Liturgia Pagã

 

Um cafezito com Deus

 

9º Domingo do Tempo Comum (ano A)

1ª leitura: Livro do Deuteronómio, 11, 18-32

2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Romanos, 3, 21-28

Evangelho: S. Mateus, 7, 21-27

 

O evangelho dá-nos um bom exemplo para o CURSO BREVE DE GESTÃO (C.B.G.) do domingo anterior: Uma casa não vale só pela aparência nem pela rapidez com que foi construída. A própria paisagem é instável. Mas o que é mesmo condenável é não saber escolher o terreno mais sólido e menos ameaçado pelos vários perigos naturais. A pressa não é boa conselheira. E menos ainda a vaidade. E muito menos não ter captado o essencial do C.B.G.: a Justiça como motor de cada dia – orientando até as acções mais simples e rotineiras. A casa mais sólida não seria a mais imponente… mas só ela resistiu às tempestades da vida.

«Ponho hoje diante de vós a bênção e a maldição» (1ª leitura) – como pôs, no paraíso perdido, a árvore do bem e do mal. O mito do primeiro confronto do Homem com Deus é revelador de uma tendência para torcer contra aquilo que nos é proposto como o melhor. Como dizia um adolescente bem espigado, num recente programa de televisão, «os pais não têm o direito de dizer aos filhos o que está bem ou o que está mal. Nós é que decidimos o que é bom ou o que é mau para nós» (era a propósito das relações sexuais na adolescência).

De facto, os pais não têm o direito de dizer aos filhos o que é bom ou o que é mau: TÊM O DEVER. Mas isto é que é difícil: aceitar e preparar-se para o dever! Quantos pais se preparam, ou lhes é dado a oportunidade de preparação para serem pais? E não é só no que respeita à política familiar – é na política do trabalho, da cultura... Temos o dever de pensar o que é bom e o que é mau, e para isso temos que saber escolher, e para isso temos que adquirir conhecimentos, e para isso temos que desejar saber sempre mais, e para isso temos que reconhecer que sabemos sempre muito pouco, e que o melhor meio de o pouco dar muito é partilhar as experiências entre gerações, entre a riqueza feminina e masculina, entre profissões e estatutos sociais diferentes. Isto é, precisamos de «mesas redondas».

Mas como abancar com Deus no melhor cantinho de uma tasca?

Olhando bem não faltam exemplos sugestivos: tanto nos livros sagrados de todas as religiões como nas experiências pessoais de tantos homens e mulheres – desde “arroubos místicos” à singela oração do publicano, que num cantinho humilde do templo dizia a Deus: «perdoai-me e ajudai-me, porque não ando a acertar na melhor escolha» (S. Lucas, 18, 9-14).

Era um sábio, o publicano, e usou bem a esperteza de quem nada tem: abriu o jogo perante a única pessoa garantidamente fiel na criação de uma sociedade de responsabilidade ilimitada. Juntamente com o publicano, entrara no templo um homem importante, que só dizia orações bonitas, a gabar-se de ser melhor do que os outros, e que fazia tudo bem. Mas só ele é que entrava na história, não havia lugar para Deus. Por isso, diz Jesus que Deus não pôde avalizar esse projecto de vida de orgulho palavroso – mas entrou na jogada do publicano (esta parábola não é do evangelho de hoje, mas vem a propósito).

Particularmente na religião judaico-cristã, Deus revela-se como gostando de ouvir as nossas histórias, e que para isso tem mais do que toda a paciência que possamos conceber. Grandes histórias alegres ou tristes, pequenas histórias como à mesa de um café, ou mesmo como um rápido «olá!» ao virar da esquina.

Temos que meter Deus na nossa história, por muito esquisita ou mal contada que seja, e assim Ele avaliza o grande negócio da nossa vida. E falamos dos nossos projectos – que, se vão à ruína, desgraçam muita gente sem culpa.

Deus gosta tanto de se meter na nossa história, que revelou o seu amor na vida de um humilde judeu, nas suas alegrias, sofrimentos, entusiasmos, amizades, traições e solidão. E esse homem, Jesus, põe-nos de aviso contra as lindas orações que não reflectem intenção sincera de construir os projectos sobre alicerces a toda a prova. Vamos construindo «a nossa casa» pela vida fora. Pedra a pedra, tijolo a tijolo, emendando aqui, deitando abaixo acolá, mas com o gozo de quem se vê resistir a todas as tempestades à volta, incluindo aquela tempestade que nem nós próprios poderemos contar. Firmes, sobre «o rochedo que é Cristo» (1ª carta aos Coríntios, 10, 4).

É no riscar os planos, é nos dissabores da construção, é na derrocada de uma parede inteira mal construída, que aprendemos a pensar sobre o que estamos a fazer – e a ouvir o Deus que nos ouve. Também é assim que nos preparamos para o dever da Justiça, sem medo de dizer aos outros o que é bem ou mal. Porque as razões da nossa escolha foram pensadas e discutidas, sendo progressivamente joeiradas nos tais encontros de «partilha de diferenças». Mas é preciso que todos eles se sentem humildemente a um cantinho do templo, para também partilharem com Deus o plano e as histórias da vida – ou, juntando o útil ao agradável, à volta da mesinha de café com melhor paisagem…

 30-05-2008


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