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The perversion of the jury
A perversão do júri |
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The perversion of the jury
The jury is a
specialized
viewer a professional
–, who has the
task
of
guiding, through the
eyes of
the
common
viewer, a
selection
of works of art. In
theory, it spares them innocuous
experience
and provides a contact
with works of art in a guided tour of a museum of
art gallery. Like
any other viewer, he possesses a
culture,
a context,
a direction
which
his teachers
helped to shape, along with his
life
experience,
readings, and that which
constitutes
the
biggest mystery of all,
but perhaps the
most decisive,
his own personality the
irrefutable
bond of
the
factors
which
constitute
it.
This
can
be an important part
of the
jury's mission as well as a real
limitation, by
being an obstacle
to the
evaluation of values external to their own. The specialized
viewer again, like the
other viewers recognizes
quality and
consistency
even in the
works that do not provide a special
form
of pleasure. He recognizes said pleasure in
others and imagines who in
his group of
friends
and colleagues
would be interested in this or that work. The jury's response exceeds
the
answer to the
insoluble
mystery of
the
human personality in order
to enter another equally complex
environment, that of evaluating according
to a given set
of
rules. However, it might
be that he is fortunate
enough to be able to associate
both.
The experience
of the
jury always reminds me of Marcel
Duchamp
and his now famous
upside down urinal,
designated
"Fontaine" ("Fountain").
The first
showing of the
urinal
occurred
precisely
within the
context
of an exhibition, with an organization and
rules, even if
that meant the
abstention from
evaluation by the
members of the
organization.
In 1917,
the
American
Society
of
Independent Artists
invited Marcel
Duchamp
to be a member of the
organization, whilst they prepared an exhibition with works
from
its
members.
In order
to be a member, the
artists only had to pay a seven dollar
fee
and supply them with two works, which
would be
immediately included
in the
exhibition. Duchamp
was now enjoying a situation which
was the
opposite of what he had experienced
in
Paris, in 1912, during
the
Salon des Indépendants, in which
his cubist
artist friends
refused
to display his work "Nu descendant
l'Escalier"
(Nude Descending
a Staircase).
Inversely, that work later became
responsible for the
huge success
that Duchamp
enjoyed in the
United
States, and was even
displayed at the
Armory Show, which
was held in New York in 1913. So this eccentric
and successful
French
artist was now in the
position of juror
in an exhibition which
would accept
all
his works. There would be no selection.
Marcel
Duchamp
placed
himself,
deliberately, in the
position of the
ill-famed
chess
player of Sweig that played against himself
in a deep bipolar division of his
personality (a game
which
M. Duchamp
thoroughly enjoyed and played fervently).
He submitted
one of his own works under a
pseudonym,
the
urinal
by R. Mutt,
and placed
himself
in the
ambivalent position of both jury and
contestant.
By
doing this, he
forced
the
members of
the organization, of
which
he
was part,
to vote against
the regulation that
stated that any work of art that was presented would be accepted.
The urinal
was considered
obscene,
but above all
it was stripped of any artistic
quality, and they
only acknowledged
its effect
as a provocation
piece
This was Marceli
Duchamp's
first
move. The second
was resigning from
the
committee
for not agreeing with an exception
being made to the
regulation which
clearly
stated that any of the
works of any
member that had paid
the
fee
would automatically
be displayed. But he did not say that he was
the
author of the
work. As his third move,
he persuaded
the
notable photographer and gallery owner Alfred
Stieglitz to photograph the
"Madonna of the
Washroom" and publish the
photo in the
magazine "The Blind Man".
This issue included
several articles
praising the
Venusians shapes of the
urina!. Like the
bipolar
chess
player, Marcel
Duchamp,
stopped playing, almost immediately, with
the
members of the
American
Society
of Independent Artists to play "against" himself.
For a long time he did not claim
the
authorship of the
work, placing
himself
in the
position of viewer,
opinion giver, and mere
external observer committed
to the
defense
of a work –
his own.
Others have
commented
on his acetions
as well as the
work of Marcel
Duchamp
in a very intelligent and astute manner(1).
My
purpose, besides telling a
beautiful
story, in which
the
complex
moral is extremely interesting to
the
production
and appreciation
of the
works of art, is
that
of
stating the
unique quality
of
this piece,
which
is still able
to shock
mentalities the
same
way it did in 1917.
lts ability
to
remain in vogue is
extreme, or,
perhaps, on the
other hand, the
evolution of society,
contrary
to belief,
is indeed slow, even if
the aesthetic
trends are
changing
at an ever-increasing
pace.
The question posed by Duchamp's
urinal,
and the
way it
was possible to
remove it from
the
exhibition, is whether
the urinal
is art, or not.
Placing
an object,
whichever
it may be, within a museum is an assertive act
regarding its artistic
quality. A jury and I will say it once
again any viewer,
is in a position where such
an assertion is required of him
the jury with real
power, the
viewer with hypothetical
power.
For
the
latter,
the
museum is a place
of appreciation
and debate of the
ultimate question posed by art. "Fontaine" inaugurated
the
ultimate debate: is
it possible for any single
individual to remove the
artistic
intention from
an object
or not.
Those in charge
of this task
temporarily and in a specific
context
such
as that of
the Biennial of Aveiro
always perform
according
to
their
vision of
the
world and of art.
The viewer, at an
individual level,
being freer,
can
thus draw his own conclusions.
I might not agree,
but the work of art, within that dissent,
will at least be acknowledged
as such.
And this is the
perversion of the
jury.
JOANA
NEVES
(1) -
Kant
After
Duchamp, Thierry
de
Duve,
MIT
Press, 1998 |
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A
perversão do júri
O
júri é um espectador especializado profissional
–,
que tem a tarefa de orientar, através de uma selecção, o olhar do
espectador comum. Em teoria, poupa-lhe experiências inócuas e
proporciona-lhe um contacto com obras de arte numa visita consistente ao
museu ou galeria. Tal como qualquer outro espectador, traz consigo uma
cultura, um contexto, uma orientação formada pelos seus professores, a
suas experiências de vida, leituras, e aquilo que consiste o maior
mistério de todos mas talvez o mais decisivo, a sua própria
personalidade –
a conjunção irredutível de factores que a constituem. Essa tanto pode
ser uma componente importante da missão do júri como uma verdadeira
limitação, sendo obstáculo à avaliação de valores exteriores aos seus. O
espectador especializado tal como o outro, repito reconhece qualidade e
consistência até nas obras que não lhe dão especial prazer. Reconhece
esse prazer nos outros, imagina quem no seu grupo de amigos e colegas se
interessaria por esta ou aquela obra. A acção de um júri ultrapassa o
alcance daquele mistério insolúvel da personalidade para entrar num
outro âmbito igualmente complexo, o da avaliação consoante determinadas
regras. Pode acontecer contudo que tenha a sorte de poder associar
ambos.
A experiência do júri faz-me sempre
pensar em Marcel Duchamp e no seu agora famosíssimo urinol, baptizado "Fontaine"
("Fonte") e virado ao contrário. A primeira aparição do urinol foi,
justamente, num contexto expositivo com uma organização, regras, mesmo
que estas fossem a abstenção de avaliação por parte dos membros da
organização. Ou seja, em 1917, a American Society of Independent Artists
convidou Marcel Duchamp para ser membro da organização, que preparava
uma exposição com obras dos seus sócios. Para sê-lo bastava pagar sete
dólares e fornecer duas obras, que seriam imediatamente incluídas na
mostra. Duchamp estava agora a viver a situação exactamente inversa do
que vivera em Paris, em 1912, no Salon des Indépendants, em que
os seus amigos cubistas recusaram a sua obra "Nu descendant l'Escalier".
Obra essa que, ao inverso, era responsável do enorme sucesso de Duchamp
nos Estados Unidos e que fora exposta em 1913 no Armory Show em Nova
lorque. Encontrava-se agora portanto o nosso excêntrico e bem sucedido
artista francês na posição de júri numa exposição em que se aceitavam
todas as obras. Não havia selecção. Deliberadamente, Marcel Duchamp
colocou-se na posição do malfadado jogador de xadrez de Sweig que jogava
contra si mesmo, numa profunda bipolarização da personalidade (jogo que
M. Duchamp apreciava sobremaneira e praticava afincadamente): enviou uma
obra sua com um pseudónimo, o urinol de R. Mutt. Colocou-se na posição
ambivalente de avaliador e avaliado.
Com este acto, obrigou os membros da
organização de que fazia parte a irem contra o regulamento de aceitação
de toda e qualquer obra de arte que se apresentasse: o urinol foi
considerado obsceno, mas sobretudo foi-lhe retirada a qualidade
artística sendo-lhe apenas reconhecido o efeito de provocação. Esta foi
a primeira jogada de Marcel Duchamp. A segunda foi demitir-se do comité
por não estar de acordo com a abertura de uma excepção no regulamento
que dizia explicitamente que qualquer sócio tendo pago o "fee" teria
automaticamente uma obra exposta. Mas não declarou ser o autor da peça.
Numa terceira jogada, convenceu o notável fotógrafo e galerista Alfred
Stieglitz a fotografar a "Madona dos Lavabos" e a publicar a sua foto na
revista "The Blind Man". Nesta publicaram-se vários artigos elogiando as
formas venusianas do urinol. Tal como o bipolarizado jogador de xadrez,
Marcel Duchamp deixou quase imediatamente de jogar com os membros da
American Society of Independent Artists para jogar "contra" si próprio.
Durante muito tempo não assumiu ser o autor da peça, colocando-se na
posição de espectador, opinador, mero observador externo empenhado em
defender uma obra. A sua.
Outros já comentaram este acto e a obra
de Marcel Duchamp de forma muito inteligente e arguta (1). O meu
propósito, para além de contar uma bela história cuja complexa moral é
de extremo interesse para a produção e apreciação das obras de arte, é o
de afirmar a qualidade única desta peça de chocar as mentalidades do
mesmo modo que o fez em 1917. A sua capacidade de actualização é extrema
ou, por outra, a evolução da sociedade, contrariamente ao que se
professa, é lenta, mesmo que as modas estéticas se alterem cada vez mais
depressa.
A questão que coloca então o urinol de
Duchamp, e o modo como se pôde evacuar a obra da exposição é a de saber
se o urinol é, ou não, arte. Colocar um objecto, seja ele qual for, num
espaço museológico é um acto assertivo quanto à sua qualidade artística.
Um júri, e, digo e repito, qualquer espectador, está numa posição em que
lhe é pedida essa asserção o júri com um poder real, o espectador com um
poder hipotético. Para este, o museu é o lugar de apreciação e discussão
da questão derradeira da arte. "Fontaine" abre o debate dos debates: a
qualquer objecto com uma intenção artística pode ou não ser retirada
essa intenção por qualquer indivíduo. Os que têm como tarefa fazê-lo
provisoriamente e num contexto específico como este da Bienal de Aveiro
fazem-no sempre consoante a sua visão do mundo e da arte. O espectador,
a nível individual, mais livre, faça, pois, a sua. Eu talvez não
concorde, mas a obra de arte, dentro dessa dissenção, estará pelo menos
a ver-se reconhecida como tal. E essa é a perversão do júri.
JOANA NEVES
(1) -
Kant
After
Duchamp, Thierry
de
Duve,
MIT
Press, 1998 |
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