HAIKU
- poesia
tradicional japonesa
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O haiku OCIDENTAL |
Primeira
neve: Bastante para
vergar as folhas Dos
junquilhos. Festa das
flores. Acompanhando a
mãe, Uma criança
cega. |
Monte de
Higashi. Como o
corpo Sob um
lençol. Ah, o
passado. O tempo onde se
acumularam Os dias
lentos. |
O haiku ocidental apresenta diferenças do tradicional japonês, principalmente no aspecto formal. Naturalmente, a especificidade da língua japonesa (o léxico, a sonoridade e o próprio conceito de sílaba métrica) inviabiliza qualquer reprodução fiel nas línguas ocidentais, surgindo mesmo distintas traduções para um mesmo poema. Dificilmente, a língua portuguesa e a inglesa, por exemplo, conseguem adoptar com rigor a métrica de 17 sílabas, distribuídas em versos de 5, 7 e 5 sílabas, sem perder a fluência, a leveza e a naturalidade que caracterizam o haiku japonês. Os haiku escritos ou traduzidos por ocidentais mantêm do original: a brevidade; a recorrência a vocábulos associados à natureza ou às estações do ano, a associação de percepções (sensoriais e emocionais) e a divisão da estrofe em três versos. A temática é mais abrangente.
A concisão da forma e, essencialmente,
a percepção da natureza são elementos muito marcantes nalguns poetas
contemporâneos, nomeadamente em Eugénio de Andrade e Albano
Martins.
A poesia de Eugénio de Andrade ( 1923 ), poeta que nunca se integrou em qualquer movimento literário específico, caracteriza-se pelo valor dado à palavra, à imagem, à musicalidade, aproximando-o, entre outros, do simbolismo de Camilo Pessanha. Tende a rejeitar os dualismos da cultura ocidental, representando o Homem como um ser integrado numa realidade colectiva. Surge por vezes a analogia entre as idades do homem e as estações do ano e, através de descrições ou evocações físicas, tenta versar a plenitude da vida, a pluralidade dos instantes. São muitos os poemas breves ou de versos curtos, aparentemente simples, mas de grande profundidade:
Tocar um
corpo e o
ar e a língua de
neve. Tocar a
erva mortal e
verde de cinco
noites e o
mar. Um corpo
nu. E as praias
fustigadas pelo sol e o olhar. |
As palavras,
vício torpe,
antigo. As últimas? As
primeiras? Como os
ouriços abrem-se ao
rumor do mundo: o sol ainda
verde dos limões, os
esquilos doutras tardes,
o latido da chuva nas
janelas, os velhos em
redor do lume - nunca foram
tão belas. |
Albano Martins (1930), actualmente professor
universitário no Porto, tem-se distinguido particularmente no campo da
poesia, do ensaio e da tradução. A sua obra poética caracteriza-se pelo
encontro equilibrado entre a contenção (forma breve e linguagem depurada) e o poder imagético da palavra (suas inúmeras possibilidades
associativas e metafóricas): “O ritmo / do universo/ cabe,/ inteiro,/ na
pupila/ dum verso.” Em 1995, editou poesia haiku de sua autoria, sob o
título “Com as flores do salgueiro – Homenagem a Bashô”. Aqui se
transcrevem algumas composições:
Um
pássaro no ninho: uma
gaiola perfeita. Crepúsculo.
Gaivotas
em repouso
velam o cadáver do
sol. Uma concha
bivalve: borboleta do
mar, de asas
fechadas. |
Jogo de
sedução entre o vento e
as folhas. Prazer
volátil. Juncos em
movimento. Os cabelos da
água penteados pelo
vento. Borrão
azul na brancura da
página: o
poema. |