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Eles são assim!...

O pai fora bombeiro, tal como o avô o havia sido. Alguma coisa de ancestral o ligava, por isso, a esta Casa. E assim, crescendo naquele ambiente em que duas gerações viveram numa doação total ao próximo, o seu coração trazia já dentro de si um destino, qual seria determinante de um rumo de que não devia desviar-se. E foi bombeiro, também, e bombeiro dos mais cumpridores. Aprendeu a prática e estudou as razões e os métodos.

Um dia, naturalmente, pensou casar-se. Porém, a noiva, temerosa dos imensos perigos a que um bombeiro está sujeito, impôs, como condição sine qua non para que o casamento se efectuasse, a abdicação pura e simples das actividades de voluntário. Surgiu assim uma situação de opção decisiva, suprema, entre aquelas duas paixões, a do Amor por aquela que seria a sua mulher para toda a vida e a da Vida que havia de ser sua para sempre — e ele tomou, então, uma atitude firme e indiscutível: «Será mais fácil não casar contigo do que deixar de ser bombeiro». E ela, que o amava deveras, subjugou-se e compreendeu que o amor da família não é incompatível com o amor à Humanidade. Ambos cabem, dentro de um coração bem formado, sem colidirem!

Hoje, é ele um dos membros mais distintos da nossa Associação!

Plena madrugada. A cidade dormia alheia ao perigo terrível que podia surgir a cada momento. O quartel do 10 era um enorme braseiro. Depósitos de gasolina, paiol das munições, etc., tudo podia ir pelos ares num instante, destruindo e matando.

Os habitantes daquela vetusta área residencial, ignorantes da tragédia, dormiam tranquilos e confiados — e bem! — nas forças de segurança da sua cidade. Mas as campainhas das residências alertaram para o perigo, e os moradores, vindo às suas janelas, viram, para além do clarão sinistro que iluminava a noite, o vulto amigo de um bombeiro que, de porta em porta, na sua sagrada missão de bem-fazer, vinha lembrar a cada um o risco que corria, e que era chegada a hora de todos se porem a salvo a tempo, juntamente com os seus velhos e as suas crianças estremunhadamente acordados.

Felizmente que as manobras de ataque foram sabiamente conduzidas e a grande desgraça não surgiu. Mas, para toda a vida, não posso esquecer quem, naquela noite de pesadelo, não pensando em si, só pensou nos outros!

Segunda Grande Guerra. A cedência da base dos Açores aos aliados fazia recear, a cada momento, um ataque alemão.

Estabeleceu-se na população uma situação de pânico. Os vidros das janelas e montras tinham coladas grandes tiras de papel; os cromados dos automóveis foram pintados de azul-mate, tal como os faróis, que só mantinham uma estreita fresta iluminante; organizavam-se, à pressa, os serviços de Protecção Civil do Território, com instruções de transporte de feridos e primeiros socorros. Ambiente de trágica expectativa. A cada momento se esperava o pior, e nada estava organizado, tanto no aspecto de pessoal como no material.

A ocasião exigia dos bombeiros, mais que nunca, o sacrifício da sua devoção. E, quando, naquele ambiente carregado, se fez um apelo angustioso a todos os que, por idade ou outros motivos, estavam já afastados da Corporação para darem todo o esforço na medida das suas forças para a protecção da população, tive o gratíssimo prazer de, naquela noite, reunir no salão nobre do quartel, para além dos quarenta e tal homens do activo, mais uns tantos que, mesmo idosos, se apressaram a oferecer a sua colaboração, pois nunca esqueceram que onde está o perigo está o bombeiro.

Os bombeiros são assim!...

Humberto Leitão

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