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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

VI

PRENSAS DE AZEITE

 

Antes de entrarmos no capítulo referente ao enseiramento e prensagem, convirá fazer o estudo das prensas e seus diversos tipos, abordando, logicamente, apenas os modelos mais tradicionais e deixando de lado os modernos sistemas.

Proveniente do latim PRESSU, A, por sua vez de PREMERE 'espremer', a prensa é todo o aparelho, manual ou mecânico, que serve para comprimir, apertar ou achatar qualquer objecto que nela se coloque. No nosso caso particular, serve para apertar a massa da azeitona, previamente distribuída por seiras ou capachos, e colocada entre duas partes da prensa onde é dado o aperto.

De uma maneira geral, a palavra prensa é comum a todo o País, embora nem sempre seja a usada pelo povo para designar o aparelho ao qual se aplica. Efectivamente, surge-nos com frequência o vocábulo imprensa. Muito difundido por todo o País, registámo-lo nos distritos de Aveiro, P. 158, Beja (em Jungeiros, freg. de S. João de Negrilhos, conc. de Aljustrel), Coimbra, P. 256, 280c, Porto, P. 52, 57, e Vila Real, P. 70, 73.

Concomitantemente com o termo imprensa,  aparece-nos ainda a forma verbal imprensar, registada em Coimbra, P. 304, e Porto, P. 56, 60, e imprenseiros, distrito de Braga, P. 34, aplicado aos homens que trabalham com a prensa.

 

TIPOS DE PRENSA

Não pretendendo de modo nenhum estabelecer uma tipologia com carácter definitivo, até porque isso seria tarefa um tanto arrojada e pretensiosa, vemo-nos obrigados, por uma questão de método, a procurar estabelecer uma distribuição tipológica das diferentes espécies observadas, a fim de que a exposição possa ser feita com determinada ordem e rigor.

Cremos mesmo que pretender estabelecer uma classificação com carácter definitivo seria empresa estulta e descabida para o presente objectivo ─ o estudo da linguagem e etnografia sobre o fabrico tradicional do azeite no nosso País. Como já referimos em capítulos anteriores, não é possível estabelecer cânones rigorosos e imutáveis relativamente aos produtos da cultura humana.

Em primeiro lugar, passemos em revista algumas das muitas classificações que pudemos encontrar. Tornar-se-á deste modo possível fazer uma pequena ideia da enorme disparidade de critérios que normalmente presidem a classificações deste género.

Segundo  a  Enciclopédia  universal  ilustrada europeo-americana(1), tomo II, pág. 2 as prensas são agrupadas em duas classes: prensas antigas e prensas modernas. Entre as primeiras, é considerada a chamada prensa de vara; entre as segundas, as prensas de um parafuso, de dois parafusos, de tripla pressão, as hidráulicas, etc. O critério adoptado foi, pois, essencialmente cronológico ou histórico.

A um critério igualmente cronológico ou histórico recorre o Diccionario enciclopedico hispano-americano de literatura, ciencias y artes(2), Barcelona, 1887, tomo I, pág. 244, dividindo as prensas em duas classes: antigas e modernas. Como antigas, são consideradas as de vara e as de torre; como modernas, as de fuso ou parafuso e as hidráulicas.

António Cardoso de Menezes, na obra já citada Noções de oleicultura prática, 2ª ed., Coimbra, 1901, págs. 88 a 107, estabelece cinco tipos principais de prensa: a) prensa de vara e parafuso; b) prensas antigas de parafuso; c) prensas modernas de parafuso; d) prensas hidráulicas; e) prensas especiais.

Dentro das prensas modernas de parafuso, estabelece o Autor ainda três grupos: a) prensas de alavanca simples; b) prensas de alavanca múltipla; c) prensas de volante.

No quinto tipo, a que deu a designação de «prensas especiais», são-nos apresentadas: a) prensas de parafuso sem-fim; b) prensas de losango; c) prensas de parafuso descontínuo; d) prensas de tela sem-fim.

Não querendo tirar o mérito de tal classificação, que incontestavelmente o tem, parece-nos, no entanto, poder simplificar-se, uma vez que os tipos da alínea b), c) e e) se podem reduzir a um só, por sua vez com os seus diversos subtipos. Isto porque, no fundo, tirando as prensas de tela sem-fim, que ocupariam um lugar à parte, todas elas possuem um elemento comum: um parafuso, de madeira ou de ferro, que permite o seu funcionamento.

A quarta e última classificação a que nos vamos referir é a que encontramos na Enciclopedia italiana di scienze, lettere ed arti(3), Roma, 1935-38, vol. XXV, págs. 299-300. Segundo ela, as prensas são divididas em duas categorias, de acordo com um critério essencialmente técnico: prensas de parafuso e prensas hidráulicas. Esta classificação, reduzindo todas as prensas de parafuso a uma só categoria, com que concordamos em parte, vem ao encontro da nossa redução do esquema apresentado por António Cardoso de Menezes de cinco para apenas três tipos.

Como se infere de tudo quanto foi dito, as classificações variam muito de autor para autor. De maneira nenhuma podemos afirmar que esta ou aquela esteja mal, embora lhes possamos fazer um ou outro reparo ou optar por uma em detrimento de outra. Tudo depende do nosso ponto de vista e, sobretudo, do critério ou critérios adoptados.

Consequentemente, e por melhor parecer servir ao nosso objectivo, iremos optar por uma classificação mais simples que as anteriores, que é, aliás, a mesma adoptada pelo organismo nacional responsável pela produção oleícola em Portugal para a elaboração dos seus ficheiros.

Teremos, então, o seguinte quadro:

 

I - Prensas de vara


 



antigas    
       

II - Prensas de parafuso

 



manuais
  modernas ––––––––––  
    mecânicas
       

         
 










a) Quanto ao sistema
           de accionamento





manuais
   
   
  mistas
  mecânicas
       

III - Prensas hidráulicas

     
  b) Quanto à maneira de
              prensar a massa





seiras
  capachos
  mistas
   
   
    cinchos
         
 

Analisando o quadro apresentado, há algumas observações a fazer.

Dissemos anteriormente, quando falámos da classificação apresentada pela Enciclopedia italiana di scienze, lettere ed arti, que concordávamos com ela somente em parte. Se assim não fosse, teríamos de englobar a prensa de vara dentro do grupo das prensas de parafuso, como alguns poderiam também fazer,  baseando-se no facto de a vara ser elevada ou descida por meio de um fuso, que não é mais do que um enorme parafuso, feito geralmente de madeira. Parece-nos, todavia, e cremos que todos estarão de acordo, que esta prensa deverá constituir um tipo à parte, dadas as suas características muito particulares. Que nós saibamos, é a única em que a pressão é exercida mediante um sistema de alavanca de tipo inter-resistente. Em todas as restantes, a pressão é dada por meio do aperto de duas peças, uma das quais se aproxima da outra, exercendo-se a compressão.

No segundo tipo de prensa, além da distinção entre antigas e modernas – critério histórico ou cronológico –, apresentámos no segundo grupo uma nova divisão, baseada no sistema de accionamento. Efectivamente, encontramos prensas de parafuso accionadas manualmente, e também adaptadas para trabalharem mecanicamente, embora este segundo caso seja mais raro.

No lagar da Mega Fundeira, na freguesia de Alvares, concelho de Góis, distrito de Coimbra, podemos encontrar uma prensa de parafuso accionada indirectamente pela roda da água. A transmissão da energia é feita por intermédio do moinho, cujo eixo vertical termina, na parte superior, por uma manivela. A esta está ligada uma longa vara de madeira, com cerca de dez metros de comprimento, por sua vez engatada na alavanca da prensa. Com a rotação da manivela, é produzido na vara um movimento de vaivém, que se transmite à alavanca da prensa, obrigando-a a efectuar o aperto.

O terceiro e último grupo engloba as prensas hidráulicas, que podemos encarar segundo dois aspectos: sistema de accionamento e maneira como a massa é metida na prensa para ser espremida. Relativamente ao sistema de accionamento, consideramos uma alínea intermédia entre as prensas manuais e as mecânicas, que designamos pelo termo mistas. Deve-se isto ao facto de haver prensas manuais adaptadas para trabalharem mecanicamente, passando assim a dispor de dois sistemas diferentes de accionamento.

Dos três tipos apresentados, consagraremos especial atenção ao primeiro, dado o seu maior interesse linguístico e etnográfico. Veremos ainda alguma coisa sobre as prensas de parafuso e as prensas hidráulicas, dedicando apenas uma maior atenção a uma prensa manual de parafuso, em tudo muito semelhante às usadas para vinho, conhecida por prensa de cincho ou, muito simplesmente, cincho. 

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(1)Enciclopedia universal ilustrada europea-americana, Barcelona, tomo II, pág. 24: «(...) Esta [a prensa] puede ser de diferentes tipos. Las antíguas de viga ó libra consisten en una larga palanca sujeta por uno de sus extremos (...). Entre las prensas modernas, usadas en la fabricación del aceite, pueden citarse las de husillo, de dos husillos, de triple presión, hidráulicas, etc. (...)».

(2)Diccionario enciclopedico hispano-americano de literatura, ciencias y artes, Barcelona, 1887, tomo I, pág. 244: «Las prensas usadas en la fabricación del aceite son varias, pudiendo dividirse en dos clases: antiguas y modernas. Entre las primeras figuran las de viga y las de torre y entre las últimas las de husillo y las hidráulicas». (Sobre o que consiste cada uma delas, veja-se esta mesma obra.)

(3)Enciclopedia italiana di scienze, lettere ed arti, Roma, 1935-38, vol. XXV, págs. 299-300: «Gli ordegni prementi sono di due categorie e cioè: a vite ('parafuso') e idraulici (...)».

 

 

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