As projecções
são mudas, mas têm a locução ao vivo e as exclamações daqueles
que assistem e se vêem na tela branca, iluminada pelas imagens
brilhantes que saem do projector.
As sessões
agradam, mas não satisfazem plenamente as ambições dos
improvisados realizadores. E digo realizadores, porque o meu pai,
embora nunca tenha comprado uma câmara de filmar, também fez
experiências.
A primeira e
única curta metragem em que eu apareço várias vezes, ao lado da
minha mãe, foi filmada durante um passeio a Lisboa. Como o ordenado
de um professor primário não dava para muito, o meu pai começou,
com a ajuda da minha mãe, a trabalhar em fotografia. Os clientes
começaram a aumentar significativamente. Algumas casas comerciais,
especialmente duas livrarias da Rua 19, a Casa Ernesto e a Livraria
e Papelaria Sousa, decidem começar a aceitar o serviço de
revelação e fotografia. Fazem um acordo com os meus pais. Os rolos
recebidos devem ser levados ao laboratório antes do meio da tarde,
para, no dia seguinte, poderem ser levantados pelos clientes.
Na mesma altura,
em Lisboa, uma nova firma de artigos fotográficos está a iniciar o
seu ciclo de vida. O meu pai recebe a visita em Espinho de um
elemento da firma Beltrão Coelho, torna-se cliente e aceita o
convite de visitar as instalações, situadas num armazém meio
escondido da Rua do Carmo. São para isso aproveitadas as férias da
Páscoa. Vamos uma semana para Lisboa. Na nova firma, de que o meu
pai foi cliente fiel durante vários anos, emprestam-lhe um modelo
recente de câmara de filmar. O meu pai adquire um filme a preto e
branco e inicia as filmagens, tendo como protagonistas a mulher e o
filho e como cenário diversos locais de Lisboa, alguns então
bastante modernos e com belos edifícios de vários andares.
Este pequeno filme
de três minutos de duração, que durante muitos anos fez parte do
espólio do arquitecto, é hoje uma das relíquias que guardo
religiosamente, apesar de já não o ver há uns bons vinte ou
trinta anos.
As ambições dos
dois amadores de cinema não param. O gravador Philmagna trabalha
bem. Porque não utilizá-lo para sonorização de filmes? As
várias curtas metragens coladas e colocadas numa bobina de maior
diâmetro podem permitir projecções de longa duração. E, além
disso, há filmes de animação engraçados e divertidos para
alugar, apesar de mudos. Com este material, porque não fazer as
sessões de cinema à noite, no café do Senhor Benjamim, na Avenida 8?
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