Liturgia Pagã

 

Todo o Advento é uma Geografia de Fé

 

A Liturgia Pagã vai aproveitar o Advento para «obras de restauro»  – muito de acordo com a espiritualidade destes domingos.

A palavra «restauro» é perigosa, porém – a não ser que signifique recuperar todo o vigor de que se é capaz. Mesmo assim, não é sensato olhar para uma medida certa ou um modelo pelo qual nos devamos «avaliar» (outro conceito hoje em dia perigosíssimo…). É que, justamente, os «modelos de avaliação» jamais podem ser ditados por um grupo de pressão, seja ele de raiz política, económica ou religiosa.

O que é preciso restaurar é a força para «abater os montes e altear os vales» (1ª leitura do 2º domingo) – ou seja, ter coragem para alterar radicalmente, quando preciso for, a «geografia» das relações humanas, das minas de tesouro e particularmente a «geografia da fé» – com vales e montanhas demasiado caprichosos, porque fruto da acção dos mais diversos tipos de «artistas», do que poderia ser exemplo a extraordinária ilusão óptica na igreja de Gesú, em Roma: quem olha para o interior, particularmente para a cúpula, como que se sente arrebatado para as alturas, mais propriamente para o céu da glória divina.

            É tempo de restaurar a Família de Jesus e o seu ambiente histórico, descobrindo como uma simples e normal família humana pode ser extraordinária no acolher e «pôr a render» (ver a parábola dos talentos) a Força de Deus;

Restaurar a «omnipotência de Deus» – cujo sentido é sublinhar como a realidade divina está infinitamente acima dos nossos conceitos e «dos nossos caminhos» (um leit-motiv da literatura sapiencial do A. T. e da 1ª carta aos Coríntios, 1, 17-31). Por isso a omnipotência nunca pode ser modelo (como é tenebrosamente triste o arremedo de quem se arroga de poder e verdade absolutos!);

Restaurar sobretudo o amor de Deus: amor que também não pode ser como o nosso amor, porque não somos «omnipotentes», e por isso nos cansamos, duvidamos, nos iludimos e erramos – mas sabemos que o amor «não deve ser assim»;

Restaurar a mensagem de Jesus Cristo: veio, «apenas», «expor Deus» – não num templo, não num livro, não numa elite sacerdotal, intelectual ou política… mas em toda a nudez, despida das roupagens preconceituosas.

Talvez hoje seja mais difícil falar de amor – é um conceito terrivelmente gasto pelos mais variados agentes de erosão (entre eles, o revirar dos olhos…). Mas isto tinha que acontecer, pois o amor é o único termo do calibre de omnipotência, e portanto não pode ser cabalmente descrito.

Por isso, é que é preciso restaurar a fé (mesmo que não se restaure tão cedo o «símbolo da fé» ou «credo»): a fé tem que pedir os olhos ao amor (S. Paulo) – é a ginástica paciente do futuro do verbo amar. O futuro, porque o presente é aquilo que pode ser melhorado…

 

 28-11-2008


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