POETAS
DO BARROCO
O
Barroco Peninsular assenta, fundamentalmente, num grande poeta
castelhano, D. Luís de Gôngora que influenciou a poesia
subsequente.
O
mundo deixou de ser perfeito: depois de Copérnico e sobretudo
depois de Kepler o círculo foi substituído pela elipse, o centro
deu lugar a dois centros, isto é houve uma descentralização. Como
diz Severo Sarduy (1989: 57-58):
[...]algo se descentra,
ou melhor dizendo, desdobra o seu centro; presentemente a figura
matriz já não é o círculo, de centro único, radiante, luminoso,
paternal, mas a elipse, que opõe a este foco visível um outro foco
igualmente activo, igualmente real, mas obturado, morte, nocturno,
centro cego, reverso do yang solar germinador: ausente.[...]
Esta descentralização corresponde, no plano do pensamento,
a um conflito que Natália Correia descreveu no prefácio à Antologia
da Poesia do Período Barroco, (Círculo de Poesia, Moraes
Editores,1982, p. 10), deste modo:
[...]
Este conflito [entre o velho fantasma gótico da fé e o
racionalismo clássico] é a
própria essência dramática da consciência barroca que se lança
na espinhosa aventura de harmonizar a fé e a razão, salientando
todos os contrastes que solicitam o homem para neles tornar visível
uma existência correspondencial, numa busca de unificação que
marcaria o encontro da atitude barroca com a poética aristotélica.[...]
Sobre a passagem do Renascimento ao Barroco vale a pena
meditar nas palavras de Lenoble (op. cit.,p. 261-2):
[...]1632.
Uma data, mas não uma data única. Com efeito, há que pôr muitas
reservas a datar com precisão um movimento de pensamento tão
vasto. De facto, o espectáculo que nos dá neste momento a evolução
da ideia de Natureza não deixa de ser impressionante e parcialmente
misterioso. [...] há que escutar a Natureza, não que se servir
dela. E eis que, a partir dos anos de 1620, sábios e filósofos,
independentemente da sua inclinação de espírito, [...]- todos, a
despeito de todas as divergências de Escolas e das polémicas
muitas vezes inflamadas, se encontram de acordo ao afirmar que a Natureza é uma máquina
e que a ciência é a técnica de exploração desta máquina. A
amplitude e, por assim dizer,
a instantaneidade deste fenómeno, excluem qualquer explicação
através dos empréstimos ou das influências recíprocas: sobre o
essencial, isto é, a necessidade e o fundamento desta mudança de
atitude, os sábios acham-se de acordo ainda antes de se conhecerem
- cada um encontra-os espontaneamente na sua consciência.
A
explicação não pode, pois, encontrar-se na cronologia, nem sequer
simplesmente na história, mas numa psicologia estendida aos fenómenos
sociais. Tudo se passa como se nos encontrássemos perante uma crise
do inconsciente colectivo: subitamente, o homem ocidental deixou de
tomar perante a Natureza a atitude da criança que escuta;
virilizou-se e quer tornar-se "o dono e senhor".
9.
D. LUÍS
DE GÔNGORA (1561 - 1627)
De todos os poetas peninsulares, foi certamente Gôngora
aquele que maior influência exerceu na poesia portuguesa do período
barroco, influência que no dizer de Natália Correia (op. cit.p.
22),
citando José Aras Monte reiterando, de resto, a opinião de Camilo
Castelo Branco, não terá muito a ver com o domínio filipino
embora possa ter sido facilitado por ele.
Do
diálogo entre o homem e a natureza , transcrevemos parte do poema
52 que data de 1603 (Gôngora, 1988: 293-295).
En los pinares de Júcar
vi bailar unas serranas,
al son del agua en las piedras,
y al son del viento en las ramas.
No es blanco coro de ninfas
de las que aposenta el agua,
o las que venera el bosque,
seguidoras de Diana:
serranas eran de Cuenca,
honor de aquella montaña,
cuyo pie besan dos rios
por besar de ella las plantas.
Alegres corros tejian,
dándo-se las manos blancas
de amistad, quizá temiendo
no la truequen las mudanzas.
Que bien bailan las serranas!
Que bien bailan!
El cabello en crespos nudos
luz da al sol, oro a la Arabia,
cuál de flores impedido,
cuál de cordones de plata.
[...]
Ellas, cuyo movimiento
honestamente levantan
el cristal de la columna
sobre la pequeña basa.
Qué bien bailan las serranas!
Qué bien bailan!
Una entre los blancos dedos
hiriendo negras pizarras,
instrumento de marfil
que las Musas le envidiaran,
las aves enmudeció,
y enfrenó el curso del agua;
no se movieron las hojas,
por no impedir lo que canta:
Serranas de Cuenca
iban al pinar,
unas por piñones,
otras por bailar.
[...]
Como
refere Antonio Carreño, a arte de Gongora reúne aqui maneirismos, alusões mitológicas,
idealização de serranas (como na novela pastoril, as pastoras) com
a graça de canções de tipo tradicional.
Chamo
a atenção para as oposições
blancos
dedos
negras
pizarras
movimento
(levantan el cristal, bailan)
paragem (enmudeció,enfrenó, no se movieron)
e
também para a estrofe de clara ressonância popular onde as
serranas vão ao pinhal
unas por piñones, otras
por bailar.
GREGÓRIO
DE MATOS (1633 - 1696)
Considerado
como um importante poeta barroco de língua portuguesa, ainda que
tendo nascido no Brasil, na Baía, dele apresentamos o soneto Pintura
Admirável de uma Beleza, (Correia, 1982: 209) onde se vê que a
natureza assume um aspecto claramente secundário em face da beleza
da mulher amada:
Vês esse Sol de luzes coroado?
Em pérolas a Aurora convertida?
Vês a Lua de estrelas guarnecida?
Vês o Céu de Planetas adorado?
O Céu deixemos; vês naquele prado
A Rosa com razão desvanecida?
A Açucena por alva presumida?
O Cravo por galã lisongeado?
Deixa o prado; vem cá, minha adorada,
Vês desse mar a esfera cristalina
Em sucessivo aljôfar desatada?
Parece aos olhos ser de prata fina?
Vês tudo isto bem? pois tudo é nada
À vista do teu rosto, Caterina.
POETAS
DO PERÍODO ROMÂNTICO
Entre
o Barroco e o Romantismo
situa-se o Período Neo-clássico
que indo buscar as suas raízes a Horácio vem de novo colocar o
problema da ordem, dando prioridade à vertente racionalista na
arte. Corresponde ao movimento do Iluminismo
cujo mentor político foi, entre nós, o marquês de Pombal.
Entre os nossos poetas poder-se-ia falar de Garção, de
Filinto, da Marquesa d'Alorna e também de Bocage.
10.
BOCAGE
(1765 - 1805)
Em
boa verdade, Bocage, entra já em rotura com o movimento e pode
considerar-se mais como um pré-romântico do que propriamente como
um neo-clássico, pese embora o seu nome de árcade Elmano.
Dele
diz José-Augusto França (1993: 18): [...]Com
Bocage, é a morte e a noite que surgem no sentido de modernidade
dos Portugueses. Mas, com ele, a liberdade adquire também uma cor
nova que a França libertina ilumina, ao mesmo tempo que lhe oferece
"o Deus da razão", o
seu Deus que Bocage brandirá contra o "Deus do
fanatismo", o "Deus que horroriza a Natureza". A
Inquisição condenará as suas ideias filosóficas - mas não poderá
nada contra o sentido da natureza que o poeta descobria traduzindo
Bernardin de Saint-Pierre e Delille [...]
Vejamos
alguns poemas de Bocage onde podemos ver a sua ligação à natureza
(Bocage,1984).
Começando
pelo soneto da p. 13,
Já se afastou de nós
o Inverno agreste,
Envolto nos seus húmidos vapores;
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste.
Varrendo os ares, o subtil Nordeste
Os torna azuis; as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste.
Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo.
Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo,
Notando as perfeições da Natureza!
No
soneto citado, Bocage põe em evidência as belezas naturais e após
fazer isto chama Marília para que os dois fiquem em equilíbrio com
a natureza mas numa situação de tirar proveito da mesma ou seja, a
natureza começa a estar já ao serviço do homem.
No
soneto da p.16
O corvo grasnador e o
mocho feio,
O sapo berrador e rã molesta
São meus únicos sócios na floresta,
Onde carpindo estou, de angústia cheio.
Perdi todo o prazer, todo o recreio...
Ah, malfadado amor, paixão funesta!
Urselina perdi, nada me resta.
Madre Terra! Agasalha-me em teu seio!
Da víbora mordaz permite, ó Sorte,
Que, nos matos aspérrimos que piso,
As plantas me envenene o ténue corte!
Ah, que é das Graças? Que é do Paraíso?
A minh'alma onde está? Quem logra - ó Morte! -
Quem logra de Urselina o doce riso?
Neste soneto, Bocage recorre a vários animais que na tradição
popular são símbolo de azar e fealdade: o mocho, o corvo, o sapo,
a rã, a víbora sendo certo que os dois primeiros aparecem em vários
sonetos do autor. Isto significa desde já que neste soneto não
vamos encontrar o equilíbrio que se encontrava no soneto anterior.
O poeta quer integrar-se na natureza, agora sozinho, porque perdeu
Urselina, mas a sua integração é feita com os animais mais feios
e repugnantes e ainda com as plantas venenosas.
No
soneto da p. 18 a natureza só é bela porque o poeta vê a amada;
doutro modo, tal beleza não teria sentido
Olha Marília, [...]
Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah!, tudo o que vês, se eu não te vira,
Mais tristeza que a noite me causara.
11.
ALMEIDA GARRETT(1799-1854)
Almeida
Garrett tem sido considerado como o iniciador do movimento romântico
entre nós se bem que o próprio Garrett assumisse no princípio uma
posição contrária ao movimento.
São
vários os poemas onde podem ser vistas algumas
reflexões poéticas sobre a natureza. Logo no primeiro poema
da Lírica de João Mínimo, A
Primavera, se encontra todo um elogio da natureza, com evidentes efeitos éticos, datado de 1815 (tinha o
autor 16 anos e exprime uma natural candura:
[...]
Este campo, esta
vista apura n'alma
Os sentimentos nobres,
[...]
Existem
três poemas, pelo menos, em que a descrição da natureza
corresponde a uma perspectiva claramente romântica. São eles A
Tempestade (p. 280-281), Cascaes
(p.378-380) e Estes sítios!
(p.380-381) do livro Folhas
Caídas (Garrett, 1963).
De
Cascaes, a descrição da
tempestade, tema tão caro aos românticos:
[...] E os ventos
despregados
Sopravam rijos na rama,
E os céus turvos, anuveados,
O mar que incessante brama...
Tudo ali era braveza
De selvagem natureza.
e
mais adiante
Inda ali acaba a terra,
Mas já o céu não começa;
Que aquella visão da serra
Sumiu-se na treva espêssa,
E deixou núa a bruteza
D'essa agreste natureza.
Em
Estes sítios! o poeta dá
conta de várias contradições, entre as quais a vida no meio da
natureza e a vida na cidade com o peso da hipocrisia imposta pelas
obrigações sociais e a angústia de ter de deixar todo esse mundo
de paz e amor que se traduz pela saudade:
Olha bem estes sítios
queridos,
Vê-os bem n'este olhar derradeiro...
Ai! o negro dos montes erguidos,
Ai! o verde do triste pinheiro!
Que saudades que d'eles teremos...
[...]
Pois não sentes, n'este ar que bebemos,
No acre cheiro da agreste ramagem,
Estar-se alma a tragar liberdade
E a crescer de inocência e vigor!
[...]
E oh! deixar tais delícias como esta!
E trocar este céu de ventura
Pelo inferno da escrava cidade!
Vender alma e razão à impostura,
Ir saudar a mentira em sua corte,
Ajoelhar em seu trono à vaidade,
Ter de rir nas angústias da morte,
Chamar vida ao terror da verdade...
Ai! não, não... nossa vida acabou,
[...]
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