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Domingos Alves da Costa


Aveiro


Recordando jogos tradicionais

FUTEBOL NA RUA

 

O que vou narrar a seguir, passou-se no Bairro da Cruz de Pedra, freguesia de Creixomil, na cidade de Guimarães, na década de 1940 a 1950.

Para jogar futebol, tínhamos à nossa disposição três “complexos desportivos”, todos relvados: o ESTÁDIO PRINCIPAL, com calçada à portuguesa, situado mesmo no centro do Bairro; o ESTÁDIO DA LIBERDADE, com paralelepípedos, sito na Rua da Liberdade, e o ESTÁDIO DA MEIA LARANJA, de terra batida, no lugar do mesmo nome. Todos eles tinham balizas improvisadas, de acordo com o local.

       

No primeiro estádio, as balizas eram constituídas pelas traseiras do Padrão da Cruz de Pedra — com uma secular pintura a óleo do Senhor da Agonia — e pelo portão principal da Quinta do Costeado; no segundo, uma parede, de um lado, e duas pedras do outro, e tínhamos o local onde a bola deveria ser metida. Este estádio era o único em que uma das linhas laterais era um alto e extenso muro, que separava os quintais da Rua da Liberdade. O último estádio tinha apenas por balizas dois paralelepípedos colocados de cada lado.

Nessa época, raramente passava um automóvel pelo referido Bairro. Passavam muitos carros, mas os mais frequentes na época: carros de bois!

A bola era confeccionada com trapos de lã no interior para poder saltar. A envolvê-los, usava-se uma meia de Senhora. Mas era necessário ter habilidade para fazer o “fecho” da bola. Todo o material para confecção era esmifrado à roupa de uma irmã ou da própria mãe de um jogador!

O equipamento não era mais do que a roupa que cada um vestia no momento do jogo.

Os balneários eram a casa de cada um, quando não era o próprio fontanário que existia ali mesmo ao pé!

NÃO HAVIA ARBITRO! Nem árbitros assistentes. Muito menos o quarto árbitro. Nem treinadores, nem capitães das equipas! (Eram todos árbitros, treinadores e capitães e... não era ninguém!)

Também não existia contagem de tempo para o final do desafio. A duração do “prélio” era combinada previamente. Mas, geralmente, o intervalo começava quando uma das equipas metesse o décimo golo e terminava o jogo quando a primeira das duas equipas metesse o vigésimo! (Antes de começarmos as salutares “lides”, chegávamos a um acordo: “MUDA AOS 10 E ACABA AOS 20!”

EM SUMA: Não havia nada... ou quase nada. Mas havia uma GRANDE AMIZADE entre a “rapaziada” desse tempo. E a grande vontade de praticar futebol entre as crianças!

Devo dizer que, durante o desafio, os intervenientes eram aplaudidos pelas pessoas... que iam passando junto dos “relvados”, principalmente pelas operárias das fábricas existentes na zona do Bairro.

Quando algum de nós avistava um agente da autoridade, ao fundo da “nossa Rua”, saíamos rapidamente da propriedade pública para a propriedade privada, situada no centro do Bairro (a eira da OLARIA).

 

 

Convém também dizer que, quando jogávamos no Estádio Principal — este era contíguo à referida Eira — a respectiva bola entrava nela, a toda a “mecha” e danificava algumas peças que, quase diariamente, ali eram colocadas pelos oleiros, em compridas tábuas, para secarem e serem depois levadas para o forno: cântaros, vasos, cafeteiras, infusas, etc. Quando isto acontecia, a Dorzinhas — uma das proprietárias da Olaria — aparecia, sabe-se lá como e de onde, e berrava aos autores da “façanha”, um pouco afastados: «Seus malandros! Vejam o que fizeram!» E, virando-se para mim: «Deixa que logo, quando vier o teu irmão Joaquim, já lhe vou contar tudo!»

E o que mais fazia ela? Sempre que podia, pegava na nossa ‘‘querida bola de trapos’’ — que tanto trabalho tivéramos a confeccionar e deitava-a para o sótão. E sabem o que acontecia? O sótão da Dorzinhas ligava com o da minha casa, ou seja, o sótão era comum às duas habitações. E está-se mesmo a ver: era só colocar uma cadeira sobre outra e...zás! Já cá cantam as bolas novamente!

 

Ficavam as sovas dadas pelo meu irmão mais velho e padrinho! E viva o velho! 

Aveiro, 11 de Outubro de 2004

Domingos Alves da Costa

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