Antes que eu diga, já disse!
São histórias e memórias. É sobretudo uma visita ao
passado, ressuscitando quadros de uma cidade que desapareceu há muito
tempo, que os mais velhos recordam com saudade e os mais novos
desconhecem.
Tabernas ou «tascas» conhecidas localmente e até «fora de
portas», pelo paladar apetitoso dos seus petiscos, dos «comes e bebes»,
eram também uma espécie de «parlamento dos pobres», porto de abrigo a
quem não se negava um prato de sopa, por mais empedernido que fosse o
feitio do seu proprietário. «Ninguém sabe o dia de amanhã» – era o que
se dizia...
Ponto de encontro de conversas inflamadas da «malta da
ferrugem, do serrim, da pedra, da vassoura, das traineiras», gente
simples e humilde que antes de iniciar a jornada ali parava para beber
um bagacinho, que a manhã estava fria, mas que no final de um dia de
trabalho ia até lá «trincar» qualquer coisa, acompanhado de uns
«martelos» à mistura, que «o vinho era bom e de lavrador».
Aos domingos, a sua frequência era quase obrigatória para
o lanche «ajantarado» dos homens, que as mulheres ficavam em casa ou à
soleira da porta à conversa com as vizinhas.
Falava-se de tudo um pouco. Do futebol evidentemente,
principalmente do nosso «Beiramarzinho», do velhinho estádio Mário
Duarte no topo do jardim municipal, palco de tantas emoções, umas
alegres para festejar no final do jogo com os amigos, outras para se
beber mais um
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«copito» procurando esquecer a «azelhice» do guarda-redes que afinal não
guardou a baliza...
Nas tabernas falava-se em surdina, quase ao ouvido,
aqueles dichotes e comentários que ouvidos «bufos» podiam levar até
«outros ouvidos» entretidos a infernizar pelo medo, a vida da
comunidade.
Foi um tempo sem relógio nem despertador, em que a
liberdade agrilhoada era uma promessa e um sonho para quem ansiava
respirar sem fronteiras, nem barreiras. A maioria queria o vinho macio a
escorrer pela garganta, as moelas, uns rojões, uns torresmos que «a
política é para os grandes»...
Relembro a do «Zé Bissa», por exemplo, situada na rua
onde vivi muitos anos, que era uma espécie de «quartel da oposição», em
que entre «vivas e morras» aplausos e vaias, se desenhava um país que
havia de renascer de novo. E o país renasceu e o «Zé Bissa» partiu como
tantos outros, para a «petisqueira da eternidade».
Nas tabernas da cidade e do concelho, fizeram-se amizades
e criaram-se inimigos. Alimentaram-se ódios e viveram-se momentos de boa
disposição. Com uma «caneca a mais» revelaram-se bons fadistas na «fadistagem
da vida», arautos da miséria que batia à porta de tantas famílias, numa
pobreza escondida e amargamente sofrida.
Caríssimo leitor: este livro não é um livro qualquer! É o
produto do «aveirismo» (essa palavra tão cara que denuncia a paixão por
Aveiro e pela liberdade) do Manuel Pereira Pacheco, que com o seu
empenho e ousadia, transpôs – e bem, para o papel, «trajectos» de vidas
passadas e que com a arte e engenho do Armando Regala, transforma esta
obra numa ocasião soberana para devagar e paulatinamente conversarmos
com quem já não está entre nós percorrendo as ruas, travessas e vielas
de uma cidade que adormeceu mas não morreu, pois continua viva no
coração daqueles que sempre a evocam e amam.
Bem-hajam os seus autores. Bem-hajam os seus leitores.
Por Aveiro – sempre!
Manuel Carlos Martins
20 de Janeiro de 2021
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