DISCURSO DIRECTO, INDIRECTO E INDIRECTO
LIVRE
Comecemos por ler e analisar dois textos, antes
de indicarmos as características destes diferentes
tipos de discurso.
Texto
A
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O dr. Campelo abriu um armário, arrancou de lá uma caixa de ampolas, ao mesmo
tempo que mandava despir o doente. Em seu íntimo, fervia grande alegria.
Desinfectou a seringa e a agulha, pensando no dia cheio que lhe estava
decorrendo. Era como se, em pleno inverno, surgisse um belo dia de estio. E,
em seu pensar, era ao Venturinha que devia a maravilhosa mutação. Trouxera-lhe
a preciosa noticiazinha, e, imediatamente, numa risonha renovação de sorte,
trouxera-lhe também a definitiva abertura da sua carreira de médico a
caminho da celebridade.
Absorveu
na seringa o líquido alaranjado da ampola, picando a seguir o doente no braço
com uma destreza que surpreendeu Medreiros:
– És um ás, ó Eduardo!
– Sei o que é preciso saber... –
respondeu,
orgulhoso. Voltando-se para o rapaz, inquiriu:
– Doeu?
– Não, senhor doutor.
GUEDES DE AMORIM,
Aldeia
das Águias
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Podemos
verificar que existem dois momentos distintos no texto anteriormente transcrito:
o primeiro, constituído pelo parágrafo inicial; o segundo, constituído pelo
resto do texto. Na primeira parte, encontramos um discurso de terceira pessoa,
em que uma determinada entidade da narrativa
─ o narrador
─ nos
apresenta uma personagem, o dr. Campelo. Além de nos relatar toda uma série de
acções desempenhadas pelo médico, apresenta-nos o seu estado psicológico
e as suas ideias. Na segunda parte, o narrador apresenta-nos ainda a
sequência de todas as acções realizadas pela personagem, mas interrompe o seu
relato para nos remeter para a situação comunicativa "ao vivo"; não
são já as palavras do narrador, mas o diálogo directo entre as personagens
presentes no consultório, como se estivéssemos, também nós, ali presentes e
pudéssemos ouvir toda a conversa que ali se travou.
Vejamos agora o
texto B.
Texto
B
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O dr. Campelo abriu um armário, arrancou de lá uma caixa de ampolas, ao mesmo
tempo que mandava despir o doente. Em seu íntimo, fervia grande alegria.
Desinfectou a seringa e a agulha, pensando no dia cheio que lhe estava
decorrendo. Era como se, em pleno inverno, surgisse um belo dia de estio. E,
em seu pensar, era ao Venturinha que devia a maravilhosa mutação. Trouxera-lhe
a preciosa noticiazinha, e, imediatamente, numa risonha renovação de sorte,
trouxera-lhe também a definitiva abertura da sua carreira de médico a
caminho da celebridade.
Absorveu
na seringa o líquido alaranjado da ampola, picando a seguir o doente no braço.
Surpreendido com a destreza de Eduardo Campelo, Medreiros disse-lhe
que era um ás! Orgulhoso, Campelo respondeu-lhe que sabia o que era
preciso e, voltando-se para o rapaz, inquiriu-lhe se doera, tendo
obtido uma resposta negativa.
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Verificamos,
após a leitura do texto B, que este não é mais do que a repetição de toda a
situação apresentada no texto A. No entanto, encontramos algumas diferenças:
além de menor capacidade expressiva, já que as personagens deixam de estar
presentes, mantendo o seu estatuto de terceira pessoa, não ganhando vida própria
e como tal não actuando na nossa frente, verificamos que o narrador não abdica
do seu estatuto, sendo ele quem se apropria das palavras das personagens,
reproduzindo-as à sua maneira. Enquanto no texto A as palavras das personagens
são reproduzidas tal como foram enunciadas e nos chegam, a nós leitores,
directamente e sem qualquer alteração, no texto B, só indirectamente tomamos
conhecimento do que foi dito pelas personagens. Por muito cuidado que o narrador
tenha em ser fiel aos acontecimentos, não omitindo nada de tudo quanto foi dito,
a nossa tomada de conhecimento fica sempre incompleta. Quer se trate de uma
situação fictícia, quer de uma situação real, o discurso indirecto, presente no
texto B, é sempre incompleto relativamente ao discurso directo. Ainda que as
palavras sejam praticamente as mesmas, perdem-se sempre alguns elementos, como,
por exemplo, a entoação e a expressividade, bem como as marcas subjectivas
inerentes ao discurso pronunciado pela própria pessoa.
Há,
pois, dois grandes moldes linguísticos de que um narrador dispõe para
reproduzir os pensamentos e as palavras de personagens, sejam elas reais ou
fictícias: o discurso
directo e o discurso
indirecto[1].
O
discurso
directo é o modo
de enunciação que implica directamente os participantes da comunicação. É a
forma de expressão em que as personagens apresentam directamente as suas
próprias palavras. É um modo de enunciação que mantém todas as formas ligadas
ou à pessoa que fala ou àquela a quem o locutor se dirige, numa relação do tipo
«eu-tu», pelo que o discurso directo pode corresponder quer a um discurso
de primeira, quer de segunda pessoa. É um modo de enunciação com
características específicas, quer no plano formal, quer no plano expressivo.
No
plano formal, o discurso directo é, geralmente, introduzido por verbos do tipo dizer,
afirmar, responder, explicar, ponderar, sugerir,
perguntar, indagar, contar e outros de sentido afim, que
podem surgir no começo, no fim ou até mesmo no meio:
«Juliana,
voltando-se para a patroa, perguntou-lhe:
– Deseja o pequeno-almoço aqui no quarto ou na sala
de jantar?
– Sirva-mo aqui mesmo
–
respondeu-lhe D. Joana, esboçando um leve sorriso.
–Sim, minha Senhora
–
acrescentou Juliana
– , vou já
providenciá-lo.»
No caso do
exemplo do Texto A, verificamos a ausência de um verbo do tipo dos indicados. No
entanto, em qualquer circunstância, para além do próprio contexto, o discurso
directo é marcado por recursos gráficos específicos tais como os dois pontos, as
aspas, o travessão e mudança de linha, que apresentam a função de indicadores da
fala de uma personagem. Convirá, contudo, notar que estas marcas gráficas não
podem ser usadas arbitrariamente. As aspas usam-se apenas para a transcrição da
fala isolada dentro de um parágrafo. Nas orações intercaladas, usa-se o
travessão ou a vírgula. A forma mais habitual e também a mais fácil de usar
consiste em utilizar dois pontos, mudar de linha e, um pouco mais dentro,
introduzir o discurso por meio de um travessão.
O cobrador,
voltando-se para o passageiro que acabara de entrar e de se sentar no eléctrico:
– Para onde deseja ir?
No
plano expressivo, é o discurso
directo aquele
que permite conferir à narrativa maior vivacidade e aproximação da realidade,
conferindo vida às personagens. Permite obter maior naturalidade, reforçada por
diversos factores de ordem linguística, tais como vocativos, enunciados de tipo
exclamativo, interrogativo ou imperativo, que habitualmente constituem marcas
próprias do discurso ou registo oral. Por tudo isto, e sobretudo pelo facto de
ser próprio das situações habituais de comunicação, é o discurso directo
frequentemente utilizado nos diferentes géneros narrativos.
O
discurso
indirecto, ao
contrário do que vimos relativamente ao directo, é o modo de enunciação que
relega as personagens para segundo plano. Enquanto no discurso directo as
personagens falam, dirigindo-se umas às outras, numa relação do tipo «eu-tu»,
o discurso indirecto elimina as marcas da enunciação «eu-tu», utilizando
um discurso de terceira pessoa e impondo referentes espácio-temporais não
em relação com as personagens que pronunciam as frases, mas com a pessoa que
efectua a narração. Além disto, o narrador apropria-se das palavras das
personagens, reproduzindo à sua maneira apenas os conteúdos, sem qualquer
respeito pelas formas linguísticas efectivamente empregues.
O discurso
indirecto apresenta, além do que já indicámos, características a nível formal e
a nível expressivo.
No
plano formal, além da sua introdução por meio de verbos de tipo declarativo (dizer,
afirmar, responder, etc.), as falas das personagens correspondem
sempre a uma oração subordinada, introduzida geralmente por uma conjunção:
Ele
disse QUE estava muito cansado.
Há, no entanto,
casos em que a conjunção pode não existir, como no caso do exemplo:
Ele
disse estar muito cansado.
No
plano expressivo, o facto do discurso
indirecto
corresponder a um tipo de discurso de terceira pessoa faz com que o relato
apresente um carácter predominantemente informativo e intelectivo, eliminando
desde logo o carácter teatral e dinâmico de uma situação em que as personagens
dialogam.
Como
no discurso indirecto todas as formas de discurso de primeira ou de segunda
pessoa passam a um discurso de terceira pessoa, daqui resulta um esvaecimento
dos referentes espácio-temporais, que passam a estar vinculados não já às
pessoas que falaram, mas àquele que efectua o relato.
A
transposição do discurso directo a indirecto obedece a todo um conjunto de
regras, que passamos a apresentar:
♦
1 - O enunciado
em discurso de 1ª ou 2ª pessoa passa para a 3ª pessoa, o que implica a mudança
dos pronomes pessoais, determinantes possessivos e formas verbais para a
terceira pessoa:
– Estou com vontade de te
dar um
beijo
– disse ele,
fitando-a nos olhos.
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Olhando-a
nos olhos, disse-lhe que estava com vontade de lhe dar um beijo.
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♦
2 - Desaparece o travessão, marca do discurso directo, e aparece uma
oração subordinante, constituída por um verbo de sentido declarativo. (Veja-se
o exemplo anterior).
♦
3 - Os verbos mudam de tempo ou de modo, de acordo com o esquema:
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DISCURSO DIRECTO
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DISCURSO INDIRECTO
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presente do indicativo
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pretérito imperfeito
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pretérito perfeito
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pretérito
mais-que-perfeito
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futuro do indicativo
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condicional (*)
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imperativo, presente e futuro do
conjuntivo
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imperfeito do
conjuntivo
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(*) - O condicional é também
designado por futuro do pretérito.
Hoje
não estou para ninguém
─ disse
o Dr. Gustavo à empregada.
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O Dr.
Gustavo disse à empregada que naquele dia não estava para ninguém.
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─ Eu fui ao cinema.
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Ele
disse que fora ao cinema.
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─ Irei ao médico quando ele chegar de férias.
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Ele
disse que iria ao médico quando chegasse de férias.
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─ Deita os papéis no cesto. Mantém limpa a tua sala.
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Disse que
deitasse os papéis no cesto e que mantivesse a sala limpa.
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♦
4 - Os advérbios de tempo e de lugar são substituídos de acordo com o
esquema:
DISCURSO DIRECTO
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DISCURSO INDIRECTO
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agora
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então
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hoje, ontem
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naquele dia
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logo
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depois
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amanhã
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no dia seguinte
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aqui
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ali, além, acolá
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cá
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lá
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♦
5 - Os enunciados em forma interrogativa directa
passam a uma forma interrogativa indirecta.
– Que horas são?
–
perguntou-lhe.
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Perguntou-lhe
que horas eram.
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♦
6 - O vocativo do discurso directo ou desaparece ou passa a desempenhar a
função de complemento.
– Paula, ainda demoras a arranjar-te?
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Perguntou
à Paula se ainda demorava a arranjar-se.
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Além
do
discurso directo e indirecto, há ainda um terceiro meio de expressão intermédio,
a que se dá o nome de
discurso
indirecto livre. É um
modo de expressão que tem sido amplamente utilizado na moderna literatura
narrativa e que resulta da conciliação dos dois tipos de discurso anteriormente
analisados. Antes de vermos as suas características, vejamos um exemplo,
extraído de Os Maias, de Eça de
Queirós:
– Cricri também teve muita dor
─ respondeu
ela muito séria, sem tirar dele os seus magníficos olhos.
─
Eu já não tenho ...
Estava com
efeito fresca como uma flor, com a linguazinha muito rosada, e sua vontade já
de lanchar.
Carlos
tranquilizou Miss Sara. Oh, ela via bem que mademoiselle estava
boa. O que a assustara fora achar-se ali só, sem a mamã, com aquela
responsabilidade. Por isso a tinha deitado... Oh, se fosse uma criança
inglesa saía com ela para o ar... Mas estas meninas estrangeiras, tão débeis,
tão delicadas... E o labiozinho gordo da inglesa traía um desdém compassivo
por estas raças inferiores e deterioradas.
EÇA
DE QUEIRÓS, Os Maias, cap.
IX.
|
Ao
lermos o excerto, verificamos que, após o parágrafo em que nos é apresentada a
fala de uma das personagens, em discurso directo, a partir de certo momento, o
narrador parece confundir-se com a personagem de Carlos, passando a
apresentar, em uníssono com ele, aquilo que ele teria dito a Miss Sara. Não
existe a fala em discurso directo, nem tão pouco encontramos o conteúdo das
palavras próprio do discurso indirecto. É como se o narrador tivesse penetrado
na personagem, registando-lhe simultaneamente o fluxo do pensamento, as
suas reflexões, sentimentos e ideias, tornando-se mesmo difícil
distinguir o que foi dito daquilo que foi pensado. No entanto, sabemos que foi
o que ele transmitiu ao interlocutor; a prova disso é que Miss Sara reagiu,
deixando transparecer "um desdém compassivo por estas raças inferiores e
deterioradas".
No plano
formal, verificamos não só uma total liberdade sintáctica do escritor como
também uma identificação entre o narrador e a personagem. Desaparecem também as
marcas características do discurso directo (dois pontos, travessão, transcrição
integral da fala da personagem) e do discurso indirecto (ausência de verbos de
tipo declarativo e de subordinação).
No plano
expressivo, o discurso indirecto livre permite: uma narrativa mais fluente; uma
simbiose perfeita entre narrador e personagem; maior riqueza expressiva,
permitindo ao leitor uma maior identificação com a personagem.
No
entanto, a identificação do discurso indirecto livre torna-se mais
difícil de efectuar, na medida em que se torna indispensável situarmo-nos
dentro do contexto, uma vez que, frequentemente, o enunciado real da personagem
se insere de modo subtil na apresentação dos referentes situacionais.
Sugestão
de trabalho 16
Para uma mais
completa assimilação de todo o conjunto de conhecimentos referentes aos três
tipos de discurso analisados
─
discurso
directo,
indirecto e indirecto livre
─, procure
realizar as actividades complementares a seguir apresentadas:
1 -
Procure identificar os tipos de discurso presentes nos textos a seguir
apresentados;
2 -
Procure transcrever para discurso
indirecto os
textos em discurso directo;
3 -
Procure transcrever para discurso directo os textos em discurso indirecto.
Texto 1
(...)
Em todo o caso, dizia Carlos, nunca houvera na sua família doenças de peito? Ela
sorriu. Oh! nunca! A mamã ainda vivia. O papá já muito velho, morrera de um
coice de uma égua. (...)
EÇA DE QUEIRÓS,
Os Maias, capº. XI
Texto 2
– Que bonitas flores Vossa Excelência tem, minha senhora!
– disse ele, voltando a cabeça, enquanto ia secando
distraída e lentamente a receita.
De
pé, junto do contador árabe, onde pousava um vaso amarelo da Índia, ela
arranjava folhas em volta de duas rosas.
– Dão frescura
– disse ela.
– Mas imaginei que em Lisboa havia mais bonitas flores. Não
há nada que se compare às flores de França... Pois não é verdade?
Ele
não respondeu logo, esquecido a olhar para ela, pensando na doçura de ficar ali
eternamente na sala de repes vermelho, cheia de claridade e cheia de silêncio, a
vê-la pôr folhas verdes em torno de pés de rosas!
EÇA
DE QUEIRÓS, Os Maias, capº. XI
Texto 3
Voltando-se para a figura já idosa do Reitor, Simão disse-lhe que teria o maior
prazer em o acompanhar e que dispusesse dele para tudo quanto fosse preciso. E,
dando-lhe o braço para o ajudar a apoiar-se, começaram a visita pelos claustros
do seminário.
Pouco
tempo decorrera quando o Reitor, voltando-se para o seu simpático
anfitrião, lhe perguntou se sabia quando é que o seminário começara a ser
construído. Simão respondeu-lhe que não sabia bem em que ano se tinha
iniciado a construção do edifício; no entanto, calculava que deveria ter sido
por volta de 1940.
Texto 4
A jovem inglesa olhou-o com bondade e, parando junto dele, perguntou-lhe:
– Como está sua mãe, José?
O
rapaz voltou a si e tomando logo uma atitude de respeito, respondeu:
– Hoje ainda não sei, minha senhora; ontem porém deixei-a
bem mal.
– Hoje não sabe?!
– exclamou
Jenny, desviando o olhar para o relógio, que marcava onze horas e meia.
– Não sabe, e é perto do meio-dia!
JÚLIO DINIS,
Uma família
inglesa, capº. IV
Texto 5
– Com franqueza, aqui para nós, que ideia foi esta de ir a
Sintra?
Carlos
gracejou. O maestro jurava o segredo pela alma melodiosa de Mozart e pelas
«fugas» de Bach? Pois bem, a ideia era vir a Sintra, respirar o ar de Sintra,
passar o dia em Sintra... Mas, pelo amor de Deus, que o não revelasse a
ninguém!
E
acrescentou rindo:
– Deixa-te levar, que não te hás-de
arrepender...
EÇA DE QUEIRÓS,
Os Maias, capº VIII
Texto 6
– Tive nojo!
– exclamava o
Alencar, rematando fogosamente a sua história.
–
Palavra que
tive nojo! Atirei-lhe a bengala aos pés, cruzei os braços e disse: «Aí
tem você a bengala, seu cobarde, a mim bastam-me as mãos!»
– Que diabo, não me hão-de esquecer as queijadas!
– murmurou Cruges para si mesmo, afastando-se do
parapeito.
Carlos
erguera-se também, olhava o relógio. Mas antes de deixar Seteais, Cruges
quis explorar o outro terraço ao lado: e, apenas subira os dois velhos degraus
de pedra, soltou de lá
um grito
alegre:
– Bem dizia eu! cá estão eles... E vocês a dizer que não!
EÇA
DE QUEIRÓS, Os Maias, capº VIII
Texto 7
O velho ergueu finalmente as pálpebras pesadas, e ficou atento, também.
A
criança, então, um tudo-nada excitada, contou. Contou que à tarde, na
altura em que regressava a casa com a ovelha, vira sair um pintassilgo de
dentro dum grande cedro. E tanto olhara, tanto afiara os olhos para a espessura
da rama, que descobrira o manhuço negro, lá no alto, numa galha.
A
Mãe bebia as palavras do filho, a beijá-lo todo com a luz da alma. O Pai
regressou ao caldo.
MIGUEL TORGA, Jesus,
in Bichos.
Texto 8
(...) Ela ergueu o rosto, todo molhado, murmurou com um grande esforço:
–
Escuta-me!... Nem sei como hei-de dizer... Oh,
são tantas coisas, são tantas coisas!... Tu não te vais já embora, senta-te,
escuta...
Carlos
puxou uma cadeira, lentamente. (...)
EÇA DE QUEIRÓS,
Os Maias, capº XIV
Texto
9
(...) Ele cedeu
à súplica humilde e enternecedora dos seus olhos arrasados de água: e sentou-se
ao outro canto do sofá, afastado dela, numa desconsolação infinita. Então,
muito baixo, enrouquecida pelo choro, sem o olhar, e como num confessionário
─ Maria começou a falar do seu passado, desmanchadamente,
hesitando, balbuciando, entre grandes soluços que a afogavam, e pudores amargos
que lhe faziam enterrar nas mãos a face aflita.
A culpa não fora dela!
Não fora dela! Ele devia ter perguntado àquele homem que sabia toda a sua
vida... Fora sua mãe... Era horroroso dizê-lo, mas fora por causa dela
que conhecera e que fugira com o primeiro homem, o outro, um irlandês... E
tinha vivido com ele quatro anos, como sua esposa, tão fiel, tão retirada de
tudo e só ocupada da sua casa, que ele ia casar com ela! Mas morrera na guerra
com os alemães, na batalha de Saint-Privat. E ela ficara com Rosa, com a
mãe já doente, sem recursos, depois de vender tudo...
EÇA
DE QUEIRÓS, Os Maias, capº XIV
[1] - O
discurso directo e o indirecto são também designados por estilo directo e
indirecto. No entanto, a designação estilo tem vários sentidos, tornando-se
ambígua, pelo que deve ser preferida a designação de discurso, tanto
mais que é esta última a que se refere ao modo de enunciação. |