12.
ALEXANDRE
HERCULANO (1810-1877)
De
Herculano é bem conhecida a Harpa do Crente.
Em
A Voz (Herculano,1987:
41-43), começa por elogiar a natureza
É tão suave ess'hora,
Em
que nos foge o dia,
E em que suscita a lua
Das ondas a ardentia,
[...]
Ali folga o poeta
Nos desvarios seus,
E nessa paz que o cerca
Bendiz a mão de Deus.
para
depois introduzir a adversativa condicionante:
Mas despregou seu grito
A alcíone gemente,
E nuvem pequenina
Ergueu-se no ocidente:
[...]
Turba-se o vasto
oceano,
Com hórrido clamor;
Dos vagalhões nas ribas
Expira o vão furor
E do poeta a fronte
Cobriu véu de tristeza;
Calou, à luz do raio,
Seu hino á natureza.
A
contradição está desencadeada e o poeta só vê uma solução,
confiar em Deus:
Se ergueste a Deus um
hino
Em dias de amargura;
Se te amostraste grato
Nos dias de ventura,
Seu nome não maldigas
Quando se turba o mar:
No Deus, que é pai, confia,
Do raio ao cintilar.[...]
No
poema A Tempestade (op.cit.
p.85-89) também de A
Harpa do Crente, Herculano consegue transmitir a rara violência
de uma tempestade
Sibila o vento: os torreões de nuvens
Pesam nos densos ares:
Ruge ao largo a procela, e encurva as ondas
Pela extensão dos mares:
[...]
Quem me dera ser tu, por balouçar-me
Das nuvens nos castelos,
e
continuando a sonhar possuir as forças da tempestade,
transformando-se no rei da morte
Ali, eu solitário, eu rei da morte,
Erguera meu clamor,
E dissera: "Sou livre, e tenho império;
Aqui, sou eu senhor!"
e
de novo a adversativa
Mas entre membros de lodoso barro
A mente presa está!...
[...]
Oh morte, amiga morte! é sobre as vagas,
Entre escarcéus erguidos,
Que eu te invoco, pedindo-te feneçam
Meus dias aborridos:
mas,
após invocar a morte, entrega-se, resignadamente nas mãos de Deus
[...]
Nunca! Deus pôs-me aqui para apurar-me
Nas lágrimas da terra;
e
termina
Passarei minha noite a luz tão meiga,
Até o amanhecer;
Até que suba à pátria do repouso,
Onde não há morrer.
Há
em Herculano a consciência do carácter perecível da natureza em
face de Deus, da sua corruptibilidade e essa consciência é visível
também em A Rosa
(p.149-150), onde uma rosa muito bela perde as folhas e se degrada:
De quantas és a imagem,
Oh desgraçada flor!
Quantos perdões sobre um sepulcro abjecto
Tem murmurado o amor!
OS
POETAS DO FIM DO SÉCULO XIX
O 2º quartel do séc. XIX vê surgirem algumas descobertas e
teorias científicas muito importantes no domínio das ciências
naturais: Lyell publica em 1830 os seus Princípios
de Geologia que com a
Nova Teoria da Terra de Hutton (1788) acabam por destruir a versão
dos 6 dias utilizados por Deus para formar o mundo, Darwin inicia a
sua célebre viagem no Beagle
(1831) e neste mesmo ano Robert Brown descobre o núcleo da célula
em vegetais.
A segunda metade do século XIX vê aparecer na curva
descendente do Romantismo,
movimentos como o Simbolismo, o
Decadentismo, o Naturalismo.
São conhecidas algumas características da poesia
simbolista, quais sejam o carácter polissémico da linguagem, a
frequência de sinestesias, as relações ou correspondências entre
os seres e as coisas, entre as coisas e a sua representação.
Como paradigma tem sido apontado o célebre soneto Les Correspondances de Baudelaire (Baudelaire, 1964: 39-40)
La Nature est un temple où de vivants piliers
Laissent parfois sortir de confuses paroles;
L'homme y passe à travers des forêts de symboles
Qui l'observent avec des regards familiers.
Comme de longs échos qui de loin se confondent
Dans une ténébreuse et profonde unité,
Vaste comme la nuit et comme la clarté,
Les parfums, les couleurs et les sons se répondent.
Il est des parfums frais comme des chairs d'enfants,
Doux comme les hautbois, verts comme les prairies,
-Et d'autres, corrompus, riches et triomphants,
Ayant l'expansion des choses infinies,
Comme l'ambre, le musc, le benjoin et l'encens,
Qui chantent les transports de l'ésprit et des sens.
Deste
poema dizem Wimsatt e Brooks em A
Crítica Literária,(1971: 701):
[...]Em
Les Fleurs du Mal (1857),
Baudelaire exprime esta concepção [das correspondências] num soneto intitulado "Correspondances" no qual toda a
natureza é vista como um templo; um templo natural cujos pilares
vivos são as árvores. À medida que o vento sopra através destas
"florestas de símbolos" são de vez em quando exaladas
palavras confusas. O poeta, devido ao seu dom especial, é capaz de
apreender estas palavras, porque em todas as coisas há um sentido
simbólico, e cada objecto da natureza tem a sua ligação especial
com uma realidade espiritual. [...]
13.CAMILO
PESSANHA (1867 - 1926)
Alguns
poemas de Pessanha vão buscar à natureza elementos para falar de
si. Está neste caso Água
Morrente (Pessanha, 1973: 73) que traz como epígrafe, e
porventura não é por acaso, dois versos de Verlaine:
Il
pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville.
Verlaine
Meus olhos apagados,
Vede a água cair.
Das beiras dos telhados,
Cair, sempre cair.
Das beiras dos telhados,
Cair, quase morrer...
Meus olhos apagados,
E cansados de ver.
Meus olhos, afogai-vos
Na vã tristeza do ambiente.
Caí e derramai-vos
Como a água morrente.
Estar
em sintonia com a natureza já não é aqui participar da alegria ou
da comunhão com uma beleza purificadora mas antes comungar em uma
morte que é comum (à natureza e ao homem), carácter que adquire
um tom obsessivo pela repetição de determinados segmentos:
Meus olhos
apagados (v.1, 7 e 9), Das
beiras dos telhados (v.3 e 5), cair
(v.2, 4, 6 e 9), a água
(v.2 e12).
14.ANTÓNIO
NOBRE (1867 - 1900)
O
poema Carta a Manuel
(Nobre, 1974: 59-67) é um dos mais conhecidos poemas de António
Nobre. O poema inicia-se por um pedido de desculpa pela resposta
tardia:
[...]Não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paisagem triste, triste
A cuja influência a minha alma não resiste.[...]
ou
seja a sua vida, o seu estado de espírito está influenciado pela
paisagem, pela natureza, o que é confirmado logo a seguir:
[...]E
pede ao Vento que não uive e gema tanto:[...]
[...]Histeriza-me o Vento,[...]
[...]O Vento afoga o meu espírito num mar
Verde, azul, branco, negro, cujos vagalhões
São todos feitos de luar, recordações.
Á noite, quando estou, aqui, na minha toca,
O grande evocador do Vento evoca, evoca
O meu doido Verão, este ano passado,[...]
[...]Bons tempos, Manuel,[...]
Nesta
fase do poema, a natureza toma conta da memória do autor e este
reflecte alguns versos adiante:
[...]Minhas visões! entrai, entrai,[...]
[...]Tudo se foi! Espuma em flocos pelos ares!
Tudo se foi...[...]
Refere
depois a experiência da vida universitária, sem grande entusiasmo,
em Coimbra:
Ah quanto fora bem melhor a formatura
Na Escola Livre da Natureza, Mãe pura!
A
partir daqui há um hino de amor à natureza e toda a saúde do
autor (a psíquica e não só) parece estar na dependência dela,
sol que será de pouca duração como veremos:
[...]Manuel, vamos por aí fora
Lavar a alma, furtar beijos, colher flores,
Por esses doces, religiosos arredores,
Que vistos uma vez, ah! não se esquecem mais:
Torres, Condeixa, Santo António de Olivais,
Lorvão, Cernache, Nazaré, Tentúgal, Celas!
Sítios sem par! onde há paisagens como aquelas?
Santos Lugares, onde jaz meu coração,
Cada um é para mim uma recordação...[...]
[...]Choupos, então? que é isso? erguei a fronte, vamos!
Ó verdilhões, ide cantar-lhes sobre os ramos!
Aves por folhas! animai-os! animai-os!
Aplica-lhe, ó Sol! uma ducha de raios!
Almas tristes e sós (não é mais triste a minha)
Aqui estais, meu Deus! desde a aurora à tardinha.
O Vento leva-vos a folha, a pele; o Vento
Leva-vos o orvalho, a água, o presigo, o sustento!
E dobra-vos ao chão, faz-vos tossir, coitados!
Estais aqui, estais prontos, amortalhados.
Fazeis lembrar-me, assim, postos nestes lugares,
Uma colónia de tísicos, a ares...
Não vos verei, talvez, quando voltar; contudo
Ver-vos-ei, lá,
um dia, onde se encontra tudo:
A alma dos choupos, como a do Homem, sobe aos céus...
ó choupos, até lá... Adeus! adeus adeus!
O
caminho para Tentúgal rodeado de choupos tristes, compara-o o autor
a uma fila de tísicos (a tísica era a doença grave do tempo da
qual haveria de morrer o autor).
A
última esperança reside no pastelinho de Tentúgal onde pode residir o coração da sua amada
mas
Abro o envelope ideal.
Vamos a ver...- Traz? - Não!
Regresso a Coimbra só com o meu coração.
Ao
longo do poema houve uma série de acções e reacções entre a
natureza e o autor, sendo certo que a natureza funcionou como
elemento propulsionador e profético da solidão.
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