Acesso à hierarquia superior

4ª Série - Número 3 - Dezembro de 2000 - pp. 74-81

Carlos Alberto Corga de Barros

A primeira vez que fui parar a um Conselho Directivo foi por mero acaso. Tenho ideia de que se estava a constituir uma lista para o Conselho Directivo da Escola Secundária n.º 2 de Aveiro, (actual Secundária Homem Cristo) para o biénio 79/81. Realizaram-se algumas reuniões preparatórias para escolha dos elementos, e lá calhei eu na lista. Honestamente eu não sei por que razão fui eu o escolhido, mas o que é certo é que o fui.

Havia uma outra lista concorrente, mas, porque estávamos num período politicamente agitado e interventivo, as eleições foram bastante participadas, e a dúvida de quem seria eleito manteve-se até ao último minuto. A contagem dos votos ditou que a lista de que eu fazia parte ganhou pela diferença mínima de um voto.

A partir da eleição começou a minha aprendizagem. Recordo que foi uma passagem mais ou menos desportiva, sem grandes sobressaltos, dado que eu era um simples vogal, sem grandes pelouros, sem grandes responsabilidades. Em suma, passei esse primeiro ano de uma forma bastante calma. Convém referir que apesar de estarmos numa época onde os conflitos de natureza política abalavam a nossa sociedade, a situação política vivida na escola era, de alguma forma pacifica. Isso também contribuiu para que a actividade de gestão fosse calma, sem grandes atritos, sem grande conflitualidade.

No entanto, no final do primeiro ano do mandato, surgiu um problema que marcou toda a minha vida profissional, especialmente ao nível da gestão. Estávamos em Julho e fui de férias para o estrangeiro, onde permaneci cerca de oito a dez dias. Quando regressei, ainda em gozo de férias e a pensar aproveitá-las da melhor maneira, encontrei um bilhete em minha casa a informar-me de que tinha de me apresentar na escola, pois a requisição de professores tinha de ser feita e enviada para Lisboa. Como não havia ninguém da gestão, a presidente tinha sido colocada noutra escola e o vice estava hospitalizado e o secretário tinha pedido a demissão, lá tive de avançar.

Quando li o bilhete, às três ou quatro da manhã, a pedir para fazer a requisição de professores soube que tinha acabado a minha passagem despreocupada / 75 / pela gestão.

No outro dia lá fui para a escola sem saber muito bem o que fazer, pois nunca tinha feito uma requisição de professores. Ao olhar para trás e passados todos estes anos, tenho ainda aquela sensação de me ver um pouco perdido no meio daquelas folhas, com horas lectivas, cargos e reduções, cálculos e mais cálculos. Salvou-me deste desespero a Rosário Azevedo, professora de Física, que, de imediato, se prontificou a ajudar-me a fazer a requisição.

Aproveito a oportunidade para prestar, desde já, uma sincera homenagem a Rosário Azevedo e enviar-lhe daqui uma palavra de agradecimento.

Continuo a recordar-me que, na altura, a requisição era vista como uma coisa muito complicada. Aliás corria a notícia de escolas com professores a mais, por erros de requisição, nomeadamente no tocante à requisição dos professores de Trabalhos Oficinais, porque na mesma turma jogavam ao mesmo tempo quatro professores e, se não tínhamos cuidado, poderíamos estar a requisitar vinte professores, em vez de cinco ou seis. Entretanto comecei a trabalhar na requisição e acabei por enviá-la para Lisboa.

Continuei sozinho na minha vida de gestor escolar, aprendendo a fazer tudo, entrar nos problemas, resolvê-los, e gerir a crise... Num dado dia, apresentou-se na Escola um professor a dizer que tinha sido colocado em Artes Gráficas. Como nunca me tinha apercebido que esse grupo existia na escola, perguntei o que se fazia em Artes Gráficas. Recordo-me que ele disse, entre outras coisas, que se imprimiam desenhos, inscrições, tudo o que fosse preciso, em metal, através de processos mecânicos com umas máquinas próprias. Então eu disse-lhe que nós não tínhamos nada daquilo na escola.

– Mas eu fui aqui colocado, respondeu-me ele. Fui ver à requisição e verifiquei que me tinha enganado, pois em vez de requisitar um professor para Têxteis requisitei um professor para Artes Gráficas.

Com este engano, a Rosa Maria Mancelos em vez de ficar na Secundária N.º 2, foi colocada em Ílhavo. E eu ali com um problema, o professor a dizer que tinha sido colocado na escola, que não percebia nada de Têxteis, que sabia trabalhar em Artes Gráficas, que tinha leccionado nos anos anteriores na Escola Secundária / 76 / Soares dos Reis, e eu sem ter horário para ele, sem saber o que lhe fazer. Então decidi telefonar para o ministério e colocar o problema. Disseram-me que eu tinha de o aguentar na escola e dar-lhe trabalho.

Como me tinha enganado, não fiquei muito descansado e comecei a ver onde é que ele deveria ter sido colocado, se não tivesse havido engano, de forma a ficar com a consciência tranquila. Ora o professor era do Porto, e se não tivesse vindo para Aveiro teria ido para o Algarve e, assim, para bem de uns mal dos outros. A Rosa Maria foi para Ílhavo em vez de Aveiro e este em vez do Algarve veio para Aveiro, cheio de sorte, disse-lhe eu na altura.

Como não tinha nem sabia que trabalho lhe havia de dar, voltei a contactar com o ministério, que, finalmente, o destacou para a Escola Secundária Soares dos Reis no Porto.

Este foi um pequeno erro, que se resolveu, mas dá para ver o amadorismo em que se encontrava a gestão, pois é impensável que um presidente de um órgão se vá embora, assim sem mais nem menos, e deixe o trabalho a quem está ainda de férias, para mais um vogal, que, ainda por cima, era professor provisório.

Mas isto continuou, porque a presidente estava noutra escola, a vice estava em convalescença, e o outro elemento estava já em processo de demissão, e não aparecia, o que resultou que eu aguentei toda a gestão desde Julho a Outubro ou Novembro, com a agravante de se ter iniciado o lançamento do 12.º Ano, quer diurno quer nocturno, com todos os problemas daí advenientes. Recordo-me que o trabalho de lançar o 12.º ano era muito exigente, o que obrigava a permanecer na escola desde o nascer do sol até noite adentro. Era a constituição das turmas, muitos alunos em determinadas disciplinas, poucos noutras, currículos novos, alunos a virem de outras escolas, um mundo de problemas.

Aguentei sozinho toda a gestão sem qualquer apoio dos outros elementos, pois estavam ausentes da escola, pelos motivos já expostos. A minha formação como gestor escolar foi feita nesse período, e provavelmente com algum sucesso, pois na votação efectuada para indicar um professor para exercer as funções de Presidente (não tinham aparecido listas candidatas ao Conselho Directivo) o meu nome foi votado por larga maioria, apesar de ser professor provisório, sem licenciatura (tinha / 77 / o bacharelato). Entretanto, o resultado dessa votação foi enviado para o ministério, que não aceitou que um professor provisório fosse presidente da escola. Esta decisão constituiu o primeiro imbroglio, dado que a escola queria e insistia na minha eleição para a presidência o ministério recusava.

Efectuou-se uma reunião geral e após as discussões habituais chegou-se a um consenso e eu fui indicado vice-presidente e a Dulce Pato presidente. Nesse mandato, 1980/81, com toda a experiência adquirida, já passei pela gestão de uma forma mais interventiva, ajudando a gerir as situações e os problemas que existem no dia a dia de qualquer escola e de qualquer gestão. Penso que sem grandes sobressaltos, e sem grandes histórias que mereçam a pena serem contadas, para além dos famosos telefonemas anónimos de existência de bombas. Este episódio, que durou três ou quatro semanas, começou por criar um clima de medo, angústia e insegurança em toda a escola, e transformou-se rapidamente num estado de festa para os alunos, que iam para o largo da câmara dar largas à sua alegria, cantando, batendo palmas, etc. Quando recebi o primeiro telefonema, agi de forma muito natural e, com o aspecto mais sereno do mundo, pedi, turma por turma, que saíssem ordeiramente. Das outras vezes, sempre que alguém aparecia à porta, nem sequer era preciso dizer alguma coisa, pois os alunos saíam logo em grande festa. Num belo dia o senhor António Moreira entrou pelo gabinete dentro, acompanhado pelo autor dos telefonemas anónimos, que tinha sido apanhado a telefonar para a escola de uma cabina pública existente ao pé das Finanças.

Apanhado em flagrante, confessou tudo, afirmando que telefonava porque queria ter feriados. Já não me recordo se aconteceu alguma coisa ao aluno. mas parece-me que não lhe foi aplicada nenhuma sanção.

No ano lectivo de 1982/83 pertenci também a um Conselho directivo presidido pela Teresa Beirão.

Em 1983 fui colocado na Escola Secundária de Monserrate, em Viana do Castelo, para fazer a profissionalização em exercício no biénio 1983/85. Após a profissionalização, concorri e fui colocado, na Escola Secundária de Albergaria-a-Velha, como professor efectivo, tendo pertencido ao Conselho Directivo no ano de 1986/87, em substituição do presidente que entretanto tinha sido colocado noutra escola. / 78 /

O mandato decorreu sem grandes problemas, no que respeita à gestão administrativa e pedagógica. Por isso não me lembro nada de significativo que possa contar, a não ser duas situações caricatas que são demonstrativas do modo de funcionamento do Ministério da Educação.

A primeira situação tem que ver com a existência de equipamentos laboratoriais na área da indústria agro-alimentar. A história conta-se rapidamente. Num dado dia o António Lagarto e o Luís Filipe, meus companheiros de gestão levaram-me a uma sala onde se encontrava, ainda totalmente embalado há bastante tempo (dois ou três anos) um laboratório completo com o material mais moderno, oferecido pelo Banco Mundial, para o curso agro-alimentar. Como tínhamos o curso aberto, mas nunca ninguém se tinha inscrito, pedimos superiormente se podíamos ceder o laboratório à Escola Secundária de Vale de Cambra, onde funcionava o curso sem um laboratório à altura do curso. Claro que a decisão das instâncias superiores foi negativa. Lá ficamos nós com o material e sem o curso e a outra escola com o curso e sem o material.

Não sei se ainda hoje o material continua encaixotado. A outra situação tem que ver com o curso de mecânica: a escola tinha sido contemplada com equipamento considerado do mais moderno, muitas máquinas eram computorizadas, outras faziam inveja a qualquer indústria da área da mecânica.

Porém, para além da falta de formação dos professores para lidarem com aquele tipo de material, faltavam as sapatas para instalar as máquinas e a planta de instalação, que não havia maneira de aparecerem.

Em conclusão, as máquinas a amontoarem-se na oficina como se fossem para ficar em armazém, paradas e a deteriorarem-se. Falei várias vezes com o ministério mas nunca tive quaisquer resultados positivos.

Passados alguns anos, vi uma reportagem numa das televisões acerca da problemática das oficinas de mecânica, e soube que foi a direcção da escola, cansada de esperar, que contactou os órgãos de comunicação social, pelos vistos com sucesso, porquanto o problema foi solucionado.

No final do ano lectivo de 1987/88, já de abalada da Secundária de Ílhavo, onde tinha estado naquele ano, para a Secundária n.º 1 de Aveiro, concorri para a / 79 / Comissão Instaladora do Conservatório de Música de Aveiro.

Lembro-me de alguém ter vindo falar comigo a pedir que me candidatasse ao Conservatório, pois tinha sido aberto concurso público por parte da DREC. O mais curioso é que o prazo de concurso terminava às 17 horas daquele mesmo dia, o que nem sequer deu tempo para eu me refazer do espanto, quanto mais de poder ter pensado calmamente sobre o assunto; era do tipo pegar ou largar. Claro que não tive grandes alternativas, foi pegar, preencher o formulário de candidatura e esperar para avançar para uma nova experiência.

Fui entretanto nomeado Presidente da Comissão Instaladora do Conservatório de Música de Aveiro de Calouste Gulbenkian, tendo por companheiros de viagem o Alcino Cartaxo, professor de Filosofia da Secundária de José Estêvão e o José Abreu professor de Flauta Transversal do Conservatório.

Posso dizer que entrei num mundo completamente diferente, e senti logo que tinha de me adaptar a uma nova filosofia de gestão: as práticas tinham de ser outras, novas maneiras de ver o dia a dia numa escola, horários diferentes, inclusive com aulas ao sábado à tarde, actividades ao domingo, sons, silêncios, legislação ou falta dela, etc., etc.

Praticamente não conhecia o Conservatório, tinha ouvido falar dele em 1985, quando o então Delegado da Direcção Geral de Pessoal, José Luís Malaquias, me convidou para eu presidir à Comissão Instaladora do Conservatório, porque era preciso constituir uma Comissão Instaladora, já que o Conservatório tinha passado naquele ano a escola do ensino público.

Uma escola diferente, enriquecedora, passámos a lidar com a cultura musical, com uma cultura comportamental completamente diferente, a lidar com uma profusão de actividades artísticas, mas também a não saber muitas vezes o que fazer, o que decidir, pois a legislação não existia, e aquela que era aplicável noutras escolas não era ali. Os casos muitas vezes eram decididos com base num pouco de lei, com base em muito de bom senso e com algum "cheirinho que me parece que é assim".

Na verdade, o Conservatório tinha passado de particular a oficial e de Escola do tipo superior para uma escola do tipo secundária, o que naturalmente trazia / 80 / problemas, muito, muito complicados.

Em primeiro lugar, o Conservatório de Música passou a ensino oficial, mas a legislação praticamente era a que vinha do ensino privado, ou era recente e contemplava poucos casos, ou nem sequer existia.

Assim, a gestão era feita na base da resolução caso a caso, da consulta a várias entidades, que superintendiam na gestão do Conservatório, o GETAP, a DREC, a DGAE, Tc, que viviam às vezes de costas voltadas, com domínios de competência pouco definidos, com grandes possibilidades de invasão de competências, não raras vezes com um lavar de mãos, um empurrar para os outros, quando o problema era difícil, um agarrar o problema quando ele era fácil, ou seja a maior confusão e nós para ali a querer gerir e a não ser deixado. Face a isto, decidíamos nós, muitas vezes, sem nada perguntar.

Do tempo que passei pelo Conservatório tenho muitas histórias para contar, mas vou só cingir-me a duas situações vividas, uma no primeiro mandato (1988/1990) e outra no segundo (1994/96) e que de alguma forma me marcaram.

Estava eu um dia no Conselho Directivo, quando apareceu o professor Fernando Valente a dizer que tinha conhecido os elementos do Quarteto de Saxofones de Amesterdão, que o quarteto era de grande categoria e que se o Conservatório estivesse interessado ele poderia vir actuar a Aveiro, na altura do Verão.

A partir do momento em que o Fernando Valente falou nessa possibilidade, ela não mais parou, ele e nós também não e, cá os tivemos em Aveiro, com algumas actuações encomendadas, mas que não davam para as encomendas, ou seja, tínhamos um encargo da ordem dos mil e tal contos e receitas certas da ordem dos seiscentos, setecentos contos. As actuações que inicialmente eram para Aveiro, Porto e Coimbra e Viseu, passaram também por Águeda, Estarreja, Santa Maria da Feira e Arganil. Lá andámos nós de um lado para o outro a ver se conseguíamos arranjar dinheiro. Na altura de partirem ainda lhe estávamos a dever cem contos, que tive de pagar do meu bolso, à espera que a Câmara de Aveiro pagasse o prometido, que finalmente chegou. A segunda situação teve que ver com a luta de todos os Conservatórios no sentido da criação dos quadros de professores que de há muito prometidos tinham dificuldades em nascer. Foi uma luta árdua, difícil, / 81 / mas interessante, porque os interesses em jogo eram muitos e as diferenças de pensamento eram significativas, o que obrigou à existência de muitas reuniões para limar as arestas, acertar estratégias e elaborar documentos. Podemos dizer que o Conservatório de Aveiro esteve sempre na primeira linha, nunca abandonou a luta e, por isso, conseguiram-se os quadros.

Nesta vida da gestão, abalançamo-nos a grandes empresas, algumas vezes quase de olhos fechados, com um espírito de inovação, de aventura, com muita dose de amadorismo, mas quase sempre de alma aberta.