5.
DIOGO
BERNARDES (1525? - 1596)
Deste
autor são vários os exemplos que se podem dar de ligação à
natureza. Escolhemos um soneto (o nº 13 da p. 95) e duas églogas (a
égloga Flora da p.105 e a
égloga Sá, p. 112, esta
à memória de Sá de Miranda) (Miranda,1976);
leiamos
este belo hino de amor à natureza (soneto da p.95 da obra citada):
Montes e vales, bosques, verdes prados,
Águas que correis sempre, altos rochedos,
Que de contino estais firmes e quedos,
Isentos de sentir tristes cuidados:
Sabei que sereis sempre celebrados
Da minha branda Musa, em versos ledos,
Pois o meu doce Amor tantos segredos
De vós quis só que fossem confiados!
E vós, ervas e flores bem nascidas,
Não tardeis em crescer, que porventura
Da mão que me feriu sereis colhidas...
Ah, Ninfas! não vejais tal formosura,
Que nestas frias águas escondidas
Em fogo ardereis de inveja pura!
Na égloga Sá apresenta-se
a natureza como participando na grande dor ocasionada pela morte de
Sá de Miranda:
Serrano
Vês aquella água saudosa e branda
Que parece que vai grã
dor sentindo?
Aquela, Alpino, aqui chorar me manda.
Aqui onde já ledo estive ouvindo,
À sombra deste freixo, o canto brando
De Sá, que está no Céu, da terra rindo.[...]
(p. 112)
e
mais adiante
Serrano
O bosque chora, o rio, o monte, o vale,
Toda ave, toda flor, toda erva e planta:
Quem pode ser tão duro que se cale?
[...]
(p.
113)
ou
ainda
Alpino
O doce Neiva teu
(que docemente
Tão ledo correu já, que corre agora
Tão turvo e triste que Neptuno o sente)
A ti, bom Sá, chorou;
a ti, Sá, chora;
A ti suspira e chama, mas vãmente:[...]
(p. 115-116)
6.
FREI
AGOSTINHO DA CRUZ (1540 - 1619)
A natureza em Frei Agostinho da Cruz está ao serviço da
perfeição do homem na sua relação com Deus. Ela é, pois, um eco
de Deus.
São disso exemplo o soneto Da
Contemplação da Serra da Arrábida (Cruz, s/d: 47):
Dos solitários bosques
a verdura,
Nas duras penedias sustentada,
Nesta Serra, do mar largo cercada,
me move a contemplar mais formosura
Que tem quem tem mor
ventura
Nos mais altos estados arriscada,
Se não tem a vontade registada
Nas mãos do Criador da criatura?
A folha que no bosque verde estava
Em breve espaço cai, perdida a flor
Que tantas esperanças sustentava.
Por isso considere o pecador
Se, quando na pintura se enlevava
Não se enlevava mais no seu pintor
7.
CAMÕES
(1524 - 1580)
Em Camões, a natureza assume aspectos, os mais variados,
desde servir como comparação fornecendo ao poeta as desejadas metáforas,
ser a detentora das leis às quais o próprio homem tem de obedecer
até ela espelhar contraditoriamente as relações humanas. Vejamos
alguns exemplos (Camões, 1972):
Soneto
133 (p.212):
De quantas graças
tinha, a Natureza
Fez um belo e riquíssimo tesouro,
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.
Pôs na boca os rubis, e na pureza
Do belo rosto as rosas, por quem mouro;
No cabelo o valor do metal louro;
No peito a neve em que a alma tenho acesa.
Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez deles um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.
Enfim, Senhora, em vossa compostura
Ela a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.
isto
é, toda a beleza que envolve a amada é devida à própria natureza
Soneto
143 (p. 218)
A fermosura desta fresca serra
E a sombra dos verdes castanheiros,
O manso caminhar destes ribeiros,
Donde toda a tristeza se desterra;
O rouco som do mar, a estranha terra,
O esconder do Sol pelos outeiros,
O recolher dos gados derradeiros,
Das nuvens pelo ar a branda guerra;
Enfim, tudo o que a rara Natureza
Com tanta variedade nos oferece,
Me está, se não te vejo, magoando.
Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
Sem ti, perpetuamente estou passando
Nas mores alegrias mor tristeza.
ou
seja, a beleza da natureza só tem sentido se o poeta vê a sua
amada, pensamento que iremos encontrar, mais tarde, em Bocage.
Diz
Bernardes (op.cit.,p.79): Parece de facto, estarmos perante contornos bem definidos de uma concepção
da Natureza como energeia,
subordinada aos sentimentos humanos e não onticamente autónoma.
Veja-se
a égloga I (p.252) À Morte de D.António de Noronha onde
se pode ver uma alusão ao carácter cíclico das coisas, ao seu
fluir, à mudança e também às contradições que a própria
natureza esconde:
Frondélio
Umbrano irmão, decreto é de natura,
Inviolável, fixo e sempiterno,
Que a todo o bem suceda desventura
E não haja prazer que seja eterno:
Ao claro dia segue a noite escura,
Ao Verão suave o duro Inverno;
E, se há i quem saiba ter firmeza,
É somente esta lei da Natureza.
Toda alegria grande e sumptuosa
A porta abrindo vem ao triste estado;
Se ua hora vejo alegre e deleitosa,
Temendo estou do mal aparelhado.
Não vês que mora a serpe venenosa
Entre as flores do fresco e verde prado?
Não te engane nenhum contentamento,
Que mais instável é que o pensamento.[...]
E
mais adiante a p.254-255
Umbrano
Canta agora, pastor, [...]
E com silêncio triste estão as Ninfas
Dos olhos estilando claras linfas.
O vento de entre as árvores respira,
Fazendo companhia ao claro rio;
Nas sombras, a ave gárrula suspira,
Suas mágoas espalhando ao vento frio.
Toca, Frondélio, toca a doce lira;
Que, daquele verde álamo sombrio,
A branda filomela, entristecida,
Ao saudoso canto te convida.
Frondélio
Aquele dia, as águas não gostaram
As mimosas ovelhas, e os cordeiros
O campo encheram de amorosos gritos.
Não se dependuraram dos salgueiros
As cabras, de tristeza, mas negaram
O pasto a si, e o leite aos cabritos.
e
a p.255
Frondélio Às abelhas o campo nega as flores,
e às flores a aurora nega o orvalho.
Na
égloga II, a p. 263, ver-se-á como a natureza vai adquirindo
comportamentos que têm a ver com o afastamento da mulher amada:
A noite escura dava
Repouso aos cansados
Animais, esquecidos da verdura;
O vale triste estava
C'uns ramos carregados,
Que a noite faziam mais escura.
Mostrava a espessura
Um temeroso espanto;
As roucas rãs soavam
Num charco de água negra e ajudavam
Do pássaro nocturno o triste canto;
O Tejo, com som grave,
Corria mais medonho que suave.
Com toda a tristeza
No silêncio consiste,
Parecia que o vale estava mudo;
E com esta graveza
Estava tudo triste,
Porém o triste Almeno mais que tudo,
Tomando por escudo
De sua doce pena,
Pera poder sofrê-la,
Estar imaginando a causa dela,
Que em tanto mal é cura bem pequena.
Maior é o tormento
Que toma por alívio um pensamento.
e
a p. 265:
Por ti, o alegre prado
me é pesado e duro;
Abrolhos me parecem suas flores [...]
e
a p. 275
[...]
Agrário
Que nunca amando fez pastor ditoso,
Já que nele estes casos são tão certos,
Porque os estranhos tanto,
que de mágoa
Te choram as montanhas e os desertos?
[...]
Vejo que as tuas cabras, não querendo
Gostar as ervas verdes, se emagrecem,
As tetas aos cabritos encolhendo.
Os campos, que co'o tempo reverdecem,
Os olhos alegrando descontentes,
Em te vendo, parece que entristecem.
Todos os teus amigos e parentes
Que lá da serra vêm por consolar-te,
Sentindo na alma a pena que tu sentes,
Se querem de teus males apartar-te.
Deixando a casa e gado vás fugindo,
Como cervo ferido, a outra parte.
Não vês que Amor, as vidas consumindo,
Vive só de vontades enlevadas
No falso parecer dum gesto lindo?
Diz
Bernardes (op. cit. p. 86): [...]
na poesia camoneana, a mulher é, muitas vezes, o contraponto da
Natureza, surgindo conectada com padrões e códigos asfixiadores
dos sentimentos genuínos (do desejo e da inocência, sobretudo).
Referências
em catadupa à natureza podem encontrar-se ainda na égloga VII (Faunos)
8.
FRANCISCO
RODRIGUES LOBO (1574? - 1621)
Julga-se que tenha nascido por volta de 1574 sendo certo que
faleceu afogado no Tejo em 1621. Trata-se de um autor que prenuncia
já o Barroco na sua vertente conceptista.
Leia-se
um excerto da égloga III que nos apresenta os tempos modernos contrários
à idade de ouro, edénica, pastoril (Lobo,1985: 141 e ssgg):
Da
estrofe 15,p.(142):
Agora ouvi os rústicos
do gado,
Que nos montes, nos campos nem na aldeia,
Nenhum vive contente e sossegado[...]
Da
estrofe 21 (p.143)
Os dões que a natureza
hoje reparte
Pelos da vil fortuna ingrata e cega
São desprezados já por toda a parte.[...]
isto
é, os homens afastam-se da natureza e essa é a raiz de todos os
males, e esta é uma reflexão que certamente vamos ter de fazer na
actualidade.
Veja-se
ainda a estrofe 10 (p. 145)
Serve e guarda o teu rebanho;
Veste a lã e come o leite,
Que eu fico que te aproveite
Mais este que essoutro ganho.
E
das estrofes 28 a 35 (p. 147), numa clara defesa da vida simples, da
utopia:
Duma gente ouvi contar,
Rude, agreste e mal polida,
Bem para invejar-lhe a vida,
Se na vida há que invejar,
Que, livre destes cuidados,
Sem que alguém do sono a prive,
Sem lei, sem cobiça vive,
Sem casas e sem pousadas.
Das peles dos animais
Os homens andam vestidos;
Não tem termos repartidos;
São todos na posse iguais.
Guardam gados na montanha,
As casas em carro trazem,
Buscam pastos que lhe aprazem,
Ninguém por isso os estranha.
Não tem herdade ou tesouro,
Não tem pátria nem desterro
E tem em mais conta o ferro,
Para trabalhar, que o ouro.
Não tem engano e cobiça,
Nenhum mais que outro presume,
Nenhum rouba e por costume
Guardam sempre uma injustiça.
Mantem-se de mel e leite
E dos frutos do arvoredo,
Colhem com gosto e sem medo
Doutro dono que os espreite.
Não andam contino em guerra,
Com a cobiça enganada:
Não tendo da terra nada,
Possuem tudo da terra.[...]
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