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Encontros - Júlio Resende e Vasco Branco


RESENDE – DE KORNTAL A AVEIRO,
da cidade da floresta à cidade d’água

 

Diz Resende que, por circunstâncias familiares, foram frequentes as suas estadias em Korntal. Esta pequena cidade nos arredores de Estugarda tem a sua paisagem urbana dissimulada na floresta que a emoldura, porque estar dissimulada, paradoxalmente, pode ser uma forma de se mostrar.

Estive, no passado fim-de-semana, no Lugar do Desenho, sítio também ele de tensões nobres com o Douro, paisagem de usos. Não digo em que fim-de-semana, porque isso pouco interessa. Já não me lembro, apesar de ter sido ontem, digo tão-somente que, neste Lugar, Korntal nos olhava, nesse jeito de curiosidade universal com que todas as cidades nos olham.

Comecei por ver Tarkovski que em «Nostalgia» nos transporta para o seio de uma floresta habitada por recordações, nebulosas de memória, vazios plenos de gente. Ainda não tinha chegado ao primeiro quadro quando, inexplicavelmente, Sharunas Bartas se sente, interroga com o olhar e em dois passos rápidos, percorre a sala, tão lentamente que se poderia dizer ter-se encontrado, a si próprio, na ausência do seu contexto ou tela natural. Ainda não tinha completamente entrado e sai Sukarov, do fundo de uma paisagem alargada como as suas personagens, que liga a floresta às árvores, genealógicas ou das outras, como quando se vê Marta e Daniel de Resende brincando.

Não me lembro de ser assim, o modo e o tempo de sentir sempre a vida a partir do cinema, o prazer compósito na diluição permanente de fronteiras, como se elas não existissem ou quando imponderáveis, delas me tente apropriar e ver o que lá não está e não estará. Talvez Vasco Branco, não sei, talvez. Ver através do reflexo, reduzindo as impurezas, os ruídos de fundo e as imperfeições. Estar no sítio que se deseja, dentro dele mas vendo-o por fora. Desmaterialização do comum, multiplicação dos sentidos, variações de sentido, transgressão de argumentos.

As relações de Korntal a Aveiro são tantas e muitas que se transformaram em duas cidades d’água. Aveiro, água sentida, que faz flutuar a cidade quase desde sempre. Korntal, água-rela, que a enquadra, dilui, transporta e sente. Diz Resende que dar lições à inocência é pecado capital e como quando o desenho, num incontido estado confesso de ternura, vai à sua frente, também o olhar desta exposição, não tem texto que a contenha.

O Vereador da Cultura
Pedro Ribeiro da Silva
no jardim do Lugar do Desenho, Abril de 2005

 

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