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Apenas pretendo dizer duas coisas. A primeira é que nós, durante muito
tempo, como Liceu, nós, aquilo que se chama a geração de tampão, entre
o antes e o depois do 25 de Abril, tivemos que aguentar com a expansão
escolar, com a
forma |
como isto foi feito. Tivemos sérios problemas para
resolver, problema de consciência e de ajuste de contas com o Liceu e com
a nossa geração. Não é tão fácil quanto parece para a nossa
geração viver a passagem do tempo. Diz a Cecília Sacramento que isto é
fácil. De certa maneira, é um bocado fácil. Mas não assim tão fácil
como possa fazer-nos crer. Não foi fácil para ela, tal como também não
é fácil para nós. Mas convém dizer que uma parte da recuperação do
património, da forma de estar das escolas antigas, no que diz respeito,
por exemplo, a estas sessões, é uma forma de fazer esse ajuste de contas
já na idade madura. É como se nós estivéssemos tão maduros, tão
maduros, que podemos fazer ajustes de contas dizendo que vamos fazer igual
aos outros naquilo que eles tinham de melhor. |
Naquilo
que as escolas tinham de melhor, nós estamos a procurar fazer igual aos
outros. E estamos a tentar quase rever-nos naquilo que nunca deveria ter
deixado de existir, naquilo que nunca deveria ter sido recusado, naquilo
que era um sinal de todos os tempos, que é termos escola com orações de
sapiência, escola com reconhecimento dos locais, escola com
reconhecimento das pessoas, escola com reconhecimento da comunidade e do
papel que ela presta à comunidade.
Há
um ajuste de contas. E este ajuste de contas, que agora estamos a fazer,
tem uma certa maturidade.
É
também verdade que no desenvolvimento do País nós passámos por muitos
trambolhões. Por isso, ao fazermos este ajuste de contas, fazemos ajustes
de outro tipo. Ao contrário do que disse o Gaspar Albino, não é nada
verdade que seja bolor sobre bolor. Em primeiro lugar, essa questão não
é verdade. E muito menos verdade é que seja um gesto de reconhecimento
fácil para o Aveiro/Arte ou para a Dr.ª Cecília Sacramento. O que se
está a passar é uma coisa bem diferente.
Nós
temos dois modelos tecnicamente importantes de pensar a educação. E há
países de tipos diferentes que pensaram isto sempre de maneira diferente.
Em Portugal, por várias razões, e a tradição assim mandou que, em dados
momentos nós fôssemos muito localistas, racionalistas, nacionalistas,
para depois tentar ir fazer o mundo em geral e às vezes mal. E outras
vezes fomos tão universalistas que nunca chegámos a entrar em casa.
O
ensino de todas as disciplinas, de todos os ramos do saber, vive esta
função. Ou nós olhamos para as nossas coisas e depois, a partir delas,
caminhamos para fora e percebemos o que está fora, ou nós olhamos para o
mundo inteiro e percebemos o que está fora, ou nós olhamos para o mundo
inteiro e nunca chegamos a perceber o que se passa dentro de casa.
A
tensão depois do 25 de Abril é uma tensão que nós vivemos e alguns de
nós somos autores deste mundo em que vivemos. (...) O mundo foi sempre
feito desta maneira e durante muito tempo nós defendemos perspectivas a nível
dos próprios currículos das formas como as nossas crianças têm de
entrar, que era, provavelmente, se nós a universalizarmos muito, não
cometemos erros muito graves dentro do País. Esta receita é uma receita
que foi aplicada a todas as disciplinas. Não é um problema de
Literatura, não é um problema de Arte, é um problema de tudo,
inclusivamente da Matemática.
Só
com uma grande maturidade é que nós passamos a pensar que podemos
ensinar o universalismo, metendo as pessoas em contexto. Podemos estar a
olhar para a nossa casa e a partir dela sair para fora e ser
universalistas. Há países que nunca saíram desta oportunidade e que
foram mais universalistas do que nós. Pelo menos universalistas no
sentido de que, sem partir sempre à conquista, puderam sempre respeitar
todos os valores e conhece a comunidade melhor do que nós. Nós muitas
vezes, quando olhámos muito para dentro, fechámo-nos demasiado; quando
andámos muito para fora não percebemos nada do que estávamos a fazer cá
dentro.
Estas
homenagens são o ajuste de contas, mas também de contas com a forma como
nós ensinamos. Estamos maduros para podermos olhar em todos os ramos do
conhecimento, para que cada professor, na sua caminhada, no seu local de
trabalho, com a sua autonomia daqui a pouco tempo, possa a partir dos seus
autores, locais, regionais, nacionais, a partir dos seus matemáticos, a
partir dos seus pintores, etc., fazer a viagem para fora. E essa é aquela
que estamos a começar a fazer há muito pouco tempo e que está a ser
ligeiramente interrompida por adiamentos da revisão curricular, mas era
uma que estava a começar a ser feita.
Nós
vamos ter de começar a fazer a viagem quase ao contrário, porque
frequentemente estamos a chegar à conclusão, com alguns exemplos, que
partimos de casa, primeiro, ajuda a arrumar a casa. Ter alunos críticos a
olhar para os seus autores, a olhar para as obras de arte e a poderem
dizer «isto é bom», «isto é mau», «isto deve ser feito» e a ser
estudado criticamente e depois a ser comparado com o de fora e a partir
para fora, é bom para as artes locais, é bom para os literatos locais,
é bom para os escritores porque é um olhar de dentro da escrita e é um
olhar de dentro de quem estuda o discurso, de quem o compõe, de quem se
educa para ler e para escrever.
Este
caminho é o que está a ser feito. Estas homenagens, desde o ano passado,
e o ano passado não disse isto, disse outra coisa, disse que era
importante os professores de Português começarem a pensar fazer uma
selecta das pérolas literárias de Aveiro para mostrar aos alunos. E vai
ser feita. No ano passado propus que se escolham textos, que se divulguem
junto dos alunos de forma maciça, para lhes aguçar o apetite por autores
de Aveiro.
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Este
ano estou a dizer que, a ter-se repetido, é o sinal, mais um sinal
de que estamos maduros para fazer um currículo contextualizado, de
dentro para fora, que esse é o caminho bom para nós todos: para os
escritores, para os artistas plásticos e para toda a gente. |
E
não têm outro remédio para poderem afirmar-se e para não serem
castigados irremediavelmente pelos estudantes jovens que não vão ler e
ver só slides longínquos, não vão ver só de vez em quando aos museus
um ou outro quadro, mas que vão te de descascar os quadros, vão ter de
descascar os livros.
Não
há outro remédio, para acreditar neste impacto, quem me dera que já
pudesse ser feito hoje, do que ser criativo, irreverente e ser em parte
duro, que é a única hipótese que é de aparecer criativo num tempo em
que os jovens já estão a olhar para as obras como estudantes,
localmente.
É
preciso que os estudantes chamem os escritores e discutam com eles nas
aulas. Não podem chamar o escritor que está na França, que está em
Lisboa. Era melhor que chamasse um que está aqui mesmo à porta e que lhe
descascasse. Não tem mal nenhum. É bom para o escritor, é bom para os
alunos. É preciso que os alunos descasquem pintores, Não tem mal nenhum.
É bom para todas as partes.
O
que eu vos estou a dizer é que nada disto é pouco egoísta.
Tudo o que as escolas fazem, quem dera que fosse por puro egoísmo
e que saibam que nesse mesmo egoísmo reside a nossa salvação.
E
eu estou a crer, mais que convencido, que é a partir disto que os nossos
jovens, que é partir de nós que os nossos jovens podem perceber e amar o
universo todo.
Muito
obrigado pela vossa atenção.
Arsélio
Martins.
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