UM MIÚDO E A MAGIA DO CINEMA - III

 

Cinema

As primeiras aventuras do cinema começaram no primeiro ano em que o arquitecto adquiriu a câmara de filmar. Recebidas as primeiras bobinas de três minutos de projecção, as duas famílias começaram a reunir-se à noite, em casa do arquitecto, numa rua transversal para os lados da rua 62, cujo número já se me apagou da memória.

As projecções são mudas, mas têm a locução ao vivo e as exclamações daqueles que assistem e se vêem na tela branca, iluminada pelas imagens brilhantes que saem do projector.

As sessões agradam, mas não satisfazem plenamente as ambições dos improvisados realizadores. E digo realizadores, porque o meu pai, embora nunca tenha comprado uma câmara de filmar, também fez experiências.

A primeira e única curta metragem em que eu apareço várias vezes, ao lado da minha mãe, foi filmada durante um passeio a Lisboa. Como o ordenado de um professor primário não dava para muito, o meu pai começou, com a ajuda da minha mãe, a trabalhar em fotografia. Os clientes começaram a aumentar significativamente. Algumas casas comerciais, especialmente duas livrarias da Rua 19, a Casa Ernesto e a Livraria e Papelaria Sousa, decidem começar a aceitar o serviço de revelação e fotografia. Fazem um acordo com os meus pais. Os rolos recebidos devem ser levados ao laboratório antes do meio da tarde, para, no dia seguinte, poderem ser levantados pelos clientes.

Na mesma altura, em Lisboa, uma nova firma de artigos fotográficos está a iniciar o seu ciclo de vida. O meu pai recebe a visita em Espinho de um elemento da firma Beltrão Coelho, torna-se cliente e aceita o convite de visitar as instalações, situadas num armazém meio escondido da Rua do Carmo. São para isso aproveitadas as férias da Páscoa. Vamos uma semana para Lisboa. Na nova firma, de que o meu pai foi cliente fiel durante vários anos, emprestam-lhe um modelo recente de câmara de filmar. O meu pai adquire um filme a preto e branco e inicia as filmagens, tendo como protagonistas a mulher e o filho e como cenário diversos locais de Lisboa, alguns então bastante modernos e com belos edifícios de vários andares.

Este pequeno filme de três minutos de duração, que durante muitos anos fez parte do espólio do arquitecto, é hoje uma das relíquias que guardo religiosamente, apesar de já não o ver há uns bons vinte ou trinta anos.

As ambições dos dois amadores de cinema não param. O gravador Philmagna trabalha bem. Porque não utilizá-lo para sonorização de filmes? As várias curtas metragens coladas e colocadas numa bobina de maior diâmetro podem permitir projecções de longa duração. E, além disso, há filmes de animação engraçados e divertidos para alugar, apesar de mudos. Com este material, porque não fazer as sessões de cinema à noite, no café do Senhor Benjamim, na Avenida 8?

 

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