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Artes - Letras - Ciências
Suplemento do n.º 271 do "Litoral"
Dezembro de 1959, Ano I, n.º 4
pág. 17

 

carta a

Luís Francisco Rebello

Velho é o conceito da Vida-Teatro, expresso no adágio tão corrente como verdadeiro: «a Vida é um palco imenso...» Assente é também a certeza de que o primeiro homem foi o primeiro actor, e de que ele e os que lhe sucederam nunca mais deixaram de pisar um palco rotativo, de cenários tão exóticos como exuberantes, e tão mesquinhos como grandiosos. Até que um dia, este artista consumado e senhor de expressivíssima mímica, quis ver-se a um espelho, mas um espelho suficientemente indiscreto para lhe salientar os defeitos e virtudes. E saltou para um palco reduzido, fruto e parceiro da sua singular ambição.


Intróito, vagueamento ou outra coisa, estas palavras mais não pretenderam do que comprovar a, aliás, sua teoria: o teatro é um espelho do tempo — porque é um espelho do Homem, e o tempo é o sopro fraco ou vigoroso duma Humanidade fraca ou vigorosa.

Abreviando: o Teatro de Luís Francisco Rebello pretende ser, claramente, o retrato expressivo desta época conturbada em que «as perguntas correm atrás das respostas, sem nunca as encontrarem...». Numa simbiose de poesia e realidade, de desânimo e de esperança, sobretudo de fé no Homem, a sua obra cumprirá a pretendida missão — a de ser espelho deste tempo em que, em todas as portas, de todas as ruas, de todas as cidades, se ouve a mesma palavra: «CRISE».

Mas há um facto que me leva a suspeitar duma maior largueza das suas ambições como autor teatral. E a verdade é que a referida simbiose, servida por um estilo quase sempre igual, denuncia claramente uma ligação entre todas as peças, como que a agarrá-las para a eternidade — porque todo o espelho expressivo da Humanidade, caído no mundo da Arte, tem direito à vida eterna.

Posto isto, aí vai a pergunta-base desta carta, dirigida por um «carola», quase ignorante neste belo mas complexo mundo, a um dos mais representativos, sem favor, autores de Teatro em Portugal:

— Será que Luís Francisco Rebello pretende fazer da sua Obra uma só peça, dividida nos muitos actos que vão surgindo esporadicomente?

Talvez a lógica da pergunta não acompanhe a lógica evidente da pretensão.

Enfim, estará o Luís Francisco Rebello disposto a aclarar, para mim e demais leitores de “Companha”, este desejo — raiz de todas as Obras verdadeiras?

Muito grato se confessa o sincero admirador

PEREIRA DA SILVA

poema de
alberto pimenta

A noite de testa suada,
e cada dia seguinte — um grande dia.
Cada dia seguinte
cheio de deveres e de intenções
e de um pesado adiamento.

As horas largas, enroladas, enroladas,
enroladas e atravessadas de dor —
e cada bafo de gesto
sumido no pântano das faltas
e cada desespero de agarrar ervas sem raiz
a pedir um canto ainda mais lúgubre.

 


Por vezes os sentidos são tão pequenos...
por vezes as famílias se desencontram...
por vezes até a estrada é esmagada
como asa de insecto casual.

As cascas de tudo o que é sujo
agarram-se à pele da alma,
e depois são as unhas negras do hábito
os pés de certa gente por cima das mesas
o céu que teima em ser inutilmente igual e impassível —
e aquele desejo podre de esperar.
— Dá vontade de morrer a cada instante. 

Entretanto, as horas são largas
e tudo teima em prolongar-se.

 

As imagens têm voz Entrevista com Mário Braga Correspondência dos Leitores Três Poemas de William Carlos Williams Rodolfo da Cantuária Crítica literária Carta a Mário Sacramento Considerações gerais sobre "factos" Carta a Luís Francisco Rebello Uma exposição de monotipias de Emanuel Macedo e José Paradela Digesto de Notícias Lembrança de Raul Brandão Ilusões (conto) Entrevista com o Dr. José Pereira Tavares Concerto do Silêncio (crónica) Do infinitamente pequeno ao infinitamente grande Poemas EscamasAsas cortadas Fac-símiles

 

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