Há cerca de dois anos a esta parte, em conversa com o meu
amigo Manuel Pereira Pacheco à saída da Piscina do Sporting Clube de
Aveiro, confidenciou-me este que, depois de passada a "turbulência" da
elaboração do livro "Alcunhas d'Aveiro" iria meter mãos à obra a outro
livro, de cariz diferente, é certo, mas versando um tema que embora
subestimado por muitos não deixa de ser uma "instituição" que permaneceu
ao longo de séculos e com raízes profundas nesta terra que amamos – a
nossa Aveiro.
Durante uns tempos fomos conversando e dando gás a uma
memória já um pouco "traumatizada", fui-lhe transmitindo umas dicas
acerca da localização, proprietários e alguma história das ditas.
Julgando eu que, de certa forma, a minha pouca
colaboração já tinha terminado, recebo um telefonema de um dos autores,
ou seja o próprio, meu amigo de há décadas – Manuel Pacheco:
Após um pequeno intróito de saudações mútuas, do outro
lado da linha, surge a "bomba", «Olha Carlos Sousa, estive aqui a pensar
com os meus botões, e de urna forma "democrática" elegi-te o prefaciador
do livro "As Tabernas d'Aveiro"». Após algum silêncio premeditado,
retorqui: «Ouve lá, oh meu "mandrião" porque será, que de tantos amigos
e magotes de primos cagaréus há-de ser um ceboleiro a fazer esse
trabalho!?.»
/
18 /
Responde o Pacheco na ponta da língua: «Olha, não sei,
surgiu-me a tua pessoa, não pensei em mais nada e catrapuz.»
Em bom rigor fui o escolhido, por um outro ceboleiro
ilustre ter declinado respeitosamente o convite, tendo em conta não
estar familiarizado com a ambiência, com muita pena dele.
A minha empatia entre mim e os dois autores, é
diferenciada. No que diz respeito ao Manuel Pacheco, resulta de nos
conhecermos desde os tempos da EICA e em lides de veraneio pela nossa
cidade, tendo acompanhado o seu lindo percurso desportivo, estudantil,
profissional, sendo em minha opinião, uma pessoa altamente vocacionada
para causas nobres, concretamente no seu total empenho solidário.
Acerca do Armando Regala, não tendo havido uma forte
convivência, e para além da sua veia artística deveras reconhecida a
nível local, nacional, internacional, com mais ênfase em terras do tio
Sam, recordo que quando em amenas cavaqueiras, era um exímio contador de
histórias e passagens da vida, a história poderia não ter graça nenhuma,
mas contada pelo cagaréu Armando Regala dava de imediato azo a
autênticas gargalhadas, difíceis de conter.
Adianto para os menos informados que tenho como "hobby" o
dar a conhecer pessoas, factos, efemérides que, por este ou qualquer
outro motivo, elevaram e enobreceram a terra que me viu nascer – a
minha/ nossa "mui" querida Aveiro.
Assim, esta obra insere-se, em parte, na perfeição e no
espírito de tudo o que tenho divulgado. As tabernas de Aveiro fazem
parte da história da nossa cidade.
Deste modo e na realidade, ao ser convidado pelo amigo
Manuel Pereira Pacheco para elaborar o prefácio desta maravilhosa obra,
senti-me em simultâneo lisonjeado por um lado, e deveras impotente por
outro.
Lisonjeado, por ter sido o escolhido num grande rol de
amigos e familiares competentes que gravitam na esfera de influência do
Manuel.
Impotente porque prefaciar uma obra onde é relatada a
trajectória
/ 19 / de "vida" das tabernas que existiram na nossa terra, por
dois ilustres cagaréus com personalidades marcantes, revelaram ao longo
deste trabalho uma competência inaudita.
Com origem em pequenos inquéritos aos seus proprietários,
familiares, vizinhos e amigos, que dão conta do que serviam em termos de
comida e de bebida, da clientela organizada em tertúlias ou não, ficamos
com um roteiro clássico dessas "instituições", relatando memórias e
histórias com uma minúcia queirosiana, em tarefa nada fácil.
Através da contagem das tabernas já desaparecidas,
permite-nos ver a alteração de hábitos ou a reconfiguração dos locais,
pois muitos são agora cafés, bares ou restaurantes.
A marca social do vinho e do embriagado, pelas memórias
vividas pelos taberneiros, por relatos de pessoas mais velhas, numa
reconstituição de uma certa memória cultural e de formação do espaço
público urbano e mais local (cidade, aldeia, bairro, rua).
Os apetrechos/utensílios, entretanto desaparecidos:
mosqueiros de arame e rendas brancas no balcão, salgadeiras,
escarradores, serrim para limpar o vinho derramado. E dos jogos: sueca,
damas, dominó, preparação de jogos de futebol popular entre solteiros e
casados, com uma petiscada no fim e taça para a equipa vencedora. E que
públicos mais ou menos flutuantes as frequentavam? Pescadores, marnotos,
operários, administrativos e volta e meia um ou outro que denominavam de
dou-tor, pelo facto de ser licenciado.
Assim, o Manuel Pereira Pacheco, na sua busca constante
de informação e investigação utilizando todas as fontes possíveis e
inimagináveis, recorrendo e batendo a todas as portas e ruas, planeou e
executou esta estupenda obra levantando factos na senda de uma caminhada
vitoriosa.
Tratou-se de um percurso deveras triunfante, com
reconhecimento que ultrapassará a esfera local, ilustrando factos e
passagens de que os seus amigos e familiares e especialmente os
aveirenses se poderão orgulhar.
Aos que tiverem a sorte e o empenho de lerem a presente
obra atentem
/ 20 /
para a maneira humana, simples e carinhosa com que o
autor e os relatores expõem e narram os factos, poderão acreditar –
somente os que amam poderão ter a visão de alguém que já não se encontra
entre nós.
Parabéns Manuel e Armando, o vosso trabalho é um legado
para a posteridade.
Carlos Alberto de Oliveira e Sousa
13 de Janeiro de 2021
|