Liturgia Pagã

 

Curso breve de Gestão

 

8º Domingo do tempo comum (ano A)

1ª leitura: Livro de Isaías, 49,14-15

2ª leitura: 1ª Carta de S. Paulo aos Coríntios, 4,1-5

Evangelho: S. Mateus, 6,24-34

 

Gestão garantida do dia-a-dia, seja como for o seu dia. Não diga não a este curso de gestão.

Os negócios andam no melhor? Ou caiu na fossa? Procura casar-se? Sente-se velho? Doença grave? Quer ser Ministro? Já é? Planeamento familiar? Compra de casa? Preocupado com as férias? Não se pode preocupar com as férias porque nem tem cheta para comer? Não gosta do Governo? Gosta do Governo?...

Estes são apenas alguns exemplos do nosso CURSO BREVE DE GESTÃO. Ficará admirado, porque o núcleo duro do curso fornece-lhe orientação de sucesso garantido, por muito bem ou muito mal que lhe corra o dia. É uma receita diariamente infalível.

Talvez preferisse outra coisa, mas o senhor responsável por este curso dá pelo nome de Jesus de Nazaré. Aliás, uma regra do curso para principiantes é «não prefira outra coisa» mas «enfrente essa coisa», começando por enfrentar o seu «vício» de ter preferências – o que o levaria a uma vida de contínua desilusão! Em poucas palavras: prefira não preferir.

Aqui se abrevia este curso breve – em 3-leituras-3 –, chamando-se evangelho à terceira, porque é a principal e donde se tiram as boas ideias (POR ECONOMIA DE ESPAÇO, PÕE-SE TUDO NO MASCULINO):

  1. Não ande preocupado em como sair da fossa ou aumentar o negócio. Isto é, não dê cabo do dia, sempre à volta desse pensamento. (Mateus, o primeiro relator deste curso – já lá vão 2000 anos de sucessos! – usa muito o verbo grego merimnao, com o sentido principal de se deixar encher de preocupações).

  2. Pode descansar, por exemplo, contemplando o voo das aves, a fauna selvagem, o cheirinho dos campos em flor ou não, as paisagens que mais o encantam. Se gosta de história, lembre os tempos do rei David, que envelheceu a pensar no melhor palácio, na roupagem mais digna de um rei, qual a mulher com quem passar a noite (entre umas centenas à disposição) … ou vá ver o Indiana Jones.

  3. Nunca se submeta a dois patrões. Mesmo só a um… Você é que é senhor de si mesmo. Não se venda a ninguém – e quanto mais rico ou poderoso politicamente for esse alguém, mais preso fica da vontade e dos objectivos que só a ele interessam. E com dois patrões, arrisca-se a passar a vida a saltar da prisão de um para a prisão do outro. NOTA IMPORTANTE: isto não se aplica, se o patrão ou patrões fizeram este curso com sucesso.

  4. Repita: não preocupe o dia todo com coisas como ser mais sexy, o melhor orador, o mais elegante no clube, o corpo mais bem feitinho em toda a costa portuguesa…

  5. Repita mais uma vez: não quebre a cabeça para ser o melhor reitor, o melhor bispo, o melhor empresário, o melhor actor, etc. NOTA IMPORTANTE: há dificuldades específicas para membros do Governo, já veremos porquê.

  6. Como vê, é o administrador do seu dia. «Ora o que se requer nos administradores é que sejam fiéis» (2ª leitura). Portanto, não faça batota quanto à regra do curso (há só uma).

  7. «Não faça qualquer juízo antes do tempo» (2ª leitura). Quanto mais andar na montanha russa da vida, melhor compreenderá como agir.

  8. Quando se esquecer daquilo que teimava em não esquecer, verá que nunca é esquecido (1ª leitura) por alguém que o quer ajudar a ter sucesso na vida: a ser modelo, a arranjar o jardim, a planear uma cidade, a ordenar um país, a aguentar os filhos, a iludir a fome, e até a estender a mão na via pública.

  9. Verá nessa altura que o sucesso de cada uma destas pessoas, e sobretudo o seu sucesso, dependerá do sucesso de todas as pessoas.

  10. Já deixou de dar cabo da cabeça, dia-a-dia, às voltas em como ter sucesso?

  11. Então, reserve os primeiros momentos do dia para uma só preocupação: justiça no mundo. Tudo o que eu fizer, tudo o que os outros fizerem, melhor ou pior, e às vezes só com boas intenções – todas essas acções devem reflectir uma só preocupação: guiar-se pelo princípio da Justiça. Estou a utilizar a minha fome, o meu dinheiro, o meu prazer, a minha inteligência, a minha doença… como estímulo para mais justiça? Ou faço batota?

  12. Mas nem nisto se deve pensar muito! Aliás, é mesmo muito difícil de compreender.

  13. Utilize técnicas fáceis, como estas: não deixei alguém mais infeliz, por minha responsabilidade? Quando me sinto feliz, procuro ser sinal de que é bom ser feliz? E portanto… procuro facilitar que os outros sejam felizes?

  14. Tenha presente o referido problema dos Governantes: são eleitos para eliminar a batota na organização de uma sociedade justa, tarefa muitíssimo exigente sob todos os aspectos. Lembre-se porém do risco que se corre nas prisões: entra-se ladrãozinho e sai-se de lá ladrãozão.

  15. Viva a sua riqueza material ou a sua pobreza material (podemos ser ricos ou pobres de outras maneiras) como lutador pela justiça. Se tem que pedir esmola, faça desse acto uma denúncia da injustiça e organize-se em grupos que lembrem a justiça e procurem métodos de a concretizar (provérbio inglês: «slowly but surely the tide rises»). Se for pessoa de muito poder na sociedade, faça dos seus actos exactamente o mesmo.

  16. Portanto, o seu dia-a-dia pouco muda de aparência. Mas a vida mudou radicalmente: porque todos, dos mais ricos aos mais pobres, põem a justiça em primeira opção. Já é um modo de nos sentirmos unidos não só por palavras lindas. «E pouco a pouco, mas infalivelmente, a maré vai subindo» (o tal provérbio).

  17. Infalivelmente, esta opção fundamental orienta as nossas pequeninas acções, e seremos, com justiça, um modelo célebre, o mais rico empresário, a figura mais sexy do ano, os pais pacientes que só castigam com amor e prudência, o marido ou mulher que se escolhem por justa opção, o doente ou o pobre que só por si são voz da sede de justiça e que podem aumentar a sua voz com sabedoria.

  18. O responsável e criador deste curso sabia que a Justiça é a grande «definição» de Deus (ideia já secular, naquele tempo). Também sabia que nenhum projecto humano é consistente se não nos sentimos num ambiente afectuoso. Que afecto pode acompanhar o projecto da Justiça? O acolhimento, o entusiasmo e a ternura de alguém a quem, para simplificar, Jesus tratava por Pai – mas com os melhores atributos de mãe (1ª leitura). Aliás, estamos num projecto que inclui todas as gerações pelos tempos fora.

  19. Finalizando: É com ternura de pai e mãe, que Deus está a nosso lado (mesmo se o não sentimos), para dar força ao nosso projecto, abrindo janelas quando se fecham portas, mas sobretudo aliando-se à nossa resistência perante a frustração total; e gritando a todos para que ninguém esqueça que deve agir como companheiro (1ª leitura).

  20. Todo este «sem sentido» pertence aos «mistérios de Deus, de que somos administradores» (2ª leitura). Não para resolver os mistérios mas «para sermos fiéis» ao nosso projecto. «Agir como se tudo dependesse de nós; confiar como se tudo dependesse de Deus».

  21. É por isso que o grande projecto, o grande mandamento, é procurar em primeiro lugar «o reino de Deus e a sua justiça», que permite que todas as coisas se «coordenem para o bem» (Romanos, 8,28).

 25-05-2008


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