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Domingos Alves da Costa


Aveiro


Milagres da Caridade

Já velhinha, de cabelos cor de neve, rosto repleto de rugas, sem parentes, sem ninguém que a sustentasse e lhe dispensasse os carinhos necessários, viu-se obrigada a estender a mão à caridade. Talvez tivesse ainda um netinho – o Carlitos - que, ainda pequenino, desapareceu, ignorando-se o seu paradeiro...

Sabendo que, nessa tarde de sol ardente, se realizava um desafio de futebol, aproveitando esta oportunidade, lá foi, curvada, trémula, sem forças, como pôde, até a um sítio mais aprazível, a fim de pedir esmola a quem passasse.

Dezenas, centenas de pessoas passavam... Passavam, sim, mas indiferentes à dor, sem sequer olharem para aquela imagem de extrema bondade. Ninguém lhe dava esmola, nem tampouco lhe dirigia palavras consoladoras...

Triste, caindo-lhe lágrimas pela face enrugada, compadecida daqueles corações severos, a mendiga enviava uma oração aos céus...

Entretanto, junto do povo que continuava a passar, seguia um rapaz ainda, grande entusiasta do futebol. Mal viu a pobrezinha, encheu-se de compaixão. Não lhe podia dar esmola alguma, pois unicamente levava o dinheiro suficiente para assistir ao desafio. Era pobre. Rápido, tomou uma resolução. Dirigiu-se à indigente velhinha e, consolando-a com palavras ternas, depositou-lhe nas trémulas mãos o dinheiro destinado ao jogo que tanto gostaria de ver.

A velhinha, a custo, acreditava no que acabava de ver e ouvir... Duas lágrimas rolaram pelo rosto do rapaz.

De súbito, algo se passou no cérebro da pobre velha: acabara de reconhecer o seu querido Carlitos naquele rapaz que lhe dera esmola e que, por sua vez, acabava de nela reconhecer a a avó que pensava perdida.

O povo, entusiasmado com o futebol, continuava a passar, enquanto avó e neto querido se abraçavam entre lágrimas de alegria...

ALVES DA COSTA

"Correio da Serra",

Jornal de Pampilhosa da Serra,

15-05-1964, pág. 1

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