Henrique J. C. de Oliveira

II - REFLEXÕES CICLÍSTICAS E NÃO SÓ...
ou
DA DIALÉCTICA AMOROSA ENTRE UM MIÚDO E UMA BICICLETA

 
Ciclismo

Vejamos o que acontece na gíria informática. Que palavra empregamos quando pretendemos comprimir um ficheiro, para gastar menos espaço no disco duro? Não será «zipar»?

«Zipar» não tem mais direito à vida que ciclar. Zipar é uma palavra formada a partir do nome de um programa de compressão de ficheiros, do mesmo modo que obtivemos ciclar a partir do nome de um utilíssimo, economicíssimo e não poluente meio de transporte. E a palavra zipar não é filha única da lei do menor esforço e da economia da comunicação. Por exemplo, os nossos irmãos, do outro lado do Atlântico, usam palavrões destes aos montões: arjar, scanar, etc. E, quando ligamos o computador, não dizemos também inicializar em vez de iniciar?

Mas estamos já a ciclar por outras esferas, que nada têm a ver com o ciclismo. Poderia, se quisesse, mas não quero, porque é de um desporto saudável que estamos a falar, poderia apresentar-vos uma fiada de palavras técnicas, criadas «à la minuta» por aqueles que fazem a língua, tão comprida como aquelas linguiças enfiadas em cordão que se vendem em alguns talhos.

Não senhor! Não é isso que estão a pensar! Não estou nem a falar de línguas afiadas, que as há, e bem compridas, nem tão pouco dos gramáticos e dos linguistas. Estou a falar de nós próprios. Sim, de nós próprios! Somos nós que fazemos a língua que falamos. Somos nós, no dia a dia, que vamos fazendo e refazendo a língua que empregamos. Um empurrão daqui, um empurrão dacolá, e a língua vai evoluindo, vai-se modificando aos poucos, quando batemos, por exemplo, um papinho bem gostoso com os amigos. Altera-se com a mesma facilidade com que pedalamos para ciclar pelos vastos espaços planos da região aveirense. Ou será melhor dizer da região ilhavense? Talvez não. Não soa bem dizer «Ria de Ílhavo»! Fica melhor «Ria de Aveiro»! Mas não desçamos agora a pormenores sem importância!

Voltemos ao nosso transporte, tão económico, tão ecológico, tão silencioso, tão arejado, com que nos deliciamos nos dias quentes de Verão.

Dizia eu, lá mais para trás, que um dos meus passatempos predilectos era o ciclismo. De facto, é gosto que me nasceu em garoto. Germinou quando era ainda muito pequeno. Nasceu precisamente naquele dia em que me prometeram uma bicicleta que nunca vi. Foi precisamente nesse dia. Já não me lembro se de tarde ou de manhã. Mas que foi nesse preciso momento que começou o meu gosto pelas pedaladas, disso não tenho a menor dúvida.

Sem dinheiro para bicicletas e sem ninguém que me oferecesse uma, tivemos que recorrer às nossas capacidades de improvisação. E passei do eu para o nós, porque a situação não era só minha. Era minha e também dos meus companheiros de brincadeira. Como é que fazíamos para poder ciclar, de vez em quando, pelas ruas da vila, pelas ruas de Espinho, onde então vivíamos?   >>>

 

 

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