Índice do Almanaque.
 

DEMASIADO GRAVE PARA DEIXAR ESQUECER

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Guilherme Alves Coelho

Tornou-se chocantemente óbvio que a nossa tecnologia excedeu a nossa humanidade.

Albert Einstein.

 

Em números anteriores da revista tenho procurado estabelecer uma distinção entre as causas naturais das catástrofes e as resultantes da intervenção dos humanos sobre a natureza. Referi ter-se chegado a um ponto de oportunismo inqualificável, em que alguns se aproveitam das catástrofes para delas tirar proveito pessoal. Transmiti suspeitas de haver por detrás de algumas catástrofes já não apenas um aproveitamento, mas mesmo uma intencionalidade criminosa, “para alargar o mercado e criar novas oportunidades de negócio”. Algumas catástrofes poderiam ter sido provocadas. Procurei ainda alertar para o perigo de determinados empreendimentos de alta periculosidade estarem entregues a empresas privadas que negligenciam a manutenção, pondo em risco a vida de muitas pessoas. Citei como exemplo o caso da central nuclear de Fukushima, no Japão, que explodiu há mais de um ano e ainda hoje provoca sérios danos não só para os japoneses como para o mundo. 

Pensei que estaria tudo dito sobre a matéria e poderia encerrar definitivamente o tema. A leitura de um importantíssimo livro de uma jornalista norte-americana de nome Naomi Klein, veio lançar novas achas para uma fogueira já de si tão devastadora que parecia impensável poderem aumentar. No entanto é o que ela mostra no livro “A doutrina do choque – capitalismo de desastre”, publicado em 2009. Nele se confirma a ideia de que as catástrofes, tal como as crises económicas, as guerras, a destruição e o caos, poderiam estar a ser uma prática intencional destinada a criar condições para a criação, já não tanto de determinados empreendimentos isolados e oportunistas, como tenho referido, mas fazendo parte de uma estratégia global de avanço do próprio capitalismo ou, pelo menos, um determinado tipo de capitalismo, pela autora denominado “capitalismo de desastre”. Como exemplo cita o comentário de um empresário de uma firma de segurança no Iraque após a invasão deste país pelos E.U.A..

“Para nós o medo e a desordem ofereciam grandes promessas”. O ex operativo da CIA, de 34 anos, estava a referir-se a como o caos no Iraque, após a invasão, tinha ajudado a sua desconhecida e inexperiente firma de segurança privada, a Custer Battles, a sacar cerca de 100 milhões de dólares em contratos ao governo federal. As suas palavras poderiam ser usadas como slogan para o capitalismo contemporâneo – “o medo e a desordem são os catalizadores de cada novo salto em frente.”

Esta nova forma de capitalismo em vigor, é tão aberrante que a jornalista recusa mesmo a designação de capitalismo para o sistema que está a denunciar e que representa, de certo modo, a derrota do capitalismo produtivo tradicional tal como era conhecido até há pouco.

(...) Um termo mais preciso para descrever o sistema que apaga as fronteiras entre o Grande Governo e os Grandes Negócios é corporativista, não é liberal, conservador ou capitalista. As suas principais características são enormes transferências de riqueza pública para mãos privadas, muitas vezes acompanhadas por uma explosão de dívidas, um abismo que não pára de se alargar entre os ricos deslumbrantes e os pobres descartáveis, e um nacionalismo agressivo que justifica gastos ilimitados com a segurança. Mas devido às claras desvantagens para a vasta maioria da população deixada de fora da bolha, outras características do Estado corporativo tendem a incluir a vigilância agressiva (mais uma vez com o governo e as grandes corporações a trocarem favores e contratos), encarceramentos em massa, liberdades civis cada vez mais diminutas, e muitas vezes, embora nem sempre, tortura.”

Segundo a autora, a pretexto da liberalização do mercado, isto é, do livre comércio entre as nações, os boys ou neocons da escola de Chicago apenas pretenderam anular as regras que, mal ou bem, sustinham o capitalismo de resvalar para uma fase selvagem, a actual. Desta forma abriram as comportas e a avalanche de oportunismo e selvajaria rebentou pelo mundo fora através de fórmulas até então consideradas fraudulentas. Permitiram aquilo que, secretamente, eram os seus três objectivos principais: privatizar os bens dos Estados, retirar direitos aos trabalhadores e especular livremente. Isso permitiu a uma minoria poderosíssima arrecadar tão chorudos lucros como nenhuma vez na história tinha sido possível. E isso enquanto a imensa maioria da humanidade sofria a maior miséria ou a morte por subnutrição. Mas esta gente é insaciável. Ameaçam indiscriminadamente todos aqueles que ousem fazer-lhes frente. Nem que para isso tenham de recorrer a métodos que podem pôr em perigo a própria vida na terra.

Neste inicio de milénio a humanidade encontra-se numa encruzilhada perigosa. Está confrontada com o seguinte dilema: ou deixar perigosas tecnologias capazes de dizimar a humanidade nas mãos de alguns idiotas fanáticos e irresponsáveis, mas extremamente  poderosos, ou cortar o mal pela raiz, isto é, com este sistema.

A todos nós esta causa diz respeito. O que aqui se descreve não se aplica apenas a um qualquer lugar lá nos confins da terra. De acordo com esta perspectiva, o que estamos passando é apenas mais uma dessas catástrofes que esse grupo anda a tramar pelo mundo fora.

 

Ainda sobre Fukushima. Três notícias de última hora

Aspecto da central de Fukushima após o maremoto de 11 de Março de 2011. Imagem extraída da Internet.Notícias de recentes revelam que as instalações ainda existentes estão a afundar-se no solo perigosamente, correndo o risco de desabarem a qualquer momento e mergulharem no mar. Tal constituiria uma catástrofe de tal ordem que não só o Japão seria afectado, mas todo o mundo.

"A precária situação da instalação nuclear japonesa de Fukushima Daiichi continua a agravar-se, de acordo com um importante funcionário japonês.

Durante uma entrevista recente, Mitsuhei Murata, ex-embaixador do Japão para a Suíça e Senegal, disse que o terreno sobre o qual fica a unidade 4 está-se afundando e que toda a estrutura poderia estar à beira de um colapso. O Bloco 4 tem actualmente mais de 1.500 barras de combustível nuclear gasto e um total de 37 milhões de curies de radiação mortal que, se libertados, poderiam deixar a maior parte do mundo completamente inabitável.” (Ameaça de uma catástrofe nuclear em Fukushima, Cubadebate, 17 de Outubro de 2012.)

Notícias censuradas nos E.U.A. provenientes da costa oeste relatam a presença de radioactividade em algumas destas zonas costeiras que já teria provocado 14 000 mortes.

 “As consequências da catástrofe nuclear de Fukushima 2011 são maiores do que as reconhecidas, na medida em que os cientistas estimam em 14 mil as mortes nos Estados Unidos por causa da precipitação radioactiva do Japão, de acordo com um relatório de Dezembro 2011 da Revista Internacional de Serviços de Saúde.” (Notícia censurada nº 3: A precipitação de Fukushima" Cubadebate, 28 de Outubro de 2012)

Outras notícias revelam que, embora os responsáveis tentem minimizar os perigos, as instalações continuam a derramar constantemente líquido radioactivo para o mar provocando a contaminação dos peixes na costa do Japão, estando mesmo em causa a sua captura.

 A Tokyo Electric Power Co. (TEPCO), disse a jornalistas nesta sexta-feira, o  que não pode  confirmar-se, que a radiação tinha parado de vazar da central nuclear atingida por um terramoto e tsunami em Março de 2011. Disseram ainda que os níveis de radiação na água e no fundo do mar ao redor da central estavam diminuindo. Um recente artigo na revista académica Science revelou que 40 por cento das espécies que habitam o fundo marinho na área mostram níveis de césio-134 e 137 que ainda são mais elevados do que o normal. ("Os donos da central de Fukushima podem estar lançando radiação no mar". Rússia Today, 26 de Outubro de 2012).

Lembra-se que as causas naturais de toda esta tragédia na central nuclear de Fukushima no Japão no ano passado, foram um terramoto seguido de tsunami que invadiu e destruiu as instalações. Porém as causas mais prováveis para a amplitude que atingiu o desastre tem sido imputada à localização imprópria do complexo, construído à beira mar, ao inadequado projecto de segurança e à negligência na manutenção dos equipamentos completamente obsoletos, que são propriedade de uma empresa privada norte-americana.

Nunca é demais repetir: há empreendimentos que, pelo seu risco, não podem ser entregues à iniciativa privada e resumir-se a uma mera oportunidade de negócio, onde o máximo lucro se sobrepõe a tudo, incluindo a vida de milhares de pessoas, ou mesmo milhões.

2012-11-22

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