HAIKU - poesia tradicional japonesa

 

 

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O haiku OCIDENTAL


 

 

            O haiku foi absorvido por outras culturas e línguas, tendo ganho popularidade em diversas regiões do mundo durante o século XX, nomeadamente no Brasil, América, Canadá, França, Índia e alguns países dos Balcãs.

O haiku (frequentemente designado por haicai pelos poetas de expressão portuguesa) chegou ao Ocidente, quer pela via da imigração japonesa, quer pelo fascínio que o Oriente foi gradualmente exercendo sobre os ocidentais e que culminou, no caso da literatura portuguesa, no exotismo presente em textos simbolistas de final de século (Venceslau de Morais e Camilo Pessanha).

Venceslau de Moraes (1854-1929) cedo se sentiu fascinado pelo Japão, onde viveu largos anos, sendo a sua obra reflexo da cultura oriental. Traduziu diversos haiku japoneses, optando frequentemente pela quadra, por a considerar a única forma breve e popular que se equivale na tradição portuguesa. Mas, na opinião de alguns estudiosos, acabava por desvirtuar o espírito, e até o conteúdo, do original. Como exemplo, a tradução de Morais do famoso haiku de Bashô: “O velho tanque- / Uma rã mergulha, / barulho de água.”:

           

Um templo, um tanque musgoso;

Mudez, apenas cortada

Pelo ruído das rãs,

Saltando à água. Mais nada...

 

            Já o poeta Herberto Helder (1930) , também tradutor de poesia de diversas culturas antigas, apresenta traduções mais aproximadas:

 

Primeira neve:

Bastante para vergar as folhas

Dos junquilhos.

 

Festa das flores.

Acompanhando a mãe,

Uma criança cega.

Monte de Higashi.

Como o corpo

Sob um lençol.

 

Ah, o passado.

O tempo onde se acumularam

Os dias lentos.

 

 

            O haiku ocidental apresenta diferenças do tradicional japonês, principalmente no aspecto formal. Naturalmente, a especificidade da língua japonesa  (o léxico, a sonoridade e o próprio conceito de sílaba métrica) inviabiliza qualquer reprodução fiel nas línguas ocidentais, surgindo mesmo distintas traduções para um mesmo poema. Dificilmente, a língua portuguesa e a inglesa, por exemplo, conseguem adoptar com rigor a métrica de 17 sílabas, distribuídas em versos de 5, 7 e 5 sílabas, sem perder a fluência, a leveza e a naturalidade que caracterizam o haiku japonês. Os haiku escritos ou traduzidos por ocidentais mantêm do original: a brevidade; a recorrência a vocábulos associados à natureza ou às estações do ano, a associação de percepções (sensoriais e emocionais) e a divisão da estrofe em três versos. A temática é mais abrangente.

 

A concisão da forma e, essencialmente, a percepção da natureza são elementos muito marcantes nalguns poetas contemporâneos, nomeadamente em Eugénio de Andrade e Albano Martins.

A poesia de Eugénio de Andrade ( 1923 ), poeta que nunca se integrou em qualquer movimento literário específico, caracteriza-se pelo valor dado à palavra, à imagem, à musicalidade, aproximando-o, entre outros, do simbolismo de Camilo Pessanha. Tende a rejeitar os dualismos da cultura ocidental, representando o Homem como um ser integrado numa realidade colectiva. Surge por vezes a analogia entre as idades do homem e as estações do ano e, através de descrições ou evocações físicas, tenta versar a plenitude da vida, a pluralidade dos instantes. São muitos os poemas breves ou de versos curtos, aparentemente simples, mas de grande profundidade:

 

Tocar um corpo

e o ar

e a língua de neve.

 

Tocar a erva

mortal e verde

de cinco noites

e o mar.

 

Um corpo nu.

E as praias fustigadas

pelo sol e o olhar.

 

As palavras, vício

torpe, antigo.

As últimas? As primeiras?

Como os ouriços

abrem-se ao rumor do mundo:

o sol ainda verde dos limões,

os esquilos

doutras tardes, o latido

da chuva nas janelas,

os velhos em redor do lume

- nunca foram tão belas.

 

Albano Martins (1930), actualmente professor universitário no Porto, tem-se distinguido particularmente no campo da poesia, do ensaio e da tradução. A sua obra poética caracteriza-se pelo encontro equilibrado entre a contenção (forma breve e linguagem depurada) e o poder imagético da palavra (suas inúmeras possibilidades associativas e metafóricas): “O ritmo / do universo/ cabe,/ inteiro,/ na pupila/ dum verso.” Em 1995, editou poesia haiku de sua autoria, sob o título “Com as flores do salgueiro – Homenagem a Bashô”. Aqui se transcrevem algumas composições:

 

Um pássaro

no ninho: uma gaiola

perfeita.

 

Crepúsculo. Gaivotas

em repouso velam

o cadáver do sol.

 

Uma concha bivalve:

borboleta do mar,

de asas fechadas.

 

Jogo de sedução

entre o vento e as folhas.

Prazer volátil.

 

Juncos em movimento.

Os cabelos da água

penteados pelo vento.

 

Borrão azul

na brancura da página:

o poema.

 

 

 

 

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