RESENDE – DE
KORNTAL A AVEIRO,
da cidade da floresta à cidade d’água
Diz Resende que,
por circunstâncias familiares, foram frequentes as suas estadias em
Korntal. Esta pequena cidade nos arredores de Estugarda tem a sua
paisagem urbana dissimulada na floresta que a emoldura, porque estar
dissimulada, paradoxalmente, pode ser uma forma de se mostrar.
Estive, no
passado fim-de-semana, no Lugar do Desenho, sítio também ele de
tensões nobres com o Douro, paisagem de usos. Não digo em que
fim-de-semana, porque isso pouco interessa. Já não me lembro, apesar
de ter sido ontem, digo tão-somente que, neste Lugar, Korntal nos
olhava, nesse jeito de curiosidade universal com que todas as
cidades nos olham.
Comecei por ver
Tarkovski que em «Nostalgia» nos transporta para o seio de uma
floresta habitada por recordações, nebulosas de memória, vazios
plenos de gente. Ainda não tinha chegado ao primeiro quadro quando,
inexplicavelmente, Sharunas Bartas se sente, interroga com o olhar e
em dois passos rápidos, percorre a sala, tão lentamente que se
poderia dizer ter-se encontrado, a si próprio, na ausência do seu
contexto ou tela natural. Ainda não tinha completamente entrado e
sai Sukarov, do fundo de uma paisagem alargada como as suas
personagens, que liga a floresta às árvores, genealógicas ou das
outras, como quando se vê Marta e Daniel de Resende brincando.
Não me lembro de
ser assim, o modo e o tempo de sentir sempre a vida a partir do
cinema, o prazer compósito na diluição permanente de fronteiras,
como se elas não existissem ou quando imponderáveis, delas me tente
apropriar e ver o que lá não está e não estará. Talvez Vasco Branco,
não sei, talvez. Ver através do reflexo, reduzindo as impurezas, os
ruídos de fundo e as imperfeições. Estar no sítio que se deseja,
dentro dele mas vendo-o por fora. Desmaterialização do comum,
multiplicação dos sentidos, variações de sentido, transgressão de
argumentos.
As relações de
Korntal a Aveiro são tantas e muitas que se transformaram em duas
cidades d’água. Aveiro, água sentida, que faz flutuar a cidade quase
desde sempre. Korntal, água-rela, que a enquadra, dilui, transporta
e sente. Diz Resende que dar lições à inocência é pecado capital e
como quando o desenho, num incontido estado confesso de ternura, vai
à sua frente, também o olhar desta exposição, não tem texto que a
contenha.
O Vereador da
Cultura
Pedro Ribeiro da Silva
no jardim do Lugar do Desenho, Abril de 2005 |