RECUPERAÇÃO DE
TOXICODEPENDENTES
- uma instituição, um
caso -
Visitámos uma das instituições
que, em Portugal, apresenta como objectivo geral a cura do
toxicodependente e a reinserção do mesmo no seu meio social, familiar e
profissional. Trata-se do projecto "Convívios Fraternos – Reconstruir II",
uma instituição situada em Avanca, que encara e recuperação como um
processo prolongado que passa por três fases distintas. Com três anos de
existência, conta com a colaboração do seu director, Padre Valente, e da
psicóloga, ora Fátima Couto.
O toxicodependente começa por
tentar a desintoxicação física e psicológica, após a "ressaca"; para
isso, tem uma ocupação permanente, reuniões de confrontação, de grupo,
de operosidade e ainda a prática de desporto; deve modificar e cultivar
o seu carácter, o seu modo de estar na vida e na sociedade;
posteriormente, tenta-se ajudar o residente a normalizar a sua vida
familiar, profissional, religiosa e social.
Numa segunda fase, de internamento
com reinserção sócio-profissional controlada, tenta-se proteger o
toxicodependente para que não se torne a desmoronar; terá novos
monitores e contará com a colaboração da comunidade e de algumas
entidades patronais (fábricas, oficinas, comércio e outros sectores
profissionais), respeitando, sempre que possível, a sua opção
profissional.
A terceira fase tem como objectivo
inserir, apoiando e co-responsabilizando o residente em situações
normais de vivência em sociedade.
«Já passaram por aqui
cerca de 240 pessoas.»
A Dr.ª Fátima Couto explicou que,
para qualquer toxicodependente entrar nesta comunidade, será necessário
que este preencha um inquérito, que é uma preparação para uma
entrevista, realizada por um elemento da equipa técnica.
Depois da entrevista ser feita,
caso o toxicodependente aceite as condições, custos e métodos
terapêuticos impostos na comunidade, escreve uma carta em que resume a
sua vida e onde pede a sua admissão.
Os toxicodependentes admitidos
nesta casa, não têm limite de idade. Neste momento, o toxicodependente
mais novo tem 20 anos, e o mais velho tem 34 anos.
Depois de serem admitidos na casa
de recuperação, têm algumas tarefas a realizar. Os toxicodependentes,
normalmente, levantam-se pelas 8 horas, tomam o pequeno-almoço e, logo
após as limpezas da casa, têm uma terapia de confrontação. Nesta
terapia, são confrontados com o que fizeram no dia anterior e
eventualmente penalizados (não beber café, não fumar, não ver
televisão).
Após um intervalo, terão uma
terapia de grupo, onde estarão com a psicóloga e o Padre Valente. «Nesta
terapia, fazemos psicodrama, filmes terapêuticas, damos informações
sobre sida, aborto e outros temas diversos.»
Depois têm o almoço pelas 13
horas, um intervalo e, pelas 15 horas, começará então a terapia de
operosidade, trabalhando na área envolvente da casa. Pelas 17h:30m, uns
lancham, enquanto outros praticam desporto. «Temos espaço para o
basquetebol, voleibol, o futebol e temos uma piscina, que eles mesmos
construíram.» Após o banho, têm de novo intervalo, que aproveitam para
ler e ver televisão.
Logo após o jantar, é a reunião de
sub-comunidade, onde são divididos em três grupos e se reúnem ou fazem
trabalhos sob a orientação de um colega mais antigo, que organiza as
reuniões com os toxicodependentes separadamente, em que eles falam das
suas vidas. «Tudo o que for dito, terá que ser mantido em segredo.»
Depois têm tempo para ver televisão, pois o recolher obrigatório é pelas
23 horas.
Quando passam para a segunda fase,
vão então trabalhar. Na comunidade, arranjam-lhes trabalho dentro
daquilo que saibam fazer. Muitos vão continuar enquanto outros, vão
ainda aprender.
As recuperações demoram um ano,
mas depende da pessoa em questão. «Acontece muitas vezes não acabarem o
caminho de um ano, saem e têm recaídas, assim, ao voltarem, voltam para
o princípio.»
Quando o toxicodependente vai
embora, a casa continua sempre a ter notícias deste, até porque ele pode
continuar a ter análises e terapias individuais sempre que queira.
A voz de uma testemunha
O Z. C. tem 26 anos e está nesta
casa de recuperação há três meses e meio.
Começou por fumar haxixe, ervas e
só depois foram as drogas pesadas. Tinha apenas 15 anos quando começou,
pela influência dos amigos que fumavam, pelo prazer de se sentir homem,
pela curiosidade: «ao princípio era uma "curte", era porreiro demais
fumar uns charros e beber uns copos.»
Ao princípio Z. C. não sabia o que
eram as drogas, o que representavam para ele e não as achava nenhum
bicho de sete cabeças como são para ele agora. «Ao princípio, era tudo
muito bonito mesmo.»
Depois passou para as drogas
pesadas e começou a sofrer muito mais. Teve que arranjar dinheiro para a
droga, apesar desta já não ser encarada por ele da mesma forma que era
ao princípio, pois já não lhe dava prazer. Já era o corpo que pedia e
deixou de ser uma coisa boa. As drogas pesadas foram a sua destruição.
«Tive que roubar para conseguir dinheiro para a droga.»
Durante quatro anos, Z. C.
conseguiu enganar a família. «Sempre consegui abafar o drama que estava
a viver na altura.» Quando realmente se aperceberam, tinham um filho
drogado e não estavam suficientemente informados sobre o que era
realmente a droga; foi a pior coisa que lhes poderia ter acontecido.
A partir desse dia, sempre o
tentaram ajudar a desistir da droga, mas ele foi deixando sempre para o
dia seguinte. Os pais de Z. C. acabaram por o abandonar. «Nesta altura
não tinha nenhuma mão amiga, os únicos amigos que eu tinha eram aqueles
que me davam droga, se não me dessem droga já não os considerava
amigos.»
Agora está na casa de recuperação
há três meses por sua própria iniciativa, mas já esteve em recuperação
mais vezes só que não conseguiu.
Z. C. diz que, desta vez, sente-se
com força para sair da droga, até porque a sua recuperação está a correr
bem. Nesta casa, ao contrário do que acontecia anteriormente, Z. C.
dorme de noite, vive e faz aquilo que o mandam fazer, de dia.
«Para mim, não foi difícil
adaptar-me a isto, apesar que, durante os primeiros dias, não se conhece
ninguém e toma-se um pouco difícil, mas no fundo até foi fácil para
mim.»
A família dele, sabendo que ele
está agora longe da droga, aceita-o bastante bem e gasta com ele aquilo
que for necessário.
Z. C. afirma que perdeu bastantes
coisas na vida, mas que a família nunca a perdeu em momento algum. «A
pouco e pouco, terei que ganhar a confiança deles, coisa que já não
tinha.»
Enquanto ele estava em casa, os
pais fechavam e trancavam-lhe tudo, com medo que ele levasse alguma
coisa. «Como nós nos cansamos de viver esta vida, eles também!»
Ana Carrola, Cana Valente e Daniel
Simões
(imagens retiradas do folheto
informativo da instituição) |