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Diversos


Fábulas e contos - Ítalo Calvino

 

Agora que o Natal está aí à porta, talvez tenha sentido falar das histórias à lareira.

E isto vem a propósito da edição em língua portuguesa dos 2 volumes de Ítalo Calvino, Fábulas e Contos.

Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1956 e a presente tradução para língua portuguesa, da responsabilidade de José Colaço Barreiros foi feita a partir da edição de 1993 (Palomar e Arnoldo Mondadori).

Trata-se de um trabalho de recriação de fábulas e contos tradicionais, recolhidos, a maioria deles em Itália (mas não só) e que Ítalo Calvino filtrou a partir das várias versões a que teve acesso. Não se trata, portanto, de uma simples edição de contos tradicionais recolhidos nesta ou naquela fonte mas de uma recriação feita por um grande escritor daquilo que eram as estórias que iam passando de geração em geração, por via oral, e a que ele deu um cunho pessoal.

Muitas destas estórias circularam por toda a Europa e eu recordo-me de algumas dos meus tempos de miúdo, veiculadas através dos livros escolares ou contados, à lareira, pela madrinha.

Ora, hoje, já não se contam estórias à lareira... e é pena porque elas traduzem muitas vezes os sonhos das pessoas, os seus medos, a sua moral, o seu modo de ver e entender o mundo.

São estas estórias tradicionais muito semelhantes em todo o mundo, mesmo quando pertencentes a culturas muito díspares, e em número limitado como o demonstrou o grande especialista deste tipo de contos, o russo Vladimir Propp em Morfologia do Conto.

Quem não se lembrará de A Camisa do Homem Feliz ou do Bem como o Sal?

No primeiro procurava-se o homem feliz, aquele que pudesse dar a sua camisa ao filho do rei que se encontrava gravemente enfermo. Aconteceu que o único homem feliz encontrado, justamente... não usava camisa.

No segundo, o rei pretendia saber se as suas três filhas gostavam dele e como. Ora, a filha mais nova disse-lhe: eu quero-lhe tanto como o sal quer à comida o que enfureceu o rei, seu pai, e tanto que a expulsou de casa vendo nesta resposta a expressão de uma total falta de carinho.

Muito tempo depois, este rei foi convidado para assistir a um casamento mas não sabendo que se tratava do casamento da filha mais nova, aquela que ele tinha expulsado de casa. A comida foi-lhe servida sem sal, na ausência da noiva, aparentemente indisposta. Aí o rei compreendeu quanto tinha sido injusto para com a sua filha que percebendo os remorsos do pai, resolveu aparecer. O castigo estava dado e o mundo voltou a rodar sem mais perturbação.

Os 57 contos do 1º volume e os que constituem o 2º são contos destes: por detrás de cada um esconde-se uma moralidade, um castigo aos avarentos, aos maus de uma maneira geral, um elogio à esperteza daqueles que são capazes de resolver problemas difíceis ou de desmascararem a intrujice e a má fé. Alguns destes contos condenam mesmo algumas superstições alimentadas pela ignorância das pessoas crédulas e exploradas por quem detém as rédeas do poder local.

E tudo isto num mundo de faz de conta sem fronteiras entre o real e o fantástico porque para o povo não é difícil passar de um ao outro já que são complementares. O povo aceita-os como a expressão das duas vertentes que dão da vida uma compreensão integradora onde inteligência e sensibilidade não se excluem, antes pelo contrário, são a condição da unidade que é o homem e também expressão da inserção deste homem num mundo mais vasto em comunhão com a natureza.

Aqui lhe deixo, pois, esta sugestão, leitor. Se não sabe o que há-de oferecer ao seu filho ou ao seu neto, ofereça-lhe este Fábulas e Contos, trazido a lume em língua portuguesa pela Editorial Teorema. Ah! E leia-o também o senhor que não perde nada com isso. Os livros nunca fizeram mal a ninguém, embora andem para aí uns profetas da desgraça a dizer o contrário. Vá por mim, deixe-os falar. Bom Natal e Feliz Ano Novo.

Luís Serrano

 


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