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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

IV

A MOAGEM

 

Por moagem entende-se a operação que consiste em reduzir a azeitona deitada no moinho a uma massa mais ou menos homogénea, a fim de poder ser extraído o azeite mediante prensagem.

Em Espanha, na comarca de Ayerbe, situada nos Pré-Pirenéus aragoneses, esta operação é designada por molinada (de *molinata, por sua vez de molinu, REW. 5644), apresentando o espanhol ainda outros termos, como molienda, molitura e trituración(1). Em Itália, dizem frangere, macinare e schiacciare le olive(2).

Em Portugal, ao lado de moagem, surgem ainda os termos moedura, moenda, moenga, moento d'àzeitona e moìdura, este último simples variante fonética de moedura.

O vocábulo mais comum e com larguíssima história é moagem. Segundo o Regimento da Cidade de Évora de 1392(3), a moagem podia ser de sertã ou de calda. Em que consistia cada uma destas modalidades não o poderemos dizer, uma vez que o citado documento não nos esclarece. Este mesmo termo pode apresentar o sentido de 'quantidade de azeitona moída de cada vez' que, segundo um informador, é de cerca de 20 rasas (Castelo Branco, P. 305).

Vocábulo também bastante antigo é moedura. Surge-nos não só no já citado documento, mas também em outros posteriores, como o Regimento de Lagar de Azeite de Coimbra, datado de 1515(4).

O sentido mais corrente de moedura é o de 'quantidade de azeitona moída de cada vez'. No sentido de 'moagem' surgiu apenas em um inquérito por correspondência (I.L.C.) realizado em Leiria, P. 351b.

Moenda, correspondente ao espanhol molienda, foi registado em inquéritos do I.L.B. efectuados nos distritos de Bragança, P. 92, e Guarda, no concelho de Gouveia; moenga, num inquérito do I.L.C., realizado em Leiria, P. 361; moento e moìdura surgiram respectivamente em Coimbra, P. 303, e em Aveiro, P. 157, e Coimbra, P. 288.

Ao homem que se ocupa da moagem foi dado o nome de moìdor, no distrito de Coimbra, concelho de Oliveira do Hospital, P. 238.

A quantidade de azeitona moída de cada vez é muito variável, como vários são os nomes que a designam: moagem, moedura, moenda, moinho, moldura e piada.

O vocábulo moedura, no sentido de 'quantidade de azeitona moída de cada vez', foi registado nos distritos de Beja (Brinches, freg. de Nossa Senhora das Neves, conc. de Serpa); Braga, P. 28, 29; Castelo Branco e Leiria, P. 354 e 355.

Segundo o Regimento da Cidade de Évora de 1392, a moedura equivalia a doze fangas, sendo a fanga uma medida de dois alqueires. O já citado Regimento de Lagar de Azeite da Cidade de Coimbra de 1515 estipula que a moedura deverá ser de trinta alqueires, caso o moinho a possa moer de uma só vez: «a moedura inteira, que se há de fazer, há de ser de trinta alqueires de azeitona cada moedura, e o Lagar, que não tiver água e aparelhos para poder moer todos os trinta alqueires de azeitona, não lançará o mestre que estiver mais azeitona que aquela que vir que é bem e a proveito do azeite, e o tal Lagar poderá moer, fazendo a tal moedura pela fanga, para que se possa saber de quantos alqueires se faz a moedura no tal Lagar a soldo, e livre a lhe pagarem os oito reis, que se hão-de pagar de feitio de cada moedura inteira, que é dos trinta alqueires (...) ».

Em Setúbal, no ano de 1721, nenhum lagar desta vila podia moer «moedura d'azeitona de mais de quinze, de quatro alqueires cada uma, que sessenta alqueires por moedura (...); e no trabalho de cada moedura» deveria gastar «o tempo de vinte e quatro horas, a quinze fangas cada moedura».(5)

Segundo o dicionário de Bluteau(6), a moedura era, em algumas partes, de vinte e cinco cestos de azeitona, que se deitavam na tulha para serem moídos de cada vez.

Os vocábulos mais usados actualmente para indicar a quantidade de azeitona que se deve moer de cada vez são moinho, de que já falámos por mais de uma vez, e piada.

O primeiro termo surge-nos em dezoito povoações, já citadas quando apresentámos a distribuição geográfica dos sentidos desta palavra, no começo do capítulo III. É no sentido de 'quantidade de azeitona moída de cada vez' que Dalla Bella(7) emprega frequentemente este termo:

«Ordinariamente tomam-se quatro sacos grandes de azeitonas escaldadas primeiro na tulha, a que se dá o nome de um moinho, e as lançam de uma vez de todos quatro na pia para moê-los».

«(...) naqueles lagares em que a mó é movida por dois bois, com o trabalho de três ou quatro homens apenas se chega a moer em vinte e quatro horas quatro moinhos de azeitonas, havendo duas varas para espremê-las (...)».

O segundo termo, relacionado com pia ou pio, de onde deriva, é corrente nos distritos de Bragança, P. 92, 105, e Vila Real, P. 69, 73, 75, 76, 78. Este mesmo termo é apresentado com idêntico sentido por Tavares da Silva(8) e por Augusto César Pires de Lima(9).

Vocábulos como moenda e moldura foram registados como casos únicos e esporádicos respectivamente em Bragança, P. 92, e Leiria, P. 354.

Vimos que a quantidade de azeitona moída, para épocas anteriores à nossa, oscilava entre 12 fangas e 60 alqueires. Actualmente, o número é também muito variável. No distrito de Braga, «a moedura (...) regula aí 18 quilos de azeitona cada vez qu'a gente deit'àli [no pio do moinho], para depois caber dentro do inseiramento» – Pinhel, P. 28 – ou pode ser de «seis cestos, chamamos nós aqui duas rasas. Pode ser quatro, pode ser cinco» – Chacim, P. 29. Em Bragança, regula entre quatro e sete cestos de azeitona, chegando a perfazer um total de 300 quilos. Em Coimbra, oscila entre três e seis sacas. Em suma, as cifras indicadas situam-se entre 18 e 300 quilos. Não há pois uma quantidade certa. De terra para terra há diferenças, sendo as medidas usadas variadíssimas, desde simples cestos – e até mesmo as próprias sacas em que trazem as azeitona do olival – a gamelas de lata e de madeira.

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(1) – ETOMÁS BUESA OLIVER, Terminología del olivo y del aceite en el alto aragonés de Ayerbe, In: "Miscelánea Filologica dedicada a Mons. A. Griera", Barcelona, 1955, tomo I, pág. 89.

(2)PAUL SCHEUERMEIER, Bauernwerk in Italien del italienischen und rätoromanischen Schweiz, 1943, pág. 184.

(3) – OF.-P. LANGHANS, Apontamentos para a história do azeite em Portugal, Lisboa, 1949. Separata do "Boletim da Junta Nacional do Azeite", pág. 49.

(4)Regimento de lagar de azeite da cidade de Coimbra, 1515, parágrafo 8, pág. 4. O exemplar de que nos servimos, embora aprovado e confirmado em Almeirim, em 1515, foi passado pela Câmara desta cidade em 1792, facto que tem feito levantar algumas dúvidas quanto à sua autenticidade.

(5) – ALBERTO PIMENTEL, Memórias sobre a história e administração do município de Setúbal, 1879, pág. 95.

(6) – RAFAEL BLUTEAU, Vocabulário português e latino, Lisboa, 1741, vol. V, pág. 536.

(7)JOÃO ANTÓNIO DALLA BELLA, op. cit., págs. 49 e 52.

(8)TAVARES DA SILVA, Esboço dum vocabulário agrícola regional, Lisboa, 1944, pág. 342.

(9)AUGUSTO CÉSAR PIRES DE LIMA, As oliveiras em Portugal, in: "Estudos etnográficos, filológicos e históricos", Porto, 1951, vol. VI, pág. 229.

 

 

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