Neste livro, editado por Edições
Quasi e apoiado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão,
Eugénio Lisboa lança um olhar sobre outros olhares, alguns dos que
tornaram o mundo mais inteligível.
E esse olhar acompanha, de algum
modo, a marcha da história ou, se se preferir, a marcha da
descoberta científica, resumida e enquadrada, em grande parte, pela
geometria, pela física e pela astronomia.
É, assim, que nós vamos passando
pela antiguidade clássica em poemas, a propósito de “um astrónomo”,
de Thales de Mileto, Anaxágoras, Pitágoras, Empédocles, Demócrito,
Euclides, um certo Teodoro, Arquimedes e Ptolomeu e, depois, por um
período, que vai do Renascimento ao século XVIII, com Bartolomeu
Dias, Copérnico, Galileu, Kepler, Descartes, Pascal e Newton para,
finalmente, sermos confrontados, já na viragem do século XIX para o
XX, com poemas sobre Van Gogh, Bohr e Einstein.
É um caminho dos argonautas feito
da enorme vontade de conhecer. Como se diz no díptico dedicado a
Demócrito: Prefiro entender o que sei/ a poder ser, na Pérsia, rei.
Caminho feito sob o rigor da
geometria: Um percurso exacto/ Um discurso claro, como se diz,
justamente, no poema dedicado a Euclides, o pai da geometria (p.29).
Mas este caminho do rigor, o
caminho da descoberta, tem duas vertentes ou contém em si o seu
contrário e isso é particularmente claro com o poema Bohr:
(Perscrutar certos segredos/ que a
natureza escondera! é fundamento dos medos/ do frio que nos espera.)
ou em Einstein: o que há-de vir depois/ é o frio ou ainda em
Oppenheimer: “Sou morte que alisa mundos “.
É um caminho que tem como epílogo o
Inverno (o nuclear e o outro). E, nesse Inverno, fulgor de vida não
cabe ou, como se diz em O caminho da entropia
Arrefecido o homem, já da sua
história
fica só nada, que o fluir do tempo pisa.
Do que fomos, nem de nos termos esquecido
traço fica. Inocente, o tempo, liso, flui,
nem sabendo que não sabe. O já ter sido
é nem ter chegado a ser: o passado alui.
Eterno, sem lembrança, o frio acontecido.
Se a primeira parte do livro
(sensivelmente até à p. 50) nos parece esperançosa, já que glorifica
as conquistas do homem, a sua inteligência, a segunda, que
corresponde aos finais do século XIX e vai, a par e passo, com as
descobertas no domínio da física atómica, é, manifestamente, um
grito de alerta para um eventual mundo de horror, isto no caso do
homem ousar passar aquele limite a partir do qual tudo é
irreversível.
São algumas observações sobre um
paraíso perdido. Não é por acaso que esta obra poética se inicia,
com uma epígrafe de Milton (Paradise Lost), onde se fala de um
escuro e ilimitável oceano, sem limites nem dimensão... Foi a partir
desse oceano que se formou a vida e será para ele que a vida voltará
e dela não ficará história. O passado alui, dirá Eugénio Lisboa num
dos últimos poemas do livro, acima transcrito.
Não é, pois, de admirar que as
conclusões sejam amargas e expressas ainda pela geometria: linha
recta e circunferência. Diz o autor: O conjunto dos homens é, pois,
uma circunferência cujo centro é um frio já que na perspectiva da
duração do universo, todos os homens são equidistantes do frio
final.
Livro amargurado, dorido, mas,
simultaneamente, viril (no sentido de procurar pensar e aceitar a
realidade, com uma distância que a objectividade científica ajuda)
constitui, mais uma vez, um exercício intelectual, tão ao gosto do
autor, que pensa o real até à exaustão sabendo, apesar de tudo, que
a ciência não explica tudo. Daí este livro, que é o segundo livro de
poemas do autor; recorde-se que o primeiro, A Matéria Intensa, teve
uma 2ª edição em 1999.
Eugénio
Lisboa é um conhecido ensaísta da literatura a quem a cultura
portuguesa muito deve, sendo, particularmente, admirado como
especialista da obra de José Régio. Os seus ensaios deixam
transparecer, pelo rigor da linguagem, o homem de ciências que lhe
subjaz. Por isso mesmo, não deixa de ser interessante verificar
como, ele próprio, sente a necessidade de se exprimir, também, na
linguagem poética, pois só esta lhe permitirá avaliar as
polivalências que o conhecimento arrasta consigo. Dir-se-á, com
alguma (im)pertinência, que nem só de objectividade vive o homem!
Luís Serrano, Jul.-Ago.
2001 |