Acesso à hierarquia superior

4ª Série - Número 3 - Dezembro de 2000 - pp. 81-84

António Augusto Neto Mendes 

Eu chamo-me António Augusto Neto Mendes e fui membro do CD da Escola Secundária N.º 2, agora Secundária Homem Cristo. Isto em 1985/86 se as datas não me atraiçoam. Tenho este currículo de gestão. Considero que algumas das pessoas que passaram por aqui são autênticos dinossauros da gestão em Aveiro, que marcam este período do pós 25 de Abril para o melhor e para o pior. Enfim, cada um avaliará. Mas é certo que marcam este período da gestão escolar sobretudo na cidade de Aveiro. Eu estive na gestão ainda no início da carreira, com poucos anos de docência. A primeira experiência, a primeira e única aliás no ensino secundário, numa altura em que o país conhecia grandes mudanças. Estávamos a preparar a entrada na CEE. A situação dos professores em Portugal era uma situação muito peculiar. Na altura, eu fazia parte desse grupo de cerca de 50% dos professores do ensino secundário, que na altura abarcava o actual 3.º ciclo, não profissionalizados e era o único elemento não profissionalizado entre os 5 do CD.

A minha experiência de gestão foi interrompida com a minha candidatura a estágio, penso que na altura já se chamava profissionalização em serviço (herdeira da profissionalização em exercício). Fiz as malas e fui até Óbidos fazer o 1.º ano de / 82 / estágio frequentando a Escola Superior de Educação de Leiria. Começou aí uma outra página da minha vida profissional com implicações que me levariam mais tarde a abandonar o ensino secundário.

O período de trabalho na gestão foi relativamente curto – um ano e pouco – porque eu entrei para o CD para substituir um colega que entretanto saíra. Digamos que o meu nome não foi sufragado na lista. Era um clandestino, mas mesmo assim foi uma experiência extremamente rica e a ela devo uma boa parte do conhecimento da cidade, um conhecimento mais sustentado que até aí não possuía já que não sou natural da cidade. Vivia na cidade há cerca de quatro anos e é a partir daí que consolido o conhecimento das gentes de Aveiro, uma vez que os alunos e professores vinham de todos os cantos do concelho. As minhas funções de secretário do CD tinham a ver, para além dos aspectos burocráticos que estão inerentes ao cargo a relação com o SASE, com muitos aspectos sociais. Na altura o SASE tinha dois funcionários. Parecendo tão poucos, davam bastante que fazer. Era uma gestão bastante complicada com situações de quase desmaio, pessoas a caírem-me nos braços, etc. Essa experiência foi vivida num período muito difícil com um corpo docente com uma grande mobilidade. Havia muita gente que vinha do Porto, que estava de passagem na escola. Agora não tenho os números desse período como é evidente mas tenho essa noção. Todos os anos havia uma grande renovação do corpo docente com os aspectos positivos que isso tem, mas também com um grande desgaste, sobretudo em termos de organização e naquilo que retira a capacidade de planeamento à gestão da escola. Esta situação agravava as condições em que nós trabalhávamos ainda que fôssemos uma escola privilegiada no contexto das escolas portuguesas como escola central numa cidade de média dimensão. Apesar dos problemas que aquela escola tem em instalações que foram sendo renovadas com equipamento, ia funcionando apesar de todas as limitações. Lembro-me que nessa altura ainda estávamos no período de pré-informatização da escola. Não havia os computadores ainda. Mas era uma utopia com que as escolas já sonhavam, longe de ser uma realidade. A secundária ia funcionando nos velhos moldes com tudo a ser feito à mão, stencil, máquina de escrever indispensável. Retenho desse período uma vivência muito rica com os estudantes nomeadamente / 83 / com a Associação Académica que não deixava de ser uma relação muito conflitual. Tratava-se de uma associação académica com uma vontade de intervenção muito acentuada, uma vontade de intervenção, que por vezes entrava em conflitos sérios com a gestão. Isso levava o CD a ter que chegar por vezes a medidas drásticas com ameaça de encerramento da sala da Associação, que se chegava a concretizar. Por sua vez, os alunos movimentavam-se e ameaçaram fazer uma greve, que chegou a vias de facto numa altura em que eu estava sozinho no CD. Não sei se foi de propósito por eu ser novo e inexperiente ou se calhou. Tive de me defrontar com o Presidente da Associação académica, o qual enfim muito sensatamente consegui sequestrar durante a tarde inteira em conversações na sala do CD, adiando desse modo a greve. Fiz valer a minha boa relação com ele e estivemos uma tarde inteira em conversações. Essa é uma das imagens mais saborosas que eu guardo e ainda hoje, quando estou com ele, nos divertimos a comentar essa situação. São estes 24 ou 23 anos, ou se contarmos desde 1974 são 25 anos, contados a partir do momento em que, digamos, a situação se normalizou (normalizou enfim é uma expressão que já faz parte da literatura), que como dizia o Arsélio na intervenção que fez, em que os professores garantiram o funcionamento das escolas em condições muito difíceis. Eu não tenho uma visão nem de endeusamento da acção dos professores nem vendo nela apenas defeitos. Acho que há aspectos extremamente válidos e que os professores devem saber aproveitar, explorar e rentabilizar para enfrentar os desafios de hoje. Estou a falar como alguém que já não está no ensino secundário e que já não vai ter essa responsabilidade, mas acho que há muitas ilações a retirar deste longo período marcado pelo crescimento quantitativo do sistema. Estamos de facto num outro momento, que não sei se vai ser melhor, se vai ser pior, nem faço juízos de intenção em relação a isso. De qualquer forma penso que aquilo que foi feito foi o possível nas condições de quase total abandono por parte do estado dos funcionários com responsabilidades na gestão. Eu devo dizer que, por acaso, fui contemplado com uma acção de formação. Quando era secretário estive, quase uma semana à custa do erário público em Lisboa, a fazer formação na área do SASE. Penso que era uma acção criada propositadamente para secretários dos CDs. Mas penso que isso foi de facto uma / 84 / excepção na atitude tradicional do estado em relação aos CDs. A atitude do estado foi sempre uma atitude de grande laxismo, quer em relação à formação, quer em relação à profissionalização, como é sabido. Em 1986, com a nossa entrada na CEE, fomos obrigados a fazer em poucos anos aquilo que deveria ter sido feito ao longo de décadas em processos de profissionalização acelerada que eu próprio experimentei e de que ainda há resquícios. Pronto, é isto o essencial do que eu queria dizer.