15.CESÁRIO
VERDE (1855 - 1886)
Poeta que morre excessivamente cedo, aos 31 anos de idade,
deixa-nos um retrato da sociedade do seu tempo, retrato realista de
um espaço urbano, da sua burguesia, com alusões frequentes ao
campo que aparece como alternativa à cidade onde a miséria pulula,
às ruas estreitas por onde circulam as impuras,
[...]Nos/
passeios de lajedo arrastam-se as impuras[...]
pode
ler-se em O Sentimento dum
Ocidental, (Verde,1964: 103 e ss.)
aos
espaços fabris onde os operários morrem de acidentes de trabalho (Desastre,
p.164)
Ele ia numa maca, em ânsias, contrafeito,
Soltando fundos ais e trémulos queixumes;[...]
Um
dos mais importantes poemas de Cesário chama-se Nós
(p.120-143) e serve-nos para ver como é rigoroso o retrato que faz
da natureza. O poema, construído com versos alexandrinos, está
dividido em 3 partes num total de 128 quadras. Na primeira parte (12
quadras), o poeta introduz o tema: em face da cólera que flagela a
cidade, a família resolve ir para a sua quinta, no campo, onde por
antítese a natureza se tinha desenvolvido de uma forma extraordinária
(como se tivesse beneficiado com a doença que grassava na cidade):
E o campo, desde então, segundo o que me lembro,
É todo o meu amor de todos estes anos!
Nós vamos para lá; somos provincianos,
Desde o calor de Maio aos frios de Novembro!
Na
segunda parte, o autor faz a descrição da natureza sem esquecer o
esforço do homem quando pretende tirar dela algum proveito:
Que de fruta! E que fresca e temporã,
Nas duas boas quintas bem muradas,
Em que o sol, nos talhões e nas latadas,
Bate de chapa, logo de manhã!
[...]
Contudo, nós não temos na fazenda
Nem uma planta só de mero ornato!
Cada pé mostra-se útil, é sensato,
Por mais finos aromas que rescenda!
Como
se vê, Cesário não perde a sua costela de burguês e não enjeita
o carácter utilitário da natureza, fonte de rendimento para o
homem e não mero objecto de admiração para os olhos.
No
entanto, este canto de amor à natureza vai ser perturbado pela
morte da irmâ que ele compara a uma rosa:
Ora, há dez anos [...]
Forte, a nossa família radiava!
Unicamente, a minha doce irmã,
Como uma ténue e imaculada rosa,
Dava a nota galante e melindrosa
Na trabalheira rústica, aldeã.
E foi num ano pródigo, excelente,
Cuja amargura nada sei que adoce,
Que nós perdemos essa flor precoce,
Que cresceu e morreu rapidamente!
Revê
a seguir alguns momentos felizes passados com a irmã, no campo:
Era admirável - neste grau do Sul! -
Entre a rama avistar teu rosto alvo,
Ver-te escolhendo a uva diagalvo,
Que eu embarcava para Liverpool.
[...]
Em Agosto, ao calor
canicular,
Os pássaros e enxames tudo infestam;
Tu cortavas os bagos que não prestam
Com a tua tesoura de bordar.
Depois tece alguns considerandos que podíamos inscrever no
diálogo Norte-Sul, de que hoje se fala tanto.
Sim! Europa do Norte, o que supões
Dos vergéis que abastecem teus banquetes,
Quando às docas, com frutas, os paquetes
Chegam antes das tuas estações?!
[...]
Opondo às regiões que
dão os vinhos
Vossos montes de escórias inda quentes!
E as febris oficinas estridentes
Às nossas tecelagens e moinhos!
numa
clara alusão á oposição campo-cidade.
E
também é certo que nem tudo no campo é só beleza; que o digam os
trabalhadores rurais:
Hoje eu sei quanto custam a criar
As cepas, desde que eu as podo e empo.
Ah! O campo não é um passatempo
Com bucolismos, rouxinóis, luar.
A nós tudo nos rouba e nos dizima:
O rapazio, o imposto, as pardaladas,
As osgas peçonhentas, achatadas,
E as abelhas que engordam na vindima.
E o pulgão, a lagarta, os caracóis,
E há inda, além do mais com que se ateima,
As intempéries, o granizo, a queima,
E a concorrência com os espanhóis.
[...]
Mas
todas estas contrariedades agrícolas bem pouca coisa são em face
da doença que mata o pai ou o filho ou a irmã como era o caso:
Era essa tísica em
terceiro grau,
Que nos enchia a todos de cuidado,
Te curvava e te dava um ar alado
Como quem vai voar dum mundo mau.
[...]
Mas seja como for, tudo se sente
Da tua ausência! Ah! como o ar nos falta,
Ó flor cortada, susceptível, alta,
Que assim secaste prematuramente!
E
Cesário vai terminar com a terceira parte (5 quadras), o regresso
à cidade onde nova desgraça o espera: a morte do irmão
Tínhamos nós voltado à cidade maldita,
Eu vinha de polir isto tranquilamente,
Quando nos sucedeu uma cruel desdita,
Pois um de nós caiu, de súbito, doente.
Uma tuberculose abria-lhe cavernas!
Dá-me rebate ainda o seu tossir profundo!
E eu sempre lembrarei, triste, as palavras ternas,
Com que se despediu de todos e do mundo!
[...]
Como
se pode ver os conflitos são, em Cesário, de vário tipo:
campo-cidade, gozo estético do campo-problemas da produção agrícola,
saúde-doença. A natureza é mãe e madrasta e a sua avaliação
far-se-à sempre em função do homem.
O
MODERNISMO
O
fim do século XIX vê aparecer uma profunda transformação a nível
científico: o modelo newtoniano é substituído pelo modelo
einsteiniano, é descoberta a radioactividade, a física atómica dá
os primeiros passos, é criada a física quântica. Isto constitui
uma profunda revolução na maneira de pensar o mundo: o átomo
deixa de ser a mais pequena partícula material e a massa dos corpos
passa a ser função da sua velocidade.
16.FERNANDO
PESSOA (1888 - 1935)
Em Fernando Pessoa haverá, porventura 4 perspectivas
diferentes na abordagem da natureza, as correspondentes a cada um
dos heterónimos.
16a)
RICARDO REIS
Em
Ricardo Reis, poeta de formação clássica, a perspectiva é, como
todos sabemos, epicurista. Basta citar-se o primeiro poema das odes
(Pessoa, 1970: 13 - 15):
Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos.
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.
Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,
Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza...
[...]
Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.
Girassóis sempre
Fitando o Sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.
Em
Ricardo Reis, a natureza é independente do sujeito e constitui
apenas um espectáculo para os olhos (Sábio é o que se contenta com o espectáculo do mundo - p.32); com
ela apenas podemos aprender, ao olhar para o rio, que a vida passa (op.cit.,p.23):
Vem sentar-te comigo, Lídia,
à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa,[...]
16b)ALBERTO
CAEIRO. De O Guardador de Rebanhos, vejamos o poema XVIII (Pessoa, 1974: 43):
Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...
Há
neste poema uma tentativa de o poeta se identificar com a natureza
porque isso seria uma defesa contra si próprio, agindo contra a sua
frustração.Vejamos ainda um outro poema, o da p.87:
Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor -
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as coisas.
[...]
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