Acesso à hierarquia superior.

Henrique J. C. de Oliveira, Gramática da Comunicação, Col. Textos ISCIA, Aveiro, FEDRAVE, Vol. I, 1993, 311 pp., Vol. II, 1995, 328 pp.


VII

A Língua Portuguesa
Diferentes Aspectos de Análise do Discurso

 

O discurso directo, indirecto e indirecto livre. Os conceitos de descrição, narração, diálogo, monólogo e efusão lírica Introdução. A descrição. Classificação tipológica da descrição. Condições prévias para a elaboração de uma descrição. A sinestesia. Vocabulário utilizado na descrição. Esquemas auxiliares para elaboração de textos descritivos. Trabalhos práticos.

 
 

DISCURSO DIRECTO, INDIRECTO E INDIRECTO LIVRE

Comecemos por ler e analisar dois textos, antes de indicarmos as características destes diferentes tipos de discurso.

Texto A

 

O dr. Campelo abriu um armário, arrancou de lá uma caixa de ampolas, ao mesmo tempo que mandava despir o doente. Em seu íntimo, fervia grande alegria. Desinfectou a seringa e a agulha, pensando no dia cheio que lhe estava decorrendo. Era como se, em pleno inverno, surgisse um belo dia de estio. E, em seu pensar, era ao Venturinha que devia a maravilhosa mutação. Trouxera-lhe a preciosa noticiazinha, e, imediatamente, numa risonha renovação de sorte, trouxera-lhe também a definitiva abertura da sua carreira de médico a caminho da celebridade.
 

Absorveu na seringa o líquido alaranjado da ampola, picando a seguir o doente no braço com uma destreza que surpreendeu Medreiros:

 

– És um ás, ó Eduardo!
– Sei o que é preciso saber... –
respondeu, orgulhoso. Voltando-se para o rapaz, inquiriu:

Doeu?

Não, senhor doutor.

GUEDES DE AMORIM, Aldeia das Águias

 

Podemos verificar que existem dois momentos distintos no texto anteriormente transcrito: o primeiro, constituído pelo parágrafo inicial; o segundo, constituído pelo resto do texto. Na primeira parte, encontramos um discurso de terceira pessoa, em que uma determinada entidade da narrativa o narrador nos apresenta uma personagem, o dr. Campelo. Além de nos relatar toda uma série de acções desempenhadas pelo médico, apresenta-nos o seu estado psicológico e as suas ideias. Na segunda parte, o narrador apresenta-nos ainda a sequência de todas as acções realizadas pela personagem, mas interrompe o seu relato para nos remeter para a situação comunicativa "ao vivo"; não são já as palavras do narrador, mas o diálogo directo entre as personagens presentes no consultório, como se estivéssemos, também nós, ali presentes e pudéssemos ouvir toda a conversa que ali se travou.

Vejamos agora o texto B.

 

Texto B

 

O dr. Campelo abriu um armário, arrancou de lá uma caixa de ampolas, ao mesmo tempo que mandava despir o doente. Em seu íntimo, fervia grande alegria. Desinfectou a seringa e a agulha, pensando no dia cheio que lhe estava decorrendo. Era como se, em pleno inverno, surgisse um belo dia de estio. E, em seu pensar, era ao Venturinha que devia a maravilhosa mutação. Trouxera-lhe a preciosa noticiazinha, e, imediatamente, numa risonha renovação de sorte, trouxera-lhe também a definitiva abertura da sua carreira de médico a caminho da celebridade.

Absorveu na seringa o líquido alaranjado da ampola, picando a seguir o doente no braço. Surpreendido com a destreza de Eduardo Campelo, Medreiros disse-lhe que era um ás! Orgulhoso, Campelo respondeu-lhe que sabia o que era preciso e, voltando-se para o rapaz, inquiriu-lhe se doera, tendo obtido uma resposta negativa.

 

Verificamos, após a leitura do texto B, que este não é mais do que a repetição de toda a situação apresentada no texto A. No entanto, encontramos algumas diferenças: além de menor capacidade expressiva, já que as personagens deixam de estar presentes, mantendo o seu estatuto de terceira pessoa, não ganhando vida própria e como tal não actuando na nossa frente, verificamos que o narrador não abdica do seu estatuto, sendo ele quem se apropria das palavras das personagens, reproduzindo-as à sua maneira. Enquanto no texto A as palavras das personagens são reproduzidas tal como foram enunciadas e nos chegam, a nós leitores, directamente e sem qualquer alteração, no texto B, só indirectamente tomamos conhecimento do que foi dito pelas personagens. Por muito cuidado que o narrador tenha em ser fiel aos acontecimentos, não omitindo nada de tudo quanto foi dito, a nossa tomada de conhecimento fica sempre incompleta. Quer se trate de uma situação fictícia, quer de uma situação real, o discurso indirecto, presente no texto B, é sempre incompleto relativamente ao discurso directo. Ainda que as palavras sejam praticamente as mesmas, perdem-se sempre alguns elementos, como, por exemplo, a entoação e a expressividade, bem como as marcas subjectivas inerentes ao discurso pronunciado pela própria pessoa.

Há, pois, dois grandes moldes linguísticos de que um narrador dispõe para reproduzir os pensamentos e as palavras de personagens, sejam elas reais ou fictícias: o discurso directo e o discurso indirecto[1].

 

O discurso directo é o modo de enunciação que implica directamente os participantes da comunicação. É a forma de expressão em que as personagens apresentam directamente as suas próprias palavras. É um modo de enunciação que mantém todas as formas ligadas ou à pessoa que fala ou àquela a quem o locutor se dirige, numa relação do tipo «eu-tu», pelo que o discurso directo pode corresponder quer a um discurso de primeira, quer de segunda pessoa. É um modo de enunciação com características específicas, quer no plano formal, quer no plano expressivo.

No plano formal, o discurso directo é, geralmente, introduzido por verbos do tipo dizer, afirmar, responder, explicar, ponderar, sugerir, perguntar, indagar, contar e outros de sentido afim, que podem surgir no começo, no fim ou até mesmo no meio:

         «Juliana, voltando-se para a patroa, perguntou-lhe:

         Deseja o pequeno-almoço aqui no quarto ou na sala de jantar?

         Sirva-mo aqui mesmo respondeu-lhe D. Joana, esboçando um leve sorriso.

         Sim, minha Senhora acrescentou Juliana , vou já providenciá-lo.»

No caso do exemplo do Texto A, verificamos a ausência de um verbo do tipo dos indicados. No entanto, em qualquer circunstância, para além do próprio contexto, o discurso directo é marcado por recursos gráficos específicos tais como os dois pontos, as aspas, o travessão e mudança de linha, que apresentam a função de indicadores da fala de uma personagem. Convirá, contudo, notar que estas marcas gráficas não podem ser usadas arbitrariamente. As aspas usam-se apenas para a transcrição da fala isolada dentro de um parágrafo. Nas orações intercaladas, usa-se o travessão ou a vírgula. A forma mais habitual e também a mais fácil de usar consiste em utilizar dois pontos, mudar de linha e, um pouco mais dentro, introduzir o discurso por meio de um travessão.

O cobrador, voltando-se para o passageiro que acabara de entrar e de se sentar no eléctrico:

Para onde deseja ir?

 

No plano expressivo, é o discurso directo aquele que permite conferir à narrativa maior vivacidade e aproximação da realidade, conferindo vida às personagens. Permite obter maior naturalidade, reforçada por diversos factores de ordem linguística, tais como vocativos, enunciados de tipo exclamativo, interrogativo ou imperativo, que habitualmente constituem marcas próprias do discurso ou registo oral. Por tudo isto, e sobretudo pelo facto de ser próprio das situações habituais de comunicação, é o discurso directo frequentemente utilizado nos diferentes géneros narrativos.

 

O discurso indirecto, ao contrário do que vimos relativamente ao directo, é o modo de enunciação que relega as personagens para segundo plano. Enquanto no discurso directo as personagens falam, dirigindo-se umas às outras, numa relação do tipo «eu-tu», o discurso indirecto elimina as marcas da enunciação «eu-tu», utilizando um discurso de terceira pessoa e impondo referentes espácio-temporais não em relação com as personagens que pronunciam as frases, mas com a pessoa que efectua a narração. Além disto, o narrador apropria-se das palavras das personagens, reproduzindo à sua maneira apenas os conteúdos, sem qualquer respeito pelas formas linguísticas efectivamente empregues.

O discurso indirecto apresenta, além do que já indicámos, características a nível formal e a nível expressivo.

No plano formal, além da sua introdução por meio de verbos de tipo declarativo (dizer, afirmar, responder, etc.), as falas das personagens correspondem sempre a uma oração subordinada, introduzida geralmente por uma conjunção:

         Ele  disse QUE estava muito cansado.

Há, no entanto, casos em que a conjunção pode não existir, como no caso do exemplo:

         Ele disse estar muito cansado.

No plano expressivo, o facto do discurso indirecto corresponder a um tipo de discurso de terceira pessoa faz com que o relato apresente um carácter predominantemente informativo e intelectivo, eliminando desde logo o carácter teatral e dinâmico de uma situação em que as personagens dialogam.

Como no discurso indirecto todas as formas de discurso de primeira ou de segunda pessoa passam a um discurso de terceira pessoa, daqui resulta um esvaecimento dos referentes espácio-temporais, que passam a estar vinculados não já às pessoas que falaram, mas àquele que efectua o relato.

 A transposição do discurso directo a indirecto obedece a todo um conjunto de regras, que passamos a apresentar:

1 - O enunciado em discurso de 1ª ou 2ª pessoa passa para a 3ª pessoa, o que implica a mudança dos pronomes pessoais, determinantes possessivos e formas verbais para a terceira pessoa:

Estou com vontade de te

dar um beijo disse ele,

fitando-a nos olhos.

 

Olhando-a nos olhos, disse-lhe que estava com vontade de lhe dar um beijo.

2 - Desaparece o travessão, marca do discurso directo, e aparece uma oração subordinante, constituída por um verbo de sentido declarativo. (Veja-se o exemplo anterior).

3 - Os verbos mudam de tempo ou de modo, de acordo com o esquema:

 

DISCURSO DIRECTO

DISCURSO INDIRECTO

presente do indicativo

pretérito imperfeito

pretérito perfeito

pretérito mais-que-perfeito

futuro do indicativo

condicional (*)

imperativo, presente e futuro do conjuntivo

imperfeito do conjuntivo

 

(*) - O condicional é também designado por futuro do pretérito.

 

Hoje não estou para ninguém disse o Dr. Gustavo à empregada.

 

O Dr. Gustavo disse à empregada que naquele dia não estava para ninguém.

 

─ Eu fui ao cinema.

 

Ele disse que fora ao cinema.

 

Irei ao médico quando ele chegar de férias.

 

Ele disse que iria ao médico quando chegasse de férias.

 

Deita os papéis no cesto. Mantém limpa a tua sala.

 

Disse que deitasse os papéis no cesto e que mantivesse a sala limpa.

4 - Os advérbios de tempo e de lugar são substituídos de acordo com o esquema:

DISCURSO DIRECTO

DISCURSO INDIRECTO

agora

então

hoje, ontem

naquele dia

logo

depois

amanhã

no dia seguinte

aqui

ali, além, acolá

 

5 - Os enunciados em forma interrogativa directa passam a uma forma interrogativa indirecta.

Que horas são? perguntou-lhe.

 

Perguntou-lhe que horas eram.

6 - O vocativo do discurso directo ou desaparece ou passa a desempenhar a função de complemento.

Paula, ainda demoras a arranjar-te?

 

Perguntou à Paula se ainda demorava a arranjar-se.

Além do discurso directo e indirecto, há ainda um terceiro meio de expressão intermédio, a que se dá o nome de discurso indirecto livre. É um modo de expressão que tem sido amplamente utilizado na moderna literatura narrativa e que resulta da conciliação dos dois tipos de discurso anteriormente analisados. Antes de vermos as suas características, vejamos um exemplo, extraído de Os Maias, de Eça de Queirós:

– Cricri também teve muita dor respondeu ela muito séria, sem tirar dele os seus magníficos olhos. Eu já não tenho ...

Estava com efeito fresca como uma flor, com a linguazinha muito rosada, e sua vontade já de lanchar.

Carlos tranquilizou Miss Sara. Oh, ela via bem que mademoiselle estava boa. O que a assustara fora achar-se ali só, sem a mamã, com aquela responsabilidade. Por isso a tinha deitado... Oh, se fosse uma criança inglesa saía com ela para o ar... Mas estas meninas estrangeiras, tão débeis, tão delicadas... E o labiozinho gordo da inglesa traía um desdém compassivo por estas raças inferiores e deterioradas.

                                   EÇA DE QUEIRÓS, Os Maias, cap. IX.

Ao lermos o excerto, verificamos que, após o parágrafo em que nos é apresentada a fala de uma das personagens, em discurso directo, a partir de certo momento, o narrador parece confundir-se com a personagem de Carlos, passando a apresentar, em uníssono com ele, aquilo que ele teria dito a Miss Sara. Não existe a fala em discurso directo, nem tão pouco encontramos o conteúdo das palavras próprio do discurso indirecto. É como se o narrador tivesse penetrado na personagem, registando-lhe simultaneamente o fluxo do pensamento, as suas reflexões, sentimentos e ideias, tornando-se mesmo difícil distinguir o que foi dito daquilo que foi pensado. No entanto, sabemos que foi o que ele transmitiu ao interlocutor; a prova disso é que Miss Sara reagiu, deixando transparecer "um desdém compassivo por estas raças inferiores e deterioradas".

No plano formal, verificamos não só uma total liberdade sintáctica do escritor como também uma identificação entre o narrador e a personagem. Desaparecem também as marcas características do discurso directo (dois pontos, travessão, transcrição integral da fala da personagem) e do discurso indirecto (ausência de verbos de tipo declarativo e de subordinação).

No plano expressivo, o discurso indirecto livre permite: uma narrativa mais fluente; uma simbiose perfeita entre narrador e personagem; maior riqueza expressiva, permitindo ao leitor uma maior identificação com a personagem.

No entanto, a identificação do discurso indirecto livre torna-se mais difícil de efectuar, na medida em que se torna indispensável situarmo-nos dentro do contexto, uma vez que, frequentemente, o enunciado real da personagem se insere de modo subtil na apresentação dos referentes situacionais.

 

Sugestão de trabalho 16

Para uma mais completa assimilação de todo o conjunto de conhecimentos referentes aos três tipos de discurso analisados discurso directo, indirecto e indirecto livre , procure realizar as actividades complementares a seguir apresentadas:

1 - Procure identificar os tipos de discurso presentes nos textos a seguir apresentados;

2 - Procure transcrever para discurso indirecto os textos em discurso directo;

3 - Procure transcrever para discurso directo os textos em discurso indirecto.

 

Texto 1

            (...) Em todo o caso, dizia Carlos, nunca houvera na sua família doenças de peito? Ela sorriu. Oh! nunca! A mamã ainda vivia. O papá já muito velho, morrera de um coice de uma égua. (...)

EÇA DE QUEIRÓS, Os Maias, capº. XI

Texto 2

            Que bonitas flores Vossa Excelência tem, minha senhora! disse ele, voltando a cabeça, enquanto ia secando distraída e lentamente a receita.

            De pé, junto do contador árabe, onde pousava um vaso amarelo da Índia, ela arranjava folhas em volta de duas rosas.

            Dão frescura disse ela. Mas imaginei que em Lisboa havia mais bonitas flores. Não há nada que se compare às flores de França... Pois não é verdade?

            Ele não respondeu logo, esquecido a olhar para ela, pensando na doçura de ficar ali eternamente na sala de repes vermelho, cheia de claridade e cheia de silêncio, a vê-la pôr folhas verdes em torno de pés de rosas!

                                   EÇA DE QUEIRÓS, Os Maias, capº. XI

Texto 3

          Voltando-se para a figura já idosa do Reitor, Simão disse-lhe que teria o maior prazer em o acompanhar e que dispusesse dele para tudo quanto fosse preciso. E, dando-lhe o braço para o ajudar a apoiar-se, começaram a visita pelos claustros do seminário.

            Pouco tempo decorrera quando o Reitor, voltando-se para o seu simpático anfitrião, lhe perguntou se sabia quando é que o seminário começara a ser construído. Simão respondeu-lhe que não sabia bem em que ano se tinha iniciado a construção do edifício; no entanto, calculava que deveria ter sido por volta de 1940.

 

Texto 4

          A jovem inglesa olhou-o com bondade e, parando junto dele, perguntou-lhe:

            Como está sua mãe, José?

            O rapaz voltou a si e tomando logo uma atitude de respeito, respondeu:

            Hoje ainda não sei, minha senhora; ontem porém deixei-a bem mal.

            Hoje não sabe?! exclamou Jenny, desviando o olhar para o relógio, que marcava onze horas e meia. Não sabe, e é perto do meio-dia!

JÚLIO DINIS, Uma família inglesa, capº. IV

 Texto 5

           Com franqueza, aqui para nós, que ideia foi esta de ir a Sintra?

            Carlos gracejou. O maestro jurava o segredo pela alma melodiosa de Mozart e pelas «fugas» de Bach? Pois bem, a ideia era vir a Sintra, respirar o ar de Sintra, passar o dia em Sintra... Mas, pelo amor de Deus, que o não revelasse a ninguém!

            E acrescentou rindo:

            Deixa-te levar, que não te hás-de arrepender...

EÇA DE QUEIRÓS, Os Maias, capº  VIII

 

Texto 6

           Tive nojo! exclamava o Alencar, rematando fogosamente a sua história. Palavra que tive nojo! Atirei-lhe a bengala aos pés, cruzei os braços e disse: «Aí tem você a bengala, seu cobarde, a mim bastam-me as mãos!»

            Que diabo, não me hão-de esquecer as queijadas! murmurou Cruges para si mesmo, afastando-se do parapeito.

            Carlos erguera-se também, olhava o relógio. Mas antes de deixar Seteais, Cruges quis explorar o outro terraço ao lado: e, apenas subira os dois velhos degraus de pedra, soltou de lá

um grito alegre:

            Bem dizia eu! cá estão eles... E vocês a dizer que não!

EÇA DE QUEIRÓS, Os Maias, capº VIII

 

Texto 7

           O velho ergueu finalmente as pálpebras pesadas, e ficou atento, também.

            A criança, então, um tudo-nada excitada, contou. Contou que à tarde, na altura em que regressava a casa com a ovelha, vira sair um pintassilgo de dentro dum grande cedro. E tanto olhara, tanto afiara os olhos para a espessura da rama, que descobrira o manhuço negro, lá no alto, numa galha.

            A Mãe bebia as palavras do filho, a beijá-lo todo com a luz da alma. O Pai regressou ao caldo.

MIGUEL TORGA, Jesus, in Bichos.

 

Texto 8

           (...) Ela ergueu o rosto, todo molhado, murmurou com um grande esforço:

            Escuta-me!... Nem sei como hei-de dizer... Oh, são tantas coisas, são tantas coisas!... Tu não te vais já embora, senta-te, escuta...

            Carlos puxou uma cadeira, lentamente.  (...)

EÇA DE QUEIRÓS, Os Maias, capº XIV

Texto 9

           (...) Ele cedeu à súplica humilde e enternecedora dos seus olhos arrasados de água: e sentou-se ao outro canto do sofá, afastado dela, numa desconsolação infinita. Então, muito baixo, enrouquecida pelo choro, sem o olhar, e como num confessionário Maria começou a falar do seu passado, desmanchadamente, hesitando, balbuciando, entre grandes soluços que a afogavam, e pudores amargos que lhe faziam enterrar nas mãos a face aflita.

         A culpa não fora dela! Não fora dela! Ele devia ter perguntado àquele homem que sabia toda a sua vida... Fora sua mãe... Era horroroso dizê-lo, mas fora por causa dela que conhecera e que fugira com o primeiro homem, o outro, um irlandês... E tinha vivido com ele quatro anos, como sua esposa, tão fiel, tão retirada de tudo e só ocupada da sua casa, que ele ia casar com ela! Mas morrera na guerra com os alemães, na batalha de Saint-Privat. E ela ficara com Rosa, com a mãe já doente, sem recursos, depois de vender tudo...

EÇA DE QUEIRÓS, Os Maias, capº XIV


[1] - O discurso directo e o indirecto são também designados por estilo directo e indirecto. No entanto, a designação estilo tem vários sentidos, tornando-se ambígua, pelo que deve ser preferida a designação de discurso, tanto mais que é esta última a que se refere ao modo de enunciação.


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