Acesso à hierarquia superior.

Secundária José Estêvão

Cintura de Lírios, Duarte Morgado, 1997/98

DEPOIMENTOS DOS ALUNOS – ANO LECTIVO 1997/1998

Turma 11.º L
 

ANA CAROLINA COSTA – 17 ANOS

Quando me matriculei na disciplina de OED não sabia para o que ia, uma experiência, na tentativa de aprender e descobrir algo novo, e assim foi. Estas aulas contribuíram muito para uma aproximação geral da turma, para um conhecimento mais profundo de cada um, bem como a relação entre nós. Fui notando, ao longo de dois períodos, uma evolução constante ao nível pessoal e ao nível eu/turma. Foram-se superando determinados obstáculos, algumas vergonhas das quais agora me rio ao lembrá-las, e foi também devido às aulas de OED que se foi gerando uma certa cumplicidade jamais vista na turma. Tornámo-nos todos muito mais unidos, o que facilita a relação entre amigos e a / 24 / relação entre aluno e professor. Esta última, a meu ver, com uma certa importância, visto que na sala somos tratados de igual para igual, não há diferenças nem preferências e somos postos em descontracção como não estamos em mais nenhuma aula. Não vale a pena tentar arranjar uma resposta para saber o que levou a este tratamento, a esta relação... pois é sabido que o mérito é todo do professor, que nos soube "levar" e dar a volta, de modo a respeitá-lo e ao mesmo tempo a sermos respeitados. Tornei-me muito mais tolerante em relação aos meus amigos, mais madura em determinadas atitudes a enfrentar dentro ou fora da escola... Directa ou indirectamente, esta disciplina contribuiu para isso. Foi também OED que contribuiu para isso e para uma auto-caracterização sincera, ou seja, passou a haver uma aceitação e confirmação dos defeitos de cada um e uma aprovação das qualidades, o que mais uma vez veio a comprovar o respeito que se criou à nossa volta, o respeito pelas diferenças e a maneira de ser de cada um. Se recuar um bocado no tempo, lembro-me de termos sido postos à prova em relação à nossa capacidade de entrega e rigor perante determinados trabalhos a efectuar. E lembro-me também, o quanto foi difícil no início, este mesmo envolvimento, esta mesma entrega e concentração. Achávamos os exercícios estranhos, alguns até mesmo ridículos, e a nossa capacidade de concentração era pouco ou nenhuma... mas isso mudou, nós mudámos, eu mudei, estou mais atenta, mais responsável e sinto-me cada vez mais capacitada para fazer algum trabalho com público, haver a tal entrega de corpo e alma. Houve, sem sombra de dúvidas, algumas mudanças bem notórias, quanto à minha maneira de actuar e estar, em determinadas situações.

 

ANA CAROLINA SEQUEIRA – 17 ANOS

Penso que, se fizermos um balanço do trabalho realizado desde o princípio do ano lectivo, encontramos um saldo bastante positivo como resultado de todo este percurso. Nesta disciplina exercitamos a criatividade e o trabalho realizado é da nossa autoria. Isso faz-nos gostar tanto dele. Temos o tempo que for necessário para o fazermos, usando os nossos critérios e gostos, libertando a nossa imaginação, que fora encarcerada durante muito tempo. Por outro lado, a simplicidade nas soluções é algo que vamos recuperando: somos uma corda na qual foram feitos nós e que agora vamos desatando. Apesar de pertencer a esta turma desde o ano passado, sinto que só este ano estou realmente integrada e devo isso, em parte, a OED. Concordo que tenho um "génio difícil", mas também tenha qualidades como toda a gente e foi em OED que surgiu a oportunidade para que me conhecessem melhor e começassem a aceitar-me como sou. Considero-me uma pessoa empenhada e interessada pelo trabalho, mas desta vez foi-me pedida uma entrega diferente – não era suficiente a razão, eram também as emoções. No princípio custou-me bastante. Estive fechada tempo demais para o mundo. Houve uma altura em que deixei de resistir e entreguei-me sem dar por isso. Sinto-me mais confiante para desfolhar o grande livro da vida e aniquilei fantasmas do passado. Fui e continuo a ser uma pessoa bastante prática que se agarra ao real e concreto, afastando subjectivismos. No entanto, foi-me exigido ultrapassar este limite e conceber trabalhos como os que efectuámos até agora. Tenho / 25 / dois grandes defeitos que me impedem de progredir: – a falta de autonomia e o perfeccionismo. Ambos parecem ocultar-se quando tenho alguém que me oriente como o professor Duarte. Em algumas situações surgiu o imprevisto com o qual tive que aprender a lidar e, melhor que isso, aproveitar para enriquecer o trabalho. É uma capacidade que não estava desenvolvida, porque gosto de planear tudo. Para conseguir todos estes processos houve alguém que nos mostrou o "cor de rosa" do céu. Passados alguns meses, é para nós, mais do que um simples professor – um amigo em quem confiamos e que nos conhece um a um, com as nossas qualidades e defeitos, e a quem aprendemos a respeitar. A sua perspicácia é espantosa – possui um "raio X” que lhe permite ver o que sentimos, mesmo quando nem sequer nos apercebemos. Confrontei-me com uma nova forma de criação artística – o Teatro. Sempre tive bom relacionamento com a minha família e isso é a base do meu equilíbrio emocional; mas onde senti mais evolução foi na escola. Não nego que tenha mudado, mas não tanto como se pensa. A grande diferença está na revelação do que tinha dentro e que não estava a descoberto; quem gosta do que não conhece? A esse nível devo muito a OED, porque me forneceu as circunstâncias, tempo e descontracção necessárias para que pudesse ser "eu” em corpo e alma. Esta abertura ao mundo fez-me gostar da escola por saber que vou encontrar amigos, não colegas. Fechei durante muito tempo portadas. Ninguém podia ver o que lá se passava, mas o que eu desconhecia é que isso me impedia também de espreitar cá para fora. Agora deixo as portadas abertas e acordo todos os dias com o sol da manhã.

 

ANA SOFIA CARVALHO – 18 ANOS

Tudo começou com as matrículas para o ano lectivo 1997/98. Eu e mais umas alunas estávamos indecisas em relação às técnicas. Tínhamos de escolher entre três disciplinas: .º bloco de OED ou 2.º bloco de Informática e 1.º de Técnicas de Tradução. O nosso pessoal ia todo para OED, e aí nós escolhemos também a tal disciplina de seis horas semanais e que se não gostássemos teríamos de aguentar até ao fim do ano. A verdade é que nos deparámos com algo nunca antes por mim sonhado. Tínhamos como professor um homem, que eu pelo menos, nunca tinha visto mas que nos cativou logo na primeira aula, isto pela maneira que se colocou ao nosso lado e nunca à nossa frente, pela igualdade e porque nos deu uma liberdade de expressar aquilo que sentíamos e sabíamos. De um momento para o outro eu comecei a ver aquela sala como o cantinho onde o grupo se junta, e que agora, se esquece do que vai lá fora e se entrega aos outros sem medos e sem tabus. Ao princípio era algo estranho, mal nos conhecíamos interiormente. De uma forma louca, de que ninguém se apercebeu, fomo-nos tornando num grupo sólido e forte como somos hoje. Sem o sabermos directamente, fomos sendo mais autónomos e mais verdadeiros possível ao fazer com que os outros acreditassem no nosso trabalho. Ensinou-nos a escutar e a ver, a entrega a um trabalho com rigor, o que é o espírito de inter-ajuda, a improvisar, a analisar e a criticar o nosso trabalho e o trabalho do vizinho. Esta disciplina ajudou-nos a amadurecer, a lutar pelo que queremos, que temos força interior para fazer seja o que for. Ser autónomo é ser independente, é sermos capazes de agir sozinhos sem pedir auxílios ou explicações, é termos a capacidade de resolvermos os nossos problemas e dúvidas, / 26 / sermos capazes de o fazer sem ferirmos o nosso mundo e o mundo alheio, é aceitar as diferenças sem tabus e enfrentarmos o novo sem receio. Aliado à autonomia está a responsabilidade, sentimento forte que nos exige o melhor de nós próprios, é o dever e a força, é aquilo que vem de dentro de nós e que não nos dá a hipótese de pensarmos que não somos capazes de efectuar um trabalho qualquer. Tudo isto se reflectiu na relação com todos. Nós amadurecemos dentro de quatro paredes e aprendemos a transpor tudo cá para fora, para um mundo de cada um.

 

ANDREA DUARTE 17 ANOS

Sargeant Pepper's Lonely Hearts Club Band

Uma oficina é um local de experiências, de aprendizagem e de criação, um local onde se busca no interior de cada um o material a ser explorado. A expressão dramática é uma forma de declarar algo, ou talvez o abrir de uma gaiola interior que origina... um voo que deve influenciar quem o vê. Este desmembramento de definição foi a melhor maneira que encontrei para descrever a disciplina, não crendo que exista uma explicação tão simples. Pensando na influência de OED, sei que existe uma mudança em quem sou e como me vejo mas não é claro.

Woke up, fellout of bed,

dragged a comb across my head

found my way upstairs and had a smoke

somebody spoke and I went into a dream.

("A day in the life" – Beatles)

Foi um aprofundamento do conhecimento de quem sou que me fez interrogar quanto a capacidades. O empenhamento, entrega e rigor, derivam da concentração que dedico ao que faço e estão relacionadas com o "escape". OED oferece uma saída de energia de uma forma diferente distanciando-se de qualquer outra disciplina escolar – é como uma possibilidade de libertação. A criação de projectos, nunca sem orientação, desenvolveram a imaginação e a crítica nos trabalhos que se constroem para os outros verem ou nos que vejo. Desenvolvi a desinibição na expressão verbal e corporal facilitando-me o "modo" invulgar de mostrar uma mensagem e segurança para o aplicar. A sensibilidade na comunicação foi uma mudança visível fora das aulas de OED, porque comecei a ponderar mais na minha comunicação. OED não modificou quem eu sou, mas ajudou-me a ter uma ideia mais precisa de quem eu sou.

What would think if I sang out of tune

would you stand up and walk out on me

lend me your ears and I'lI try not to sing you a song

and I'lI try not to sing out of Key

I get by with a little help from my friends.

("A little help from my friends" – Beatles) / 27 /

Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais que outros.

( "O Triunfo dos Porcos" – George 0rweIl)

It’s these little things

they can pull you under

live your life

filled with joy and wonder

sweetness foIIows.

 "Sweetness FoIIows" – Rem )

We couIdn't all be cowboys

so some of us are clowns

and some of us are dancers on the midway

we roam from town to town.

("Goodnight Elisabeth" – Couting Crows)

Todos estes excertos descrevem um aspecto ou outro da minha relação com os outros.

Acho que OED me levou a maior desinibição e abertura, o que originou uma melhor compreensão das várias partes, com mais paixão na descoberta dos outros.

Everybody knows there's nothing doing

everything's cIosed it’s Iike a ruin

everyone you see is haIf asIeep...

("Good morning, good morning” – Beatles)

When I think back on all the crap

I learned in highschooI

it's a wonder I can think at all

("Kodachrome" – Simon and GarfunkeI)

OED surge como incentivo e um corte com a monotonia. A influência desta disciplina reflecte-se na maneira tão diferente como me relaciono com a escola. Esta deixa de ser sempre a mesma coisa e torna-se algo onde há mudança. As disciplinas restantes parecem mais agradáveis simplesmente porque tenho mais paciência para elas.

We were taIking

about the space between us all

and the peopIe

who hide themseIves behind a wall of illusion

Never glimpse the truth.

then it's far too Iate

("Within you, without you" – Beatles)

Julgo que estou mais atenta a tudo o que me envolve porque me sinto mais envolvida.

She (we gave her most of our lives) / 28 /

is leaving (sacrificed most of our lives)

home (we gave her everything money coud buy)

(...) for so many years

("She's leaving home" Beatles)

Devo referir, de novo, que encontro mais sensibilidade na minha comunicação. É preciso pensar antes de falar e agir...

 

ANDREIA VENTURA NEVES – 17 ANOS

Perguntaram-me muitas vezes sobre que tratava a disciplina OED. A princípio respondia que era uma disciplina totalmente diferente das outras, não tínhamos livro, não havia quadro nem giz, em vez de estudar tínhamos que pensar e para corroborar estas horas de "alívio" tínhamos uma maneira de estar na sala de aula que fazia desaparecer aquele ar de "hierarquização professor/aluno", ao qual começámos a tratar por "tu". Quiseram saber o que fazíamos nestas "ditas aulas". Eu disse que em primeiro iniciámos um processo de melhorar o nosso auto-conhecimento, e uma progressiva aproximação com o resto dos elementos do grupo. Muitas das vezes explicava minuciosamente cada actividade por nós exercida. Na minha opinião, não foi imediatamente que percebemos o porquê de tantos "jogos". Primeiro, temos que formar um grupo no verdadeiro sentido da palavra e com todas as implicações do respeito à ajuda mútua. Desenvolve-se a personalidade melhorando as qualidades de cada um como autonomia, responsabilidade, etc. ... Daí o nosso fiel empenhamento em cada actividade realizada. A turma só funciona bem quando visa objectivos comuns, mas separa-se muito no convívio exterior. Devo ter ficado mais observadora, porque os meus amigos começaram a perguntar-me sobre o que se estava a passar por ser mais analítica e crítica. "Dubélo", aquilo resulta.

 

ANDREIA LOURENÇO – 17 ANOS

A escrita pode servir para exorcizar a alma dos demónios. Quem sou eu? Alguém que sente, sinto tudo o que me rodeia e quero mais, viver mais liberdade. Anseio por exorcizar a alma dos demónios. Os pássaros pretos voam à minha volta, mas eu não os deixo aproximarem-se. Quero destruí-los. São como ébano, um preto macio de seda que seduz. Vou ser eu a seduzir os pássaros pretos. A lua, os amigos, as estrelas, a praia no inverno, o mar, o Egipto, as dunas, o azul, a paixão, os limos... Eu acredito no impossível, afastar para sempre o demónio dos olhos vazios, indiferentes. Quero ver as almas. Viver cada segundo como se fosse o último. Quero sentir-me completa. Os pássaros pretos estão outra vez perto de mim. Desta única vez não os vou afastar. Eles vão tocar-me com o ébano que arde, com o fogo macio eu vou partir com eles. Para sempre entregue ao sonho, um ser irreal/intemporal. Os pássaros pretos são anjos terrivelmente belos. Vou / 29 / voar por cima do demónio da indiferença e frieza. Ao olhar para baixo vejo um precipício, um vazio de pensamentos e de sentimentos. Os seus olhos são transparentes e as almas belas e ricas. Deixei para sempre a normalidade e a sanidade. Sou livre. Não deixo que o exterior mude aquilo que eu sou, mas deixo-o sufocar-me para poder sentir e saber como são. OED foi como um telescópio que me permitiu ver melhor algumas estrelas que já estavam dentro de mim e que ainda não tinham importância. Nasceu mais paixão. OED permitiu ser um dos pássaros pretos que me levou a voar por cima de tudo o que podia fazer-me perder a coragem e o amor por mim e pelos outros, com mais vontade, mais desinibição e mais compreensão. Eu posso não deixar que mudem o meu ser, mas não recuso um aprofundamento. OED, ao cortar com a monotonia num sistema quase estático, resulta num incentivo e numa maior paciência para estudar. Existe uma maior entrega, existem pássaros preto por todo o lado, pontes que permitem atravessar para alturas mais elevadas e profundas. À minha lista de mar, amigos, Egipto, posso agora acrescentar o teatro e o criar pessoas novas.

 

BRUNO SARAIVA – 17 ANOS

Dizer o que se pensa acerca deste assunto é sempre difícil começar. Talvez porque fica sempre algo por dizer, por esquecimento ou por gentileza. Penso, sempre que escrevo algo que será lido por e para outras pessoas, em não magoar os sentimentos de quem gosto ou que finjo gostar, mas que na verdade me irritam bastante; e só o esforço para não deixar transparecer o verdadeiro "eu" deixa-me exausto e zangado comigo próprio por não ser verdadeiro; mas se assim fosse deixaria de ser humano... O que importa agora é fazer a análise entre o "antes" e o "depois" de OED, e não dizer que gosto de a, b ou c. Não é isso que importa e ainda estou para perceber porque é que escrevi o que se pode ler no primeiro parágrafo, e isto após umas poucas leituras. Bem, vá-se lá perceber a mente humana e os seus mistérios. Mas agrada-me o que escrevi... soa-me muito a mim próprio, e isso faz-me bem ao Ego. Continuemos. O "antes" de OED é um bocado difícil de esclarecer. Talvez graças à minha auto-estima, não consigo por mais que tente, visualizar-me nesse período da minha vida. Mas posso tentar: um rapaz aparentemente normal, sem grandes problemas pessoais ou familiares, com bastante saúde e energia, algo vazio interiormente, não tinha grande conhecimento dos supostos amigos e colegas que o rodeavam. Não gosto de falar no "antes", soa-me a algo sombrio, frio e sem interesse. Prefiro muito mais falar no "agora", no "depois". Isso sim, é agradável. Nesse ponto tenho mais por onde pegar: as amizades que se aprofundam, o avançar de uma relação com os outros, comigo, contigo e com o teatro. Por ora vou deixar este assunto e reflectir noutro que tem mais urgência: a minha relação comigo mesmo. Vou começar pelo inevitável aspecto físico. Eu, à semelhança de todos os seres humanos, acho que me falta muito para ser perfeito. Ou é porque gostava de ser mais alto e um pouco mais bem constituído, ou é porque gostava de ser mais belo do que sou. Enfim, todos temos esses desejos que nos fazem ser "fora de / 30 / série". Ou é porque ambicionava ser um grande atleta, um grande génio ou até mesmo um actor famoso, o que faria de mim uma "vedeta" internacional e assim ser cobiçado por muita gente que, entre suspiros e desvarios, desejariam ser como o hipotético "eu". Mas não, já me conformei que eu sou como sou e terei de viver, quer queira quer não, assim até ao resto da minha vida. Mas o que será que faz as pessoas serem especiais e assim diferenciarem-se umas das outras? Geralmente, costuma ser o seu corpo e a forma como o exibem ou tiram partido do mesmo. Não me venham com aquelas tretas de "o que importa é o espírito e não o corpo", porque esse monte de desculpas já não enche ouvido a ninguém. É dado assente – o que conta mais é o aspecto físico. Não nego que possa existir também uma atracção pelo aspecto mental, mas nos dias que correm, as pessoas baseiam-se mais no físico que no psíquico. Para ser franco, para mim contam os dois, só que tenho a tendência natural e humana para inclinar-me mais para a beleza exterior. Não tenho complexos em particular com o meu corpo, mas imagino como seria ter outro aspecto exterior... Desde que me lembro de ser alguém, penso que sempre me dei bem comigo próprio, e só raramente é que atrofio comigo mesmo. Tenho a consciência que sou especial, assim como todos os que partilham a experiência teatral comigo. Isto parece um pouco narcisista, mas, como diz o reclame, se eu não gostar de mim, quem gostará? Falar do aspecto interior é algo difícil, pois não o consigo ver nem descrever, apenas o sinto e esse sentir interior torna-se confuso assim que procuro palavras para o materializar. Normalmente, defino-me como um tipo divertido e que raramente vai abaixo, mas quando isso acontece fico mesmo mal, isto é, fico bastante perturbado; por vezes sou duro para as pessoas, mas isso acontece por ordem do subconsciente, não por vontade minha, já que eu detesto ofender e chatear as pessoas. Por vezes entro em conflito interior com coisas sérias, ou seja, devo fazer ou não devo fazer determinadas coisas, mas isso acontece com todo o indivíduo racional. Em certos aspectos, quer físicos quer intelectuais, OED abriu-me os olhos. Ensinou-me a olhar com olhos de ver para mim próprio. Graças à referida disciplina conheço melhor o meu corpo e sinto-me melhor interiormente. Acho que as técnicas utilizadas na aula, à primeira vista, pareceram-me um pouco inúteis, mas com o passar do tempo e do trabalho, apercebi-me que fizeram bem a nível individual e colectivo. Gosto de dizer que os amigos são tudo na vida, e a relação com os colegas de OED não é muito forte, mas em comparação com o ano passado tenho muito a agradecer a OED, pois deu-me a hipótese de conhecer mais profundamente companheiras e um companheiro que anteriormente desconhecia; deu-me a possibilidade de conhecer os seus gostos, os seus medos, e permitiu-me ter confiança neles e vice-versa. Neste aspecto, tornei-me mais aberto aos outros, mais extrovertido e com mais tacto na relação com as outras pessoas. OED serve para muito mais que espreitar uns rabos e umas mamas das colegas; serve para fomentar o meu relacionamento com o sexo oposto derrubando alguns tabus e dúvidas acerca da sexualidade feminina através das conversas que tive com algumas colegas na aula. Contudo, tenho a sensação que começo a perder algum poder de conversação. Não estou a falar de isolamento, mas parece que está tudo a fugir ao meu controle. Parece que estou mais recolhido no meu pequeno mundo e não tenho o poder de o evitar. Por mais que tente e que lute, os amigos e os que eu gosto afastam-se de mim. Sinceramente não sei se o que digo é verdade, podem ser paranóias ou talvez não... Costuma-se dizer que, para um estudante, a escola é a segunda casa. Depende do ponto de vista do que consideramos / 31 / "casa". Se por um lado a escola é um lugar privilegiado para o fomento das relações entre os indivíduos e o conhecimento, pode também ser um sítio onde se podem "perder". É na escola onde se recebe parte da formação pessoal e moral. É um espaço de ensino, não só com as aulas, mas também com os colegas e com o resto do universo que compõe a constelação escolar. Gosto de estudar, sempre é melhor que trabalhar (de longe), mas eu encaro a escola como uma profissão a sério. O meio em que existimos é algo complexo. Não que seja difícil viver nele, mas existe algo nele ou por ele provocado que impede que atinjamos o grau de civilização desejado, ou a tal felicidade e estabilidade para as suas vidas. Sem excepção, somos todos filhos ou frutos da sociedade em que vivemos. Isto pode parecer um pouco filosófico, mas é a verdade. Quer se resista ou se entregue, a pessoa é influenciada pelo grupo de pessoas com quem vive, procria e morre. E como eu não sou diferente das outras pessoas neste aspecto, limito-me a fazer a minha pacata existência, subjugado por essa elite de indivíduos que teimam em dizer-me o que tenho de fazer. Mas não praguejo à sociedade que me cria e que me dá consistência: apenas faço o que parece bem aos olhos deles e sou outro a amaldiçoar, e o primeiro a estar disposto a mudar a ordem natural das coisas. Parece que sou um revoltado social, mas aparentemente vivo feliz com o estado das coisas na ânsia de rastejar para debaixo das saias da sociedade e bajular mais um elemento da elite para uma oportunidade de me redimir. Estou farto disso. Quero abandonar tudo o que tenho e aqueles de quem gosto... Quero partir à descoberta de outras paragens, doutros estilos de vida diferentes deste... Enfim, quero pelo menos uma vez na vida sentir-me vivo e livre. E ser capaz? Este meio que me gerou durante 17 anos viciou-me a este estilo de vida... Ensinou-me que só devo viver para mim, só devo pensar em ganhar dinheiro e depois gastá-lo todinho em bens para mim. Eu, Eu, Eu... Só existe o pequeno eu nesta porcaria de sociedade. Desejo mais que tudo na vida libertar-me deste cerco e fugir para onde apenas se sente em nós e nos outros e não no "eu". Já é tarde demais e a revolta cresce dentro de mim a apetecer-me autoflagelar. Sou um cobarde e tenho que admitir que sou mais uma vítima. Hoje em dia não se pensa em mais nada senão tirar um curso bonitinho para que, os também culpados pais, fiquem a babar-se de orgulho, para nós mesmos afirmarmos a superioridade sobre um desgraçado e pobre explorado grupo social. Ah, e depois de termos o lindo canudinho na mão, vamos à procura de um(a) digníssima(o) fêmea/macho para acasalarmos e vivermos felizes para o resto da vida! Bonito, não? A família é a família, não é? É a nossa maqueta pequenina e perfeita da sociedade grande, grande, grande. É o nosso "ninho" quando temos "frio" ou "fome". Enfim, lá no fundo, é tudo o que tenho de genuíno e meu. Não é que eu tenha uma relação tempestuosa ou nada que se pareça, mas nem tudo são rosas e encantos. O que se vive em pequeno na família vai-se desvanecendo quando se cresce e quando se passa a conhecer melhor os que moram comigo. O encanto tornou-se monotonia e aborrecimento em relação aos pais e aos irmãos. Em pequeno gostava de ter uma família daquelas que aparecem na televisão, onde tudo é bonito e os problemas não existem. Agora aprendi às minhas custas que tal coisa não existe e até é salutar haver problemas na família, já que é um óptimo teste à unidade e à harmonia que existe ou não na mesma. A família perfeita é uma utopia e, por isso, por que razão haveria eu de cobiçar outra vida familiar? Sou feliz com o que tenho; e embora o que a minha família tem para me oferecer seja pouco, não me importo, pois sei que o pouco que eles me possam dar foi o possível e saiu do fundo do / 32 / coração. Sei que se eles pudessem oferecer-me um pouco mais de calor, de carinho, mimos, sei que me dariam sem qualquer problema, mesmo que tivessem de tirar da sua parte. Por esse simples facto, estou-lhes agradecido, pois sei de muitos pais que fazem exactamente a mesma coisa, só que os filhos não sabem agradecer o esforço que se faz por eles. Gosto de pensar em OED como um complemento muito pessoal e necessário ao indivíduo. Atrevo-me mesmo a dizer que não deveria ser apenas um grupo privilegiado a ter acesso a esta disciplina. Todas as turmas deveriam tê-la para a escola cumprir o objectivo para que foi criada – formar/educar o indivíduo na vertente científica e espiritual. OED é uma disciplina que ajuda bastante o espírito do indivíduo, e a mim ajudou-me a ultrapassar algumas barreiras que obstruíam o meu pensamento. Considero que OED não ensina só técnicas teatrais e tudo o que advém desse aspecto, também ensina a pessoa a ter um maior conhecimento pessoal e também daqueles que contactam mais connosco. Aumenta-nos o nível de autoconfiança, respeito por nós e pelos outros, responsabilidade e amadurecimento no contacto com a diferença.

 

CAROLINA CLARO – 17 ANOS

Mudança. Agora é possível falar de um grupo de amigos em OED, infelizmente ainda não se nota nas outras disciplinas. OED proporcionou-nos esta situação. Nas outras disciplinas é tudo demasiado impessoal, não se procurando a proximidade. Para esta relação de aprofundamento uns com os outros, contribuiu todo o conjunto de conteúdos que se tratou ao longo do ano, culminando no respeito pelas diferenças. No princípio do ano fui acusada de "ligar" só a duas colegas e fechar-me ao resto da turma. Agora penso que ultrapassei esta situação e já deram conta disso. O trabalho que temos vindo a construir foi realizado de "raiz" pelos alunos, por nós, por mim. Nada dá mais satisfação que ver os frutos de participação empenhada. Mas o orientador esteve sempre presente a dar "dicas', esclarecendo o que poderia ser experimentado para poder ficar melhor ou pior naquela cena, aproveitando o nosso improviso. Claro que nem sempre estive com vontade de trabalhar, mas não era por falta de motivação. Para a concepção deste trabalho foi muito importante saber fazer crítica e autocrítica construtiva. Mas o unido grupo de OED, quando sai da sala, não se fecha em si próprio; e foi-me mais fácil aproximar-me de outras pessoas, de outras realidades.

 

CHARLENE CÂMARA – 16 ANOS

Quando perguntei pela primeira vez a alguém o que era, de facto, a disciplina de / 33 / OED, a psicóloga limitou-se a responder: "– Ajuda-te a conheceres-te melhor!" (Mas eu conheço-me, pensei eu!). Posteriormente vieram mais notícias sobre a disciplina; a pouco e pouco eu ia descobrindo o que era na verdade OED. Bastou a palavra-chave para eu decidir que era aquilo que eu queria – Teatro e arte de representar. Ao princípio era tudo uma enorme novidade; era tudo muito diferente do que tínhamos aprendido até aí. Uns aceitaram com grande facilidade, outros com um pouca de excitação. Certamente fui uma das pessoas que aceitaram e mergulharam por completo neste campo. Ao longo das aulas, fui percebendo que havia muito a explorar em mim, como pessoa e como mulher. Apesar de muitas novidades, eu já me considerava pioneira nestes assuntos, já olhava para o meu interior. Havia jogos que eu já conhecia, mas nunca tive medo de surpresas ou novidades porque sou escuteira. O movimento escutista baseia-se no "alerta para bem servir". Prepara-nos para mulheres e homens do amanhã, servindo o próximo sempre em contacto com a natureza e com a ajuda de Deus. A grande diferença entre pertencer a este movimento e às aulas de OED, é que nas aulas de OED convivemos mais durante a semana, somos mais unidos e somos menos. Tudo isto é fundamental para alcançar a essência do grupo. Só tenho pena de termos de estar sempre entre quatro paredes! Pessoalmente torna-se mais difícil libertar-me! Acho que uma vez ou outra poderíamos fazer o aquecimento e relaxamento ao ar livre junto à natureza – respirar outros ares. A realidade mais evidente foi os alunos terem-se tornado mais tolerantes e respeitadores, em cumplicidade entre alunos e professor. Teve reflexos muito positivos no relacionamento com mais união, compreensão, facilitando toda a orgânica de grupo – sermos diferentes, mantermos igualdade no trato sem alterar a personalidade.

 

DANIELA LOUREIRO – 17 ANOS

Existem ideias que saem sem rumo por todo o meu corpo e para as quais procuro encontrar uma vela no pensamento que as ilumine, um raio de luz que as guie e que me permita escrevê-las. (Adorava ser actriz) É um dos meus segredos, que agora divulgo e partilho. Sei que é muito difícil e a este "bichinho" que não corrói, vou-lhe dando seiva do saber que posso. Um dos seus manjares favoritos é esta aula, da qual sai cada vez mais saciado, ansioso de progressão e continuidade. Afinal, até aprendeu que ser actor não é só encarnar alguém que não se é, porque transparece sempre algo de nós, e passou a saber que é um grande processo para uma vida. Passámos a construir personagens Quando somos confrontados com a surpresa, as reacções variam conforme a forma de encarar o inesperado, mas a preparação física e psicológica, o trabalho de rigor, leva-nos a aprender a viver com o mundo da criatividade nesta sala comunitária. Pouco a pouco vamos sabendo ouvir e ver melhor, a aceitar as diferenças, apesar de ser difícil respeitar a individualidade de cada colega e a forma de cada carácter. Em OED percebe-se mais, porque é como um mundo distinto, em que cada um é ele mesmo e tantas coisas mais. É como se o empenho, maioritariamente forçado nas outras aulas, fosse neste local algo de espontâneo e natural. Mas também somos impacientes – pensa-se estar já perante a / 34 / conclusão e surgem tarefas que causam semblantes de insatisfação e frustração, nervosismo e irritação a dizer "caramba, isto nunca mais acaba", sabendo a pouco estímulo, a aflitivo, já que se afigura mais uma etapa, quando deveria ser o clímax da situação. É o plano para algo novo que se corta e parece que não gostamos do que fazemos. Será sempre assim? Quando vemos o resultado, dizemos que valeu a pena. É difícil encarar o desconhecido e aceitá-lo como normal, pois não o é. Talvez resulte nalguma dispersão e intervenção sem oportunidade, mas não fará tudo isto parte de um processo de aprendizagem, que divide o que está certo do que está errado e mostra que estes são dois conceitos muito relativos? A entrega e a capacidade de análise podiam ser maiores, no entanto, convém não esquecer que estes são traços pertencentes à personalidade de cada pessoa, personalidade essa que está a ser continuadamente trabalhada e que nunca deixará de o ser. Por isso mesmo, é compreensível que numa disciplina como esta seja necessária uma integração nos seus métodos e o processo de crítica possa existir. Mais do que poder, deve acontecer sempre para que, esforço após esforço, se possa concluir onde se melhorou ou se errou. Geralmente, descobrem-se os erros cometidos de uma forma autocrítica. A critica colectiva ainda é efectuada com algum receio, já que se teme a reacção da pessoa visada, mas não criticando não se está a ajudar o parceiro. Para se poder fazer sempre mais e melhor, é preciso conhecer os pontos fracos e ultrapassá-los. Neste ponto refiro-me a todos os acontecimentos da nossa vida em que o ensinado e aprendido aqui, podem sempre funcionar e surgir. Relembro um fácil e acessível exercício de concentração, que pode servir de base para um relaxamento e, simultaneamente, estímulo à actividade intelectual para antes de um teste. E inconscientemente até o fazemos, vamos na rua, olhamos para as matrículas dos carros e inventamos uma história com esses dados para mais facilmente os memorizarmos. É uma forma de nos familiarizarmos com o próprio meio onde vivemos, despertando a nossa atenção para ser aplicada em tantos outros aspectos da vida corrente... Por isso estas aulas não são estranhas ou loucas como alguns podem pensar. Através de bases simples atingimos coisas bonitas, aplica-se muito melhor o "eu" de cada um ao seu próprio desempenho, aprende-se o que é intervir em solidão e em comunidade. É uma das muitas possibilidades de percebermos que necessitamos da nossa autonomia, mas também de uma mão amiga, que nos permita fazer certas distinções em determinadas alturas. Pessoalmente sinto mais remorsos quando chego atrasada a uma destas aulas que a outra. Talvez porque saiba que estou a deixar para trás tempo importante da minha vida sem recuperação possível. OED não cria super-homens nem super-mulheres, apenas auxilia um processo de crescimento, por vezes tão complicado na adolescência. OED apenas luta para que sobressaia o melhor de dentro de nós. OED não pretende formar grandes actores ou actrizes, alicia para uma vida fascinante e transcendental que é o teatro, o teatro da vida em que o palco é cada segundo que passa e o público cada emoção que sente. Deste modo, é preciso não esquecer que este passado de que falamos e para o qual olhamos como processo de aprendizagem e desenvolvimento foi, em tempos, um futuro que pretendemos alcançar. Resta então saber o que vamos fazer, agora que temos o presente na mão.

 

FILIPA RAQUEL – 17 ANOS

É com prazer / 35 / que leio e releio as páginas do meu diário em que transpiram novos sentimentos oriundos de OED e a provocar novas atitudes. Quando escolhi OED foi pela simples razão de que parecia ser uma disciplina fácil, onde se tiravam notas fáceis. Mais tarde, os meus amigos perguntavam-me o que fazia em OED, até porque me viam com roupas estranhas, e eu respondia que era teatro, por não ser fácil uma definição muito exacta no início do ano. Contudo, à medida que as páginas do meu diário foram ficando mais preenchidas, a minha pessoa também se preenchia com algo de novo. Não fazia ideia do quanto é importante e necessário parar para observar o "eu" e o "outro". À medida que o tempo foi passando, floresciam características minhas que até eu desconhecia. Agora compreendo o porquê de tantos "jogos e tarefas"... Seria muito lindo se fazer teatro fosse decorar uns textos! Felizmente nada disso é assim, o processo de aprendizagem é longo e algo complexo. Recordo-me de uma frase que escrevi num papel de uma das minhas companheiras "fazer teatro não é fácil, mas é bonito". É bonito e dá prazer pelo facto de não ser fácil de o conseguir. Muita responsabilidade, autonomia, sentido de observação, respeito, estão inseridos nas actividades e nada depende só de um aluno ou só do orientador, depende do grupo. Fascina-me verificar como um aglomerado de pessoas, que trabalham juntas seis horas por semana, constroem a capacidade de se darem a si mesmos e concretizar ideias tão boas, inesperadas, com objectivos e metas comuns a atingir. OED tem-me ajudado a ser mais segura, para além de me ajudar na construção de uma pequena parte da minha personalidade. Sou uma pessoa difícil de contentar e tenho-me sentido frustrada em relação ao "trabalho em construção". Contudo gosto da disciplina por marcar diferença, em cada momento há desafio para o encontro com o nosso próprio "eu".

 

GONÇALO PEREIRA – 16 ANOS

– Deitem-se! Foi a primeira palavra... Podia muito bem ter sido, «... eu sou o vosso professor de OED, esta é a vossa sala e eu chamo-me Duarte. Por favor, preencham as fichas...» Mas não, pura e simplesmente ouvimos um estranho, ao mesmo tempo reconfortante "deitem-se, eu não gosto da sala assim..." O que me pareceu ter sido uma / 36 / terapia de grupo, tornou-se em algo que mexia com o nosso próprio "eu", que teve um efeito mais marcante do que qualquer outra disciplina. Tudo começou com uma metodologia a que não estava habituado, com a sensação de que havia já uma relação muito superior à dogmática aluno/professor que é como quem diz púlpito/plateia! Mas, estupefacto, comecei a reparar que esta relação era bem mais provida de rigor e precisão do que me parecera uns dias antes. Tinha passado do vago para o claro. Uma verdade aterrorizadora ao ponto de haver uma introspecção tal que me dava ao belo prazer de comentar com os "outros" que na sua ignorância dominada pelo senso comum diziam entre dentes: – Que circo! Para mim tornava-se então cada vez mais importante ouvir com "ouvidos de escuta, e olhos de microscópio". Por momentos a relação prof. / alunos esteve muito enigmática e imprevisível. Julgo que de certa forma isso também nos ajudou a manter-nos interessados e expectantes. O que iria acontecer na próxima aula? Tornava-se então cada vez mais imprescindível um grande empenho e entrega, pois na minha opinião tudo tem que assentar num princípio básico que distingue o lá fora e o nosso mundo. O processo criativo começou com os alicerces indispensáveis da improvisação, da crítica, da autonomia, da intervenção oportuna que iriam dar lugar à execução do trabalho e por fim à sua concepção que se espera ser a idealizada. (E lá vinham ao de cima crises de falta de autonomia e a devida solidariedade para levar tudo a bom porto.) Tive sempre dificuldade em descrever com correcção o que se passava em OED, para mim não era um conjunto de raparigas que se vestiam e despiam à minha frente, é um projecto com uma ordem bem definida que resulta numa outra maneira de "ver" e de "falar" sobre mim e sobre o outro. Tornei-me numa pessoa capaz de mostrar à frente de uma turma inteira aquilo que sinto ao ouvir a música do Rei Leão...

 

MARIA ZAGALLO – 17 ANOS

Aprender a fazer o vazio, o silêncio... A abstracção da realidade exterior mostrou-se um grande obstáculo. Fui percebendo que é algo essencial, nada simples, nada mecânica. Não busco encerrar-me em mim própria, em mergulhar unicamente no meu pensamento, nem ficar alienada do exterior. Seria bom conjugar o melhor de mim com o que apreendo lá fora. Canalizando-me, posso alcançar a concentração que me permitirá trabalhar na procura do rigor, e a abstracção do supérfluo conduz a uma entrega cada vez mais plena. Olhando para trás, noto que todos partimos de um estado "bruto" e fomos moldando progressivamente o nosso carácter. A autonomia tem-se desenvolvido em nós sem darmos muito por isso. Estamos tão "entregues a nós próprios" que somos obrigados a tomar decisões, e muitas vezes de uma forma bastante improvisada. A construção do trabalho é o reflexo dessas decisões e o imprevisto fez quebrar barreiras para um conhecimento melhor. Ultrapassámos momentos de um "despir" delicioso, que permitiu que se fosse esboçando o grupo. Se pegarmos nas palavras de Mário de Sá Carneiro «Eu não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio», e as transportarmos para a nossa vivência, penso que são bastante adequadas e que poderíamos prosseguir e acrescentar – "Eu sou Eu e sou o / 37 / Outro" para nascer um eu colectivo. Não sei apontar que deixei de fazer isto ou passei a fazer aquilo, mas o reflexo existe. As diferenças sentimo-las internamente sem vermos as suas manifestações externas. Simplesmente sentimos o crescimento...

 

HELENA VASCONCELOS – 16 ANOS

Não vou ser hipócrita e dizer que mudei muito e que sou uma pessoa completamente diferente, tipo aqueles testemunhos da IURD. É verdade que passei por muitas e diversas experiências que me surpreenderam bastante (como o conhecimento através do tacto), mas nem por isso mexeram com a minha pessoa. No entanto, sinto que estou diferente ao nível do auto-controle. A disciplina é responsável pelos laços que se estabeleceram entre mim e os outros, quer sejam de amizade, atracção ou mesmo de não relação. Lembro-me de outra coisa, que provavelmente é um grande defeito, ao aprender a camuflar (não mostrar aquilo que não vale a pena ser mostrado) capacidades ligadas ao auto-controle. Quando uma pessoa conhece totalmente outra, deixa de ter interesse! Tudo começou logo nas primeiras aulas, quando o professor desvendava alguns aspectos da nossa personalidade. Se existe coisa que eu deteste, é isso! Aliás, acho que é quase impossível alguém fazer-me isso, porque eu sou tantas e tão diferentes: a Helena da escola, a Lena dos amigos, a Maria Helena da família. Mas, pelo sim pelo não, decidi dar a mostrar apenas o que podia e conseguia.

 

MIRIAM ROSA – 17 ANOS

Privilegiada ou não por ter na minha posse alguns conhecimentos relativos ao trabalho da disciplina, o receio foi o sentimento dominante quando entrei pela primeira vez na sala de teatro. Medo de não conseguir corresponder, de falhar, que me descobrissem demasiado, e uma intimidação enorme, quer pela figura do orientador, quer pelo trabalho a desenvolver, visto que sabia à partida que a disciplina implicaria muitas alterações na minha própria personalidade. A figura enigmática do "mestre", com as suas mil artimanhas, também justificava esse medo... Era necessário despirmo-nos de todas as formas, numa busca primária de conhecimento interior e colectivo. Assim se formou o grupo, a primeira das principais ferramentas de trabalho. É complicado sintonizar harmoniosamente um conjunto de indivíduos tão diferentes e complexos entre si. Aprendemos a respeitar o outro tolerando, sabendo ouvir e intervir, funcionando como órgão de um corpo a desempenhar uma função mínima, mas vital para o conjunto, não se pretendendo protagonismos. Decorriam no mesmo espaço de tempo bastantes metamorfoses a nível individual. O actor não é / 38 / alguém que brinca ao "faz-de-conta" ou ao "era uma vez", é o despir da sua identidade e vestir-se de outra, alheia, trabalhada, para viver outras vidas por empréstimo durante o tempo predestinado. No palco ele é tudo o que quiser, brilha com todo o fulgor, vive o seu sonho; entre palcos é apenas um homem entre tantos outros. Foi necessário vencer uma série de barreiras, complexos e preconceitos, esquecer o que nos prende e soltar tudo, conhecer, partir à descoberta, desde a troca de roupa, à partilha desconhecida mas não ingénua de jogos que, a "brincar", permitiram evolução. Para quem, tal como eu, pensava que o teatro era como nos filmes e nas novelas, OED revelou-se surpreendente numa "primogenitura" de sensações, opiniões e actividades criativas. Alguns aspectos do quotidiano não ficaram alheios a esta nova forma de estar, desde a projecção de voz sempre que me quero fazer ouvir, até aos exercícios de relaxamento para introspecção ou para dormir, passando pelo treino de aquecimento feito antes de qualquer esforço intelectual. É preciso gostar daquilo que se faz e entregar-se à tarefa com toda a alma e empenho, aliando a originalidade aos conhecimentos adquiridos. A relação com a escola sofreu alterações sobretudo na desenvoltura e extinção de inibições que, pouco a pouco, foram contribuindo para uma maior descontracção nas aulas com os colegas. E descobri que o teatro também é jogo corporal, jogo verbal, espaço, estética, conflito, luz, som, figurino, caracterização... À medida que fomos adquirindo conhecimentos e cumplicidade, a figura do orientador passou a tornar-se coordenadora do trabalho nas suas vertentes formativa e moderadora, deixando a cargo dos discentes todo um trabalho com autonomia criativa, constituindo uma experiência bastante enriquecedora na confiança. O actor tem de preparar-se e pesquisar convenientemente para a representação, tendo em atenção o seu aspecto físico em função da personagem, o figurino, o seu "eu" expressivo, a sua essência. É um trabalho de pesquisa e introspecção fundamental e que só ele pode realizar. Face a esse esforço necessário para entrar numa personagem, passei a valorizar/criticar com frequência as representações que tenho visto e orgulho-me de o fazer com algum conhecimento de causa. Uma das belezas do teatro, para além do seu carácter único, irrepetível e real, assenta no facto de poder conjugar o jogo com o sério, o natural com o absurdo, pedaços fragmentados de emoções em gestos, a essência de quem cria, o gozo que se vive para que os outros possam assistir e pensar em condicionalismos ou liberdades.

 

SANDRA PACHECO – 18 ANOS

Nunca pensei que esta disciplina me proporcionasse um conhecimento mais profundo de mim e dos outros, ver as coisas de outra maneira. É o segundo ano que ando com esta turma e nunca fomos tão unidos como agora. Eu sei que um dos meus defeitos dentro da sala é não me desligar do exterior, mas já estou a superar um pouco mais. Sou uma pessoa tímida que não dá muito de si, mas luto para ser diferente. Apesar de ser preguiçosa, tento ser rigorosa, porque gosto de ser organizada. Gosto de ouvir as críticas dos colegas, porque tenho dias que não sou criativa e isso ajuda-me. Depois não sou um elemento de grande participação oral por medo, mas OED ajuda-me a pensar antes de / 39 / agir. Quero tirar psicologia e esta disciplina já começou a ensinar-me a saber escutar os outros.

 

SOFIA RIBEIRO – 16 ANOS

Na primeira aula de OED, o Duarte deu-nos um poema de Mário de Sá Carneiro para ser lido com intensidade. Talvez sem saber, para mim, foi uma dádiva, uma gota de sangue que brotou em mim e uma flor a querer desabrochar. Naquele momento, sentada numa cadeira, com dezenas de olhos postos em mim, incluindo os de um professor desconhecido e misterioso, senti-me nervosa e confiante! Eu sabia que ia conseguir, aquele era o meu momento, o momento ideal para mostrar um pouco mais de mim. Foi "deslumbrante", como disse o Duarte, e tudo devido à minha rouquidão natural. OED fez-me perscrutar toda a minha existência; mas também a olhar para os outros, a conhecê-los, a saber que são humanos e sensíveis como eu. Com o professor foi a sinceridade, a descontracção, o carinho, a repreensão, o aprender e a adulação. Foi aproveitar o tempo para sentir os sentidos. Foi muito importante descobrir os outros no sentir, no amar e no viver. E a flor começou a pedir mais água para crescer e ser eternamente bela. A confiança que o professor depositou em nós fez-nos criar um trabalho com empenho. Juntámos pedacinhos da alma de cada um para formar um todo glorioso. Posso afirmar que tenho muito orgulho no nosso trabalho e na forma como o Duarte nos conduziu no "labirinto". Ajudou-me no domínio das minhas emoções para fazer o que gosto. Nada sei do futuro, mas jamais esquecerei o teatro, está incrustado no meu cérebro para todo o sempre... A minha personalidade renovou-se, por isso estou grata ao grupo, ao Duarte e à vida. Contrariamente a Mário de Sá Carneiro, tenho apreço à vida para ser feliz e fazer os outros felizes. Dissipem-se as ilusões, resta a essência – o Amor.

 

TANYA PACHECO – 17 ANOS

Quero deixar bem claro que quando vim para esta disciplina pensava que seria chegar à aula, vestir-me e tentar representar algo que o professor me mandasse fazer. Nunca pensei que iria tentar conhecer-me melhor e aos outros. No princípio tive dificuldade em integrar-me, mas OED ajudou-me a "abrir" e fiquei surpreendida comigo. Por vezes sinto que não sou ajudada, mas ao respeitar as diferenças, levou-me a uma melhor entrega, empenhamento, pontualidade, etc. Por vezes estou desorientada na aula, mas tenho receio de pedir ajuda, embora saiba que faço mal. No trabalho que estamos a construir, tive momentos de angústia, e sei que o professor notou isso. Dava-me vontade de encontrar / 40 / um buraco para me meter, mas quero atingir todos os objectivos propostos.

 

STACY L. ATCHISON – 19 ANOS

(aluna dos Estados Unidos da América inserida num projecto de intercâmbio escolar)

Decidi participar em OED para conhecer mais pessoas da minha idade. Era uma decisão boa por várias razões. Conheci muitas pessoas e estou a aprender mais sobre mim própria. Talvez eu tenha ideias diferentes dos outros, porque sou Americana, e só estou a frequentar a escola para aprender principalmente a língua portuguesa. Como tenho objectivos diferentes dos outros alunos, a influência de OED na minha vida é só parte da influência de uma cultura. Estou a aprender muito sobre mim própria, e isso é muito óbvio em OED. Também há coisas que já sabia, mas agora estou a reparar mais nelas. Não gosto quando as pessoas tentam corrigir-me, fico um pouco aborrecida. Isto é muito mau, mas agora que reparei, posso tentar ser melhor. Eu estou a fazer o esforço de aprender, mas não tanto como podia. A única pessoa que posso desapontar é a mim própria. Às vezes falta a motivação, porque nada é obrigatório. Isto é uma coisa que só agora estou a tentar corrigir. Mas talvez antes ainda não estivesse pronta. Por causa de OED, no 11.º L, somos muito unidos, porque as pessoas são mais livres de serem elas mesmas. O ambiente é muito menos rígido, assim como a relação entre professor e alunos. Esta disciplina é muito importante, porque não tenho que estar sentada numa cadeira a tirar apontamentos e só a prestar atenção ao professor. Há muito mais interacção entre os alunos. Não faz mal cometer erros, os outros percebem e ninguém fica com má impressão acerca de mim quando não entendo tudo. Uma coisa que aprendi com os portugueses, especialmente em grupos, falam muito e fazem pouco. Não conseguem concordar com facilidade e ninguém pensa num compromisso. Estão sempre a discutir e eu fico calada por não ter nada para oferecer. Não sou muito criativa com estas coisas à primeira. De todas as minhas aulas, acho que OED será a aula que vai dar-me mais confiança e também é a aula onde mais pratico o Português. Eu tenho muita autonomia neste grupo, muito mais do que nas outras aulas. Com a autonomia vem a responsabilidade. Às vezes não gosto de mim mesma, outras tenho muita confiança, sei que consigo fazer tudo o que quero, que estou sem limites nenhuns. Tento sempre respeitar os outros mesmo quando não concordo com o que estão a dizer. Mas às vezes ofereço resistência, não ouço, porque estou farta de errar tanto. Sou

um pouco egoísta, e teria mais respeito por mim mesma se fizesse todas as coisas que disse que vou fazer. A responsabilidade de melhorar é minha, a minha vida é a minha responsabilidade. Tenho a responsabilidade de melhorar perante o grupo. Eles não são obrigados a ajudarem-me mas ajudam mesmo; por isso, sou quase obrigada a aprender ou pelo menos a  tentar.

 

 

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