FÁCIL nos é honrar aquilo e aqueles que por seus feitos achamos
engrandecidos e honrados, às esperanças de virtude que alentaram o seu
início e primeiro nos acordaram a simpatia tendo acrescentado a
segurança da realidade dos seus benefícios e serviços, persistentemente
demonstrada no correr de longos anos que justificaram e honraram uma
criação fecunda. Então, o impulso de bem-querer e suas tentativas e
esforços depara-se-nos já transformado na dilatada história do
bem-fazer, e para louvar bastará recordar, e recordar será só por si
testemunho do afecto íntimo que nos prende àqueles que por nobilíssimo
desprendimento nos serviram e obrigaram. E eis que o nosso louvor e
gratidão, plena e sem reservas, claramente confessamos a essa dedicação,
enquanto em consciência e isentamente lhe tributamos toda a justiça à
qual tem direito. As promessas da instituição criada entre riscos e
temores e dúvidas pelo arrojo de poucos mudaram-se em dívida, patente e
reconhecida, de muitos aos quais esse arrojo foi socorro no perigo e defesa
eficaz dos ímpetos da calamidade.
Não é outra a
situação da gente do nosso tempo perante a «Associação Humanitária dos
Bombeiros Voluntários de Aveiro, que agora completa cinquenta anos de
existência. Devedores nos encontra, e da nossa admiração e da nossa
amizade cobra hoje o tributo de louvor que pela lealdade da sua
perseverança e pela magnitude dos seus serviços impôs a quantos no aro
do seu labor se viram compreendidos e sentem, como vínculos
indissolúveis, os laços de amor e de sangue que nos prendem ao povo do
qual vimos e em cujo convívio nos alentamos e somos uma parte mínima da
sua alma, renovada e purificada de geração em geração.
Por seus feitos e
pelo seu vigor e história em cinquenta anos de vida, honrada está esta
instituição, e louvando-a nos alegramos na sua felicidade e nas suas
vitórias, como colhendo quinhão da sua fortuna por direito de família,
pois que irmanados nos achamos no berço, na pátria, e em mútuas e
indissolúveis afeições, e na unidade das nossas aspirações e anseios.
Mas não acontecesse assim, não fosse de irmãos nossos esta associação e
somente estranhos a houvessem criado e mantido e honrado, e nem por isso
seria menos fervoroso o nosso louvor, pois para o inflamar bastaria o
muito elementar sentimento de pura justiça que nos seria suscitado e
mandado pela simples lembrança das circunstâncias em que esta associação
se constituiu e prosperou, em dilatada e corajosa jornada. Florescente,
tal qual agora a encontramos, firme nos seus fundamentos e confiada no
futuro, esta associação é além do sinal do alto carácter daqueles que
esforçada e tenazmente a serviram, o legado notabilíssimo do vigor de
uma grande época, a demonstração brilhante da legitimidade, nobreza e
fecundidade dos princípios em que essa época se exaltou, docilmente os
seguindo e logo lhes prestando culto, pelas criações
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práticas a que eles insistentemente induziam.
Há cinquenta anos,
quando esta associação se fundou, amplamente desenvolvendo, por
iniciativa livre o que frouxamente se achava estabelecido pela
administração oficial, a aspiração mais ardente e comum das nações dessa
época era o advento universal e sem limites da Liberdade, pairando sobre
o mundo como uma águia. Se muitas liberdades havia, e de facto
abundavam, mais se pediam e progressivamente se colhiam. Desde a
liberdade do pensamento e a negação apaixonada de toda a autoridade
espiritual até à proclamação jurídica de todas as liberdades reais, não
havia esfera da actividade mental ou concreta que escapasse a uma rajada
de destruição de todos os cárceres, do corpo e da alma, de todos os
calabouços da ideia, e da vontade e da acção.
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Francisco Augusto da F.
Regala
(Antigo Comandante dos Bombeiros) |
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Muitas liberdades
prevaleceram então; liberdades civis e políticas, liberdade de imprensa,
liberdade de associação, liberdade de reunião, liberdade de trabalho, e
muitas outras, humildes em seu reino na terra mas poderosíssimas no foco
de que dimanavam e em que se conjugavam, todos nós as vimos, por um
momento mais ou menos breve e incerto, alçar bandeira de conquista nas
torres dos seus castelos. E dessas liberdades e suas altas torres, uns
fizeram refúgios temerosos de indisciplina e dissolução de quanto mantém
a solidariedade e coesão dos povos, e outros as converteram em abrigo e
baluarte de interesses exclusivamente mundanos e de cobiças ácidas
ferinamente combativas, e outras essas mesmas liberdades usaram para o
império e engrandecimento da caridade, para instrumento de protecção
mútua entre os homens e disseminação da luz da inteligência e
purificação dos nossos corações, para contínuo e estreme serviço de amor
e paz.
Conheceu esta vaga de
liberdade e, a seu modo, honesta e dignamente e eficazmente a aproveitou
e interpretou esta nobre «Associação Humanitária dos Bombeiros
Voluntários de
Aveiro»; e tendo
diante de si muitos caminhos, os que sobem a tronos de ventura e os que
precipitam na ruína, singelamente preferiu — honra lhe seja! — aquele
muito árduo e só abundado de consolações da consciência que conduz da
liberdade ao dever.
Sem trepidar o calcou
e o segue, derramando na sua passagem infinitas bênções, que Deus
multiplique para coroação dos seus portadores e para brasão da terra e
da gente que tão bons filhos cria e alvoroçadamente estremece.
Janeiro de 1932. |