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Thomas Mann, Evolução. Da «existência artística» ao humorismo - Coimbra, 1960, pp. 87 a 94

Versões portuguesas da obra de Th. Mann

THOMAS MANN não é dos autores alemães menos traduzidos entre nós. Vamos citar as versões da sua obra, de que tivemos conhecimento, editadas em Portugal. Como todas elas (com uma única excepção!) não trazem a data da sua publicação, optamos pela ordem cronológica dos originais. Fazemos isto sempre que possível, para não desmembrar o todo imposto pelas edições portuguesas.

 

● "Os Buddenbrooks" (trad. de Herbert Caro, revista por A. Vieira d’Areia, "Livros do Brasil, Ld.ª, Lx.).

● "Um pouco de felicidade", "O Senhor Friedemann", “Mário e o hipnotizador", "A criança prodígio", "Tobias Nindernickel", "Alma infantil" (trad. de M. P. Marques Ferreira e P. Moraes Carvalho, in "Os

Melhores Contos de Thomas Mann", "Editorial Hélio", Lx. MCMXLVIII). [No final,"confessa-se" que um dos contos foi traduzido da versão inglesa, pois cita-se como fonte "The Pocket Book of Short Stories".]

● "Tristão" (trad. de Hildegard Bettencourt e F. Lopes Graça, /  88 / Editorial Inquérito, Ldª, Lx. – Novelas "Inquérito" N.º 31.

● "Tonio Kröger" (trad. de S. C. B., in "5 Obras-Primas da Novela Contemporânea", Portugália Editora, Lx.).

● "Inquietação e dor precoce" e "O menino prodígio" (trad. de S. Chanveau Biberfeld, in "Os Melhores Contos da Língua Alemã", Portugália Editora, Lx.).

● "Morte em Veneza", "A pequena Lizzy", "Desilusão", "O sangue dos Wälsungen", "O diletante" (Nesta edição, publicam-se os nomes dos autores da selecção, do prefácio e dos desenhos. Mas, talvez por vergonha, não se estampa o nome do tradutor; in "Os Melhores Contos de Thomas Mann", Editora Arcádia, Ld.ª, Lx.) ["A pequena Lizzy" é a tradução apresentada para "Luischen". Não ficaria bem "Luisinha"? Parece que o tradutor se acosta muito às traduções inglesas. Com efeito, Erich Heller, numa lista bibliográfica apresentada a p. XV de "Thomas Mann - Stories and Episodes", (Everybodys Library, N.º 962) escreve "Little Lizzy", traduzindo "Luischen". A tradução inglesa do título "Der Bajazzo", que vem também na dita lista, é "The Dilletant”. E como é o titulo na colectânea portuguesa? "O diletante". Coincidências que começam logo nos títulos…

"O Sangue dos Walsungs", (sic na trad. port.; o título inglês é "The Walsungsblood" - Wälsungen é o nome que aparece em "O anel do Nibelungo", de Ricardo Wagner, assunto inspirado na “Saga Völsunga, cuja / 89 / versão mais antiga está incluída na Edda Maior.]

● "A Montanha Mágical” (trad. de Herbert Caro, revista por Maria da Graça Fernandes, Livros do Brasil, Lx.)

● "As Cabeças Trocadas” (trad. de L. de Oliveira e E. C. Guerra, revista por A. Vieira d’Areia, Livros do Brasil, Lx.).

● “O Eleito” (trad. de Maria Osswald, Portugália Editora, Lx.).

● “O Cisne Negro” (trad. de Domingos Monteiro, "Estúdios Cor, Lx.) [“The Black Swan” é o título da tradução inglesa, aliás ainda não referido no dito livro de Heller, cuja primeira publicação data de 1940. ("Die Betrogene" apareceu em 1951!). Mas na lista das traduções inglesas de "The Ironic German" (1958), também de Heller, (citado na bibliografia deste trabalho!), a p. 288, pode ler-se tal tradução para o título.]

● "As confissões de Felix Krull, cavalheiro de indústria”, (trad. de Domingos Monteiro, "Estúdios Cor”, Lx.)

 

Que saibamos, saíram em jornais portugueses versões de dois contos:

● "Tobias Mindernickel" (sem indicação do tradutor), "Norte Desportivo”, 23.2.1958.

● "A Hora Difícil", trad. de J. M. C., "Diário Ilustrado", 5 e 9.9.1959.

 

/ 90 / Os tradutores das obras indicadas tiveram de lutar contra um estilo que quase sempre sugere mais do que aquilo que explicitamente exprime – e contra o conhecimento pressuposto de uma série de associações que pertencem ao "fundo" da experiência alemã. É esta, aliás, uma das grandes dificuldades da tradução, cavalo de batalha dos que defendem a sua impossibilidade. Contra tal, pode lutar-se, em parte, com uma abundante notação. Mas as traduções citadas não a possuem: é que, com isso, evidentemente, só se cansaria (e até afastaria!) o público que as lê. Neste plano, elas servem para cumprir um humilde destino: a difusão do nome de THOMAS MANN entre nós...

Temos também notícia de que, no Brasil, existem todas as versões portuguesas da novelística manniana, inclusivamente a longa tetralogia bíblica. Mas, tanto quanto pudemos apurar, nem cá, nem lá, se traduziu nenhum dos ensaios e discursos.

 

O problema sobre o valor da tradução é inesgotável em discussões. Muitos têm equiparado o tradutor ao traidor, mas também muitos o têm considerado até como autor da história da língua que vai enriquecer.

Numa comunicação ao III Congresso de Tradutores de Bad Godesberg, houve quem louvasse assim a obra traduzida: "Bien traduire / 91 / Pindare, Shakespeare ou Pouchkine en français (par example), c’est écrire le texte que Pindare, Shakespeare ou Pouchkine auraient écrit s’ils avaient disposé des ressources du français au lieu de disposer de celle du grec, de l’anglais ou du russe" (R. Caillois, "BabeI", V-2, Juin 1959, p. 62).

Talvez sejam mais frequentes, porém, os ditos em que a tradução é desacreditada: na boca de D. Quixote, Cervantes dizia "que el traducir de una lengua en otra (...) es como quien mira los tapices flamencos por el revés: que aunque se veen las figuras, son llenas de hilos que los escurecen y no se veen con la lisura y tez dela haz" (*); quase o mesmo nos diz Goethe (Sprüche in Prosa: Maximen und Reflexionen III): "Übersetzer sind als geschäftige Kuppler anzusehen, die uns eine halbverschleierte Schöne aIs höchst liebenswürdig anpreisen: sie erregen eine unwiderstehliche Neigung nach dem Original"; também Platen (Über eine Properzverdeutschung) escreve: "Man wird am Ende auf das Resultat zurückgeführt, dass alle Übersetzungen immer nur Pygmäen im Vergleich mit ihren grossen Originalen bleiben". E, já nos nossos dias, em "Miseria y esplendor de la traducción", Ortega não duvida que "un autor traducido (nos pareça sempre) un tonto". [THOMAS MANN refere-se a esta passagem do "Don Quijote", em “Meerfahrt mit Don Quijote" ("Adel das Geites", p. 549), classificando-a de "Unübertreffliche Kritik des Übersetzuntswesens".] / 92 /

Seja como for, a necessidade da tradução é um facto iniludível, e uma versão de qualidade é coisa sempre legitimamente louvada.

Também numa comunicação ao congresso atrás citado, o Prof. Vitor Ramos, do Brasil, propõe uma "fórmula" a respeitar, quando se pretende uma "tradução de qualidade":

Fidélité au texte traduit + sens esthétique de la langue du traducteur = traduction de qualité – ("BabeI", V-3, Sept. 1959).

Foi esta "fórmula" – para alguns afinal um "ovo de Colombo"! – que procurámos seguir, embora tenhamos a certeza de que a não cumprimos inteiramente. No entanto, muito nos desculpará.

As duas traduções que aqui apresentamos são apenas um exercício, feito com amor ao português e ao alemão e com profunda admiração por THOMAS MANN.

"Das EisenbabnungIück", que traduzimos por "O Desastre de Caminho de Ferro" data, segundo apurámos, de 1907. De resto, o conto dá-nos a ideia de um MANN já mais velho. Mas o ambiente que gozava depois do casamento e a fama alcançada com os "Buddenbrooks" podem / 93 / explicar a atitude geral da pequena narrativa.

Semelhantemente a Miguel Torga que, indo de comboio, é visitado pela Poesia (Odes, p. 9), também sobre MANN desceram os ”espíritos-inspiradores” durante a fatídica viagem, que ele depois conta. O Autor só viajava confortavelmente (e quando lhe pagavam esse conforto!) pois que a sua vida interior já era complicada de mais. (cf. “Tonio Kröger", "Erzählungen", p. 307).

THOMAS MANN fala em “Das Eisenbahnunglück" na primeira pessoa e referindo o seu caso pessoal. Também o faz em “Herr und Hund”. Em “Gesang vom Kindchen” e em "Mario und der Zauberer", MANN apresenta-se de novo, mas integrado na própria família. Outra vez se põe o problema ventilado no prefácio...

Quanto ao estilo, “Das Eisenbahnunglück" pode classificar-se de "monólogo irónico". Monólogo em que vibra uma ironia tão clara (a ironia do estilo de MANN não costuma ter esta qualidade: Eça de Queirós, por exemplo, é de uma ironia muito "mais clara".) que transparece até na tradução.

 

Humor und Ironia" (“Humorismo a ironia"), segundo a nota (pp. 239-240) da "Nachlese" é uma "colaboração numa das discussões radiofónicas dirigidas por Oskar Jancke, com Werner Weber e GarI Hebbling, / 94 / gravada pelo Stüddentschen Rundfunk a 15 de Setembro de 1953 em Zurique e transmitida pela primeira vez a 27 de Dezembro de 1953, sob o título de "Sprache und Humor in meinem Werk" ("Linguagem e humorismo na minha obra”). Para finalizar a emissão, THOMAS MANN leu da página 82 à 96 de "Der Erwählte" (Stockholmer Gesamtausgabe – S. Fischer Verlag, Frankfurt a. M.)".

Já atrás tivemos oportunidade de nos referir a esta palestra, em que MANN defende que, na sua obra, o humorismo desempenha papel de relevo, não inferior ao desempenhado pela ironia.

 

 

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