THOMAS
MANN não é dos autores alemães menos traduzidos entre nós. Vamos citar
as versões da sua obra, de que tivemos conhecimento, editadas em
Portugal. Como todas elas (com uma única excepção!) não trazem a data da
sua publicação, optamos pela ordem cronológica dos originais. Fazemos
isto sempre que possível, para não desmembrar o todo imposto pelas
edições portuguesas.
● "Os
Buddenbrooks" (trad. de Herbert Caro, revista por A. Vieira d’Areia,
"Livros do Brasil, Ld.ª, Lx.).
● "Um
pouco de felicidade", "O Senhor Friedemann", “Mário e o
hipnotizador", "A criança prodígio", "Tobias Nindernickel",
"Alma infantil" (trad. de M. P. Marques Ferreira e P. Moraes
Carvalho, in "Os
Melhores Contos de Thomas Mann",
"Editorial Hélio", Lx. MCMXLVIII). [No final,"confessa-se" que um dos
contos foi traduzido da versão inglesa, pois cita-se como fonte "The
Pocket Book of Short Stories".]
● "Tristão"
(trad. de Hildegard Bettencourt e F. Lopes Graça,
/
88 / Editorial Inquérito,
Ldª, Lx. – Novelas "Inquérito" N.º 31.
● "Tonio
Kröger" (trad. de S. C. B., in "5 Obras-Primas da Novela
Contemporânea", Portugália Editora, Lx.).
● "Inquietação
e dor precoce" e "O menino prodígio" (trad. de S. Chanveau
Biberfeld, in "Os Melhores Contos da Língua Alemã", Portugália
Editora, Lx.).
● "Morte
em Veneza", "A pequena Lizzy", "Desilusão", "O
sangue dos Wälsungen", "O diletante" (Nesta edição,
publicam-se os nomes dos autores da selecção, do prefácio e dos
desenhos. Mas, talvez por vergonha, não se estampa o nome do tradutor;
in "Os Melhores Contos de Thomas Mann", Editora Arcádia, Ld.ª,
Lx.) ["A pequena Lizzy" é a tradução apresentada para "Luischen". Não
ficaria bem "Luisinha"? Parece que o tradutor se acosta muito às
traduções inglesas. Com efeito, Erich Heller, numa lista bibliográfica
apresentada a p. XV de "Thomas Mann - Stories and Episodes", (Everybodys
Library, N.º 962) escreve "Little Lizzy", traduzindo "Luischen". A
tradução inglesa do título "Der Bajazzo", que vem também na dita
lista, é "The Dilletant”. E como é o titulo na colectânea
portuguesa? "O diletante". Coincidências que começam logo nos
títulos…
"O
Sangue dos Walsungs", (sic na trad. port.; o título inglês é "The
Walsungsblood" - Wälsungen é o nome que aparece em "O anel do Nibelungo",
de Ricardo Wagner, assunto inspirado na “Saga Völsunga, cuja
/
89 / versão mais antiga
está incluída na Edda Maior.]
● "A
Montanha Mágical” (trad. de Herbert Caro, revista por Maria da Graça
Fernandes, Livros do Brasil, Lx.)
● "As
Cabeças Trocadas” (trad. de L. de Oliveira e E. C. Guerra, revista
por A. Vieira d’Areia, Livros do Brasil, Lx.).
● “O
Eleito” (trad. de Maria Osswald, Portugália Editora, Lx.).
● “O
Cisne Negro” (trad. de Domingos Monteiro, "Estúdios Cor, Lx.) [“The
Black Swan” é o título da tradução inglesa, aliás ainda não referido
no dito livro de Heller, cuja primeira publicação data de 1940. ("Die
Betrogene" apareceu em 1951!). Mas na lista das traduções inglesas
de "The Ironic German" (1958), também de Heller, (citado na bibliografia
deste trabalho!), a p. 288, pode ler-se tal tradução para o título.]
● "As
confissões de Felix Krull, cavalheiro de indústria”, (trad. de
Domingos Monteiro, "Estúdios Cor”, Lx.)
Que
saibamos, saíram em jornais
portugueses versões de dois
contos:
● "Tobias
Mindernickel" (sem indicação do tradutor), "Norte Desportivo”,
23.2.1958.
● "A
Hora Difícil", trad. de J. M. C., "Diário Ilustrado", 5 e 9.9.1959.
/
90 / Os tradutores das
obras indicadas tiveram de lutar contra um estilo que quase sempre
sugere mais do que aquilo que explicitamente exprime – e contra o
conhecimento pressuposto de uma série de associações que pertencem ao
"fundo" da experiência alemã. É esta, aliás, uma das grandes
dificuldades da tradução, cavalo de batalha dos que defendem a
sua impossibilidade. Contra tal, pode lutar-se, em parte, com uma
abundante notação. Mas as traduções citadas não a possuem: é que, com
isso, evidentemente, só se cansaria (e até afastaria!) o público que as
lê. Neste plano, elas servem para cumprir um humilde destino: a difusão
do nome de THOMAS MANN entre nós...
Temos
também notícia de que, no Brasil, existem todas as versões portuguesas
da novelística manniana, inclusivamente a longa tetralogia bíblica. Mas,
tanto quanto pudemos apurar, nem cá, nem lá, se traduziu nenhum dos
ensaios e discursos.
O
problema sobre o valor da tradução é inesgotável em discussões. Muitos
têm equiparado o tradutor ao traidor, mas também muitos o têm
considerado até como autor da história da língua que vai enriquecer.
Numa comunicação ao III Congresso de Tradutores de Bad Godesberg, houve
quem louvasse assim a obra traduzida: "Bien traduire
/
91 /
Pindare, Shakespeare ou Pouchkine en français (par example), c’est
écrire le texte que Pindare, Shakespeare ou Pouchkine auraient écrit
s’ils avaient disposé des ressources du français au lieu de disposer de
celle du grec, de l’anglais ou du russe"
(R. Caillois, "BabeI", V-2, Juin 1959, p. 62).
Talvez
sejam mais frequentes, porém, os ditos em que a tradução é
desacreditada: na boca de D. Quixote, Cervantes dizia "que el
traducir de una lengua en otra (...) es como quien mira los tapices
flamencos por el revés: que aunque se veen las figuras, son llenas de
hilos que los escurecen y no se veen con la lisura y tez dela haz"
(*); quase o mesmo nos diz Goethe (Sprüche in Prosa: Maximen und
Reflexionen III): "Übersetzer sind als geschäftige Kuppler anzusehen,
die uns eine halbverschleierte Schöne aIs höchst liebenswürdig anpreisen:
sie erregen eine unwiderstehliche Neigung nach dem Original"; também
Platen (Über eine Properzverdeutschung) escreve: "Man wird am
Ende
auf das Resultat zurückgeführt, dass alle Übersetzungen
immer nur Pygmäen im Vergleich mit ihren grossen Originalen bleiben".
E, já nos nossos dias, em "Miseria y esplendor de la
traducción", Ortega não duvida que "un autor traducido (nos pareça
sempre) un tonto". [THOMAS
MANN refere-se a esta passagem do "Don Quijote", em “Meerfahrt mit
Don Quijote" ("Adel das Geites", p. 549), classificando-a de "Unübertreffliche
Kritik des Übersetzuntswesens".]
/
92 /
Seja como
for, a necessidade da tradução é um facto iniludível, e uma versão de
qualidade é coisa sempre legitimamente louvada.
Também
numa comunicação ao congresso atrás citado, o Prof. Vitor Ramos, do
Brasil, propõe uma "fórmula" a respeitar, quando se pretende uma
"tradução de qualidade":
Fidélité au texte traduit + sens esthétique de la langue
du traducteur = traduction de qualité
– ("BabeI", V-3, Sept. 1959).
Foi esta
"fórmula" – para alguns afinal um "ovo de Colombo"! – que procurámos
seguir, embora tenhamos a certeza de que a não cumprimos inteiramente.
No entanto, muito nos desculpará.
As duas
traduções que aqui apresentamos são apenas um exercício, feito com amor
ao português e ao alemão e com profunda admiração por THOMAS MANN.
"Das
EisenbabnungIück", que traduzimos por "O Desastre de Caminho de
Ferro" data, segundo apurámos, de 1907. De resto, o conto dá-nos a
ideia de um MANN já mais velho. Mas o ambiente que gozava depois do
casamento e a fama alcançada com os "Buddenbrooks" podem
/
93 / explicar a atitude
geral da pequena narrativa.
Semelhantemente a Miguel Torga que, indo de comboio, é visitado pela
Poesia (Odes, p. 9), também sobre MANN desceram os
”espíritos-inspiradores” durante a fatídica viagem, que ele depois
conta. O Autor só viajava confortavelmente (e quando lhe pagavam esse
conforto!) pois que a sua vida interior já era complicada de mais. (cf.
“Tonio Kröger", "Erzählungen", p. 307).
THOMAS
MANN fala em “Das Eisenbahnunglück" na primeira pessoa e
referindo o seu caso pessoal. Também o faz em “Herr und Hund”. Em
“Gesang vom Kindchen” e em "Mario und der Zauberer", MANN
apresenta-se de novo, mas integrado na própria família. Outra vez se põe
o problema ventilado no prefácio...
Quanto ao
estilo, “Das Eisenbahnunglück" pode classificar-se de "monólogo
irónico". Monólogo em que vibra uma ironia tão clara (a ironia do estilo
de MANN não costuma ter esta qualidade: Eça de Queirós, por exemplo, é
de uma ironia muito "mais clara".) que transparece até na tradução.
“Humor
und Ironia" (“Humorismo a ironia"), segundo a nota (pp.
239-240) da "Nachlese" é uma "colaboração numa das discussões
radiofónicas dirigidas por Oskar Jancke, com Werner Weber e GarI
Hebbling,
/ 94 /
gravada pelo Stüddentschen Rundfunk a 15 de Setembro de 1953 em
Zurique e transmitida pela primeira vez a 27 de Dezembro de 1953, sob o
título de "Sprache und Humor in meinem Werk" ("Linguagem e
humorismo na minha obra”). Para finalizar a emissão, THOMAS MANN leu
da página 82 à 96 de "Der Erwählte" (Stockholmer Gesamtausgabe –
S. Fischer Verlag, Frankfurt a. M.)".
Já atrás
tivemos oportunidade de nos referir a esta palestra, em que MANN defende
que, na sua obra, o humorismo desempenha papel de relevo, não inferior
ao desempenhado pela ironia. |