Curiosamente, o dia da
árvore e o dia da poesia coincidem no dia 21 de Março, dia do
equinócio da Primavera.
A árvore é um símbolo:
pelas suas raízes, mergulha na terra, assume um carácter
matricial, feminino, pelo seu caule, erecto, vertical, assume-se
como um símbolo fálico, masculino; as folhas tocam o céu e a
árvore é assim uma ponte entre a terra e o céu. Porventura,
essa é também a função da poesia: unir a terra ao céu ou,
dito de outro modo, estabelecer uma ponte entre a racionalidade e
a irracionalidade.
Ficaríamos muito mais
pobres, mesmo em termos de conhecimento, se ficássemos reduzidos
à linguagem científica, que possui carácter unívoco,
monovalente, ao contrário da linguagem poética, que é de sua
natureza polivalente ou polissémica.
Para além desta vertente
epistemológica possui as decorrentes da carga estética que
transmite ao leitor um certo prazer.
Deste prazer falou T. S.
Eliot considerando-o como a primeira finalidade social da poesia.
Diz ele: [...] se queremos encontrar
a finalidade social essencial da poesia, teremos de examinar
primeiramente as suas funções mais óbvias, aquelas que terá de
realizar, para realizar quaisquer que sejam. Julgo que a primeira
sobre a qual podemos ter certeza é a de que a poesia deve dar
prazer. Se me perguntarem que espécie de prazer, apenas poderei
responder que aquela espécie de prazer que a poesia dá [...].
Este prazer tem a ver com os
vários aspectos que envolvem a poesia: os aspectos relacionados
com a prosódia, com a carga fonética que todo o significante
exibe. Exemplo: a palavra água, independentemente de significar o
líquido que todos conhecemos, constituído por oxigénio e
hidrogénio na proporção de 1 para 2 (em termos atómicos), é
capaz de nos impressionar pela sua carga musical, que tem a ver
com a tónica aberta á- da primeira sílaba e o som
apagado da sílaba final -gua. Acrescente-se que a
musicalidade tem a ver também com o ritmo (uma periodicidade bem
marcada que é ajudada pela rima, pelo emprego das aliterações,
da anáfora, pela conjunção de determinados fonemas que os
poetas sabem descobrir.
Mas o prazer não decorre
apenas da articulação dos sons, do significante, decorre também
do significado, veiculado em grande parte pela metáfora. Do
prazer dessa descodificação fala-nos ainda o mesmo T. S. Eliot
em Ensaios de Doutrina Crítica: [...] Mas quanto ao
significado do poema no seu todo, ele não é susceptível de
ficar esgotado com qualquer explicação, porque o significado do
poema é aquilo que o poema significa para diferentes leitores
dotados de sensibilidade. Esta ideia veio a ser
retomada mais tarde por Umberto Eco na sua conhecida perspectiva
em encarar a obra literária como obra aberta. |
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Não esqueçamos, porém, as
palavras de um grande poeta brasileiro, João Cabral de Melo Neto,
que, face ao problema da composição, nos diz: É evidente que
numa literatura como a de hoje, que parece haver substituído a
preocupação de comunicar pela preocupação de exprimir-se,
anulando, do momento da composição, a contraparte do autor na
relação literária, que é o leitor e sua necessidade, a
existência de uma teoria da composição é inconcebível. O
autor de hoje trabalha à sua maneira, à maneira que ele
considera mais conveniente à sua expressão pessoal. E isto
não é muito diferente daquilo que Alexandre O’Neill disse
nestes versos: Mas também da rima
“em cheio” / poderás tirar partido, / que a regra é não
haver regra, // a não ser a de cada um, / com sua rima, seu
ritmo,/ não fazer bom e bonito, / mas fazer bom e expressivo...
Quanto a obter uma
definição de poesia, parece ser hoje um esforço que carece de
sentido. A Profª. Maria Estela Guedes, numa comunicação
particular a um amigo meu, diz estas palavras: A
Poesia não é, por definição. Por definição, se era alguma
coisa, deixa logo de o ser quando alguém quer agarrá-la nas
malhas desta ou daquela rede. A Poesia está do lado do não, não
a toda a forma de magistério e manobra de domesticação do
cérebro.
A pequena antologia que se
segue apresenta aspectos que são característicos da poesia e,
por isso, de algum modo, ilustram o que atrás se disse. Por outro
lado, dão uma panorâmica, ainda que muito incompleta, das
preocupações do autor. Entre estas podem citar-se a forte
ligação do autor à natureza, a importância da memória, o
sentido dramático da irreversibilidade do tempo.