Retalhos das Memórias de um ex-Combatente


A Casa Abandonada

Daquela vez não houve ou! Era mesmo verdade. O comandante da Companhia tomou conhecimento de que existia, abandonada, a casa de um branco, à esquerda da estrada que vai para São Salvador, na descida para o Rio Luvo.

Era uma casa pequena, mas linda, caiada por fora e por dentro. Tinha cinco divisões, casa de banho completa com lava mãos, sanita e bidé; a cozinha também estava completa, com fogão, lava-loiça, mesa, cadeiras e tudo o que faz falta a uma família. Era uma pérola no meio do mato. Só um português muito confiante poderia fazer daquela obra a sua casa.

O pelotão formou e o Alferes informou qual era a missão nesse dia:

– Ir àquela casa arrancar todas as loiças sanitárias, para serem montadas na casa do Comando para os serviços dos Senhores Oficiais.

Chamei a atenção do Alferes que a nossa missão era respeitar e fazer respeitar a propriedade alheia e que mesmo tendo recebido ordens taxativas do Capitão – não podendo desobedecer-lhe, como me disse – devia pedir-lhe essa ordem por escrito, para não poder ser responsabilizado mais tarde. Não o fez, por não querer ter chatices com o Capitão.

E lá fomos, vandalizámos a casa e trouxemos os sanitários para o acampamento.

Ainda hoje recordo a cara de felicidade do Capitão dirigindo-se ao Alferes:

– Então, Miranda, não partiram nada?

Numa Companhia há sempre habilidosos e até pessoal especializado. Foram logo escalados meia dúzia deles que executaram a obra. O nosso Capitão já podia “obrar” à vontade.

Quantas vezes levei a máquina fotográfica comigo, e nunca consegui fotografar aquela casa. Tinha vergonha daquilo que nos tinham mandado fazer…