Índice do Almanaque.
 

OS MEIRINHOS DA INQUISIÇÃO DE ÉVORA (1)

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(1596-1703)

 

Bruno Lopes

 

O tribunal da Inquisição portuguesa, instituição que vigorou entre 1536 e 1821, contava com uma máquina administrativa considerável que punha em marcha todas as diligências processuais necessárias ao seu funcionamento. Estes quadros de indivíduos têm sido alvo de recentes estudos por parte da comunidade académica.

Este trabalho incide sobre um desses postos inquisitoriais – o de meirinho – e na patrimonialização a que este cargo esteve sujeito entre 1596 e 1703, centrando-se no tribunal da cidade de Évora (havia também os de Coimbra, de Lisboa e de Goa). Era comum na sociedade de Antigo Regime determinados ofícios serem legados como bens patrimoniais, e tanto acontecia na Coroa e instituições afins, como nos tribunais da Inquisição.

As funções principais do meirinho situavam-se no pelouro da segurança e da execução da justiça, com implicações no protocolo e no aparato cerimonial dos tribunais e respectivos agentes inquisitoriais. Era sua obrigação acompanhar os inquisidores em todas as ocasiões que se mostrassem em público e nas deslocações entre as suas casas e o tribunal da Inquisição. Na cidade, quando portador da vara, não podia acompanhar qualquer outra pessoa.

Do ponto de vista da segurança, devia cuidar para que nenhum indivíduo externo entrasse armado nas casas da Inquisição.

A partir de 1640, passou a assistir na sala da Inquisição, assim como no auto público da fé e demais ocorrências em modo de tribunal. No auto da fé assistiria no altar das abjurações e ordenaria – pelo rol que lhe fora previamente distribuído – que os presos estivessem nos locais devidos para ouvirem as suas sentenças. Trataria de os colocar na postura adequada e era sua obrigação tirar-lhes os hábitos, quando a sentença a isso ordenasse, e caso se tratasse dos relaxados, entregá-los à justiça secular. Sempre que lhe fosse ordenado pelos inquisidores, deveria acompanhar os advogados que assistiam os presos, cuidando para que o diálogo se circunscrevesse apenas à sua defesa. Na sala do Santo Ofício zelaria pela compostura e pelas cortesias a cumprir para com os ministros, quando estes entrassem e saíssem da sala, o que, de certo modo, lhe conferia, também, funções de mestre-cerimónias.

Para poder prender alguém, o meirinho tinha de ser possuidor de um mandado assinado pelos inquisidores, e deveria fazer as prisões com recato, tratando com toda a honestidade os presos com honestidade e decência as mulheres. Ao prender os indivíduos, deveria cuidar para que trouxessem consigo cama, roupa, dinheiro – até 20.000 réis, ou o que pudessem – e alimentos. Não consentiria que se falasse com os presos nem se lhes dessem avisos, e teria particular atenção para que fossem levados para a Inquisição apartados, sobretudo os que fossem parentes.

Cerca de 1561 na vila de Botão, no bispado de Coimbra, nasceu António Pereira que era mestre-sala do inquisidor-geral de D. António de Matos de Noronha, na cidade de Lisboa. Um dia depois de este tomar posse naquele cargo, indigitou António Pereira no posto de meirinho da Inquisição de Évora, corria o ano de 1596. A partir deste ano, António Pereira passou a residir na cidade alentejana onde se tornou irmão da Misericórdia. Em 1619 residia na Rua de Alconchel. Faleceu no mesmo local, tendo sido sepultado junto ao altar de São José na igreja da Misericórdia.

Sendo defunto António Pereira o cargo de meirinho ficaria para o seu filho primogénito, António Pereira do Souto, que o ocupou a partir de 1621. Este último casou cinco anos depois e ficou a residir em casa da sua mãe-viúva e das suas irmãs, o que originou diversos atritos familiares, levando à sua saída para morar em casa própria na Rua das Fontes, em Évora, em 1627. Tinha um escravo chamado Francisco que era um dos melhores trabalhadores de vinha daquela urbe.

O segundo meirinho deste enredo, não tendo descendência familiar masculina, nomeou a sua filha como proprietária do ofício de meirinho. Esta não o podendo exercer, por ser mulher, ficaria com um dote mais avultado. Acordado o casamento foi escolhido para noivo João Rodrigues Tenreiro, membro da nobreza local da vila de Mourão, e a cerimónia matrimonial foi celebrada a 26 de Outubro de 1658. Faleceu no final do ano de 1664 também não deixando descendência masculina. Quando morreu tinha duas filhas menores – Catarina e Josefa. A primeira morreu ainda em criança e para a segunda acordou-se casamento com José Rodrigues Galego Tenreiro.

José Tenreiro era natural de Évora e filho de um familiar do Santo Ofício, outro dos postos da hierarquia inquisitorial, o que denota a procura de patamares sociais semelhantes para estes matrimónios. Casaram em 1677 e tiveram dois filhos: Laurência e Jorge. Falecido o pai, Jorge, ainda que não fosse primogénito era homem, foi escolhido para suceder ao seu pai no cargo de meirinho.

Jorge Tenreiro Souto Maior nunca chegou a casar e em 1699 ocupou o posto de meirinho. No entanto, em 1703 cometeu o homicídio de Brás de Mira e foi condenado à pena capital e banido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Perante este acontecimento, esta família que desde 1596 detinha a propriedade deste posto, perdeu este bem patrimonial, levando a que o inquisidor-geral a atribuísse a outros indivíduos.
Évora cidade-sede de tribunal inquisitorial aglutinava, deste modo, pessoas de várias partes do Reino que para ali transferiam as suas residências, para desenvolveram cargos nesta instituição de prestígio na sociedade do Antigo Regime.

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(1) – Texto desenvolvido no âmbito do projecto: PTDC/HIS-HIS/118227/2010 – Grupos intermédios em Portugal e no Império Português: as familiaturas do Santo Ofício (c. 1570-1773).

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