização são diversos,
segundo a natureza dos países, o génio dos povos e a
tendência dos tempos? O ilustre deputado não sabe
que os elementos da antiga civilização romana não são
os mesmos da civilização moderna, e que os da
civilização da América não podem ser iguais aos da
civilização europeia? E porquê, Sr. presidente?
Porque os princípios constitutivos das sociedades
assentam lá sobre este facto. Numa palavra, a tendência
da civilização moderna é a extinção de todas as
aristocracias e a propagação da unidade social; e
com esta tendência repugna o censo. Vou terminar.
Uma só nação, um só rei é um só direito:
eis aqui a minha monarquia. E quem a não quer assim,
arrenego dele!
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