Acesso à hierarquia superior.

Secundária José Estêvão

Cintura de Lírios, Duarte Morgado, 1997/98

DEPOIMENTOS DOS ALUNOS – ANO LECTIVO 1997/1998

Turma 11.º K
 

ADRIANA SANTOS – 17 ANOS

Sempre que escrevo sobre alguma coisa, penso que é uma tarefa difícil e, definitivamente, não penso mal. É difícil em todas as disciplinas, mas a dificuldade triplica quando a disciplina é Oficina de Expressão Dramática. Ao contrário das outras disciplinas, em OED tenho que falar de mim – o eu – ser único e diferente de todos os outros seres. Mesmo que não queira ou tente fugir, acabo sempre a reflectir sobre a importância de um simples toque ou movimento a poder ter diferentes significados para cada indivíduo que se encontra na "sala de aula" – diferente de todas as outras salas. Deve também ser esse um dos motivos que me levam a "estar" de maneira diferente. Parece que passo pela "porta mágica" e a transformação acontece. Isto, para não falar do professor que, apesar de ser um professor, é sem dúvida um professor diferente, talvez por exigências da disciplina, quem sabe! Creio serem estas as causas desta escrita ser particularmente trabalhosa (até já pensei em inventar uma desculpa qualquer...), mas decidi fazê-la por mim. É quase impossível para uma pessoa passar pela experiência de ter esta disciplina e ficar indiferente. OED mudou algumas coisas em mim, não o posso nem tenho motivo para o negar. A minha relação com os professores não mudou muito, só que agora tenho tentado perceber melhor algumas atitudes, que até aqui considerava absurdas. Às vezes penso como serão fora das aulas, são pessoas com família noutros espaços, com sonhos, medos, etc.. O mesmo acontece em relação aos meus colegas e amigos; passei a conhecer melhor os seus defeitos e qualidades e aprendi a conviver com eles. Passei a conhecer um lado da sua personalidade que estava escondido, pois nas aulas vejo-os em situações que nunca poderia imaginar e a mim também. As minhas relações familiares ficaram mais equilibradas. Nas minhas discussões com a minha mãe já não acabo a bater com a porta. Tento entender a opinião dela e fazer-me entender. É uma nova maneira de olhar para o outro e para mim. Observo quando estou à espera do autocarro ou quando passam por mim na rua. Despertei todos os sentidos e fiquei mais curiosa. Por vezes custa um pouco o que se mostra de nós ou o que os outros possam pensar, mas vale bem a pena sentir que evoluímos como pessoas. Ninguém depende de ninguém / todos dependem de todos.

 

ANA FILIPA GABRIEL – 19 ANOS

Ao longo deste período de trabalho, / 15 / várias foram as tentativas em que o professor pretendeu que houvesse uma entrega total por parte dos alunos. Entrega esta que fiz de cabeça, tronco, membros e alma. Procuramos mostrar o outro lado da pessoa embora seja muito difícil. Mas tudo se torna mais fácil através das vivências em grupo, vivências que resultam num melhor entendimento entre os pares. Resulta uma melhor amizade na procura do melhor que há em cada um. Eu, interiormente, bem lá no fundo, continuei a mesma pessoa tímida, que só mostra o seu lado divertido e por vezes "maluco" a certas pessoas. Foi muito gratificante para mim conhecer o meu grupo, pois é em OED que podemos constatar como todos somos diferentes e como todos somos iguais. Ao trabalharmos o espírito de inter-ajuda resultou melhoria nos nossos trabalhos. É muito bom verificar que com o teatro pode-se mudar muita coisa na nossa vida, principalmente ter mais vontade de viver.

 

CLARA RIBEIRO – 18ANOS

Na minha opinião, as aulas de OED têm ajudado muito os alunos numa relação de mais inter-ajuda, de compreensão e de desenvolvimento intelectual. Foi o que me aconteceu até agora. No princípio, quando cheguei à sala espaçosa com poucas mesas e cadeiras expostas ao comprido num dos lados da sala, apercebi-me que a disciplina iria mostrar-me algo de novo, o que me assustou um pouco; mas esta sensação de novas experiências tornou-se boa e deu-me coragem para seguir em frente e partir à aventura – ter escolhido esta disciplina foi uma aventura. Fiquei incomodada na aula em que o professor disse que tínhamos que mudar de roupa juntos naquela sala sem cortinas a separar os rapazes das raparigas, mas agora é normalíssimo fazê-lo (por vezes é tal a descontracção quando estamos nas "mudas" que já nem reparamos se a porta está aberta ou fechada), é-nos indiferente. Falando só de mim, penso que tive um óptimo processo de desinibição em relação a tudo o que me rodeia e até a mim própria, tanto na disciplina como no meu quotidiano. Desenvolvi certas capacidades que não tinha, ou melhor, tinha mas não era capaz de as fazer aflorar e progredir, como o saber "despir" preconceitos, conflitos internos.

 

FRANCISCO PINTO – 16 ANOS

OED e a alteração da história...

Provavelmente foi OED a primeira e única disciplina escolar capaz de abrir novas perspectivas e novas interpretações sobre tudo aquilo que me envolve e que faz parte da minha vida. A História dá-nos uma ideia sobre os factos políticos, sociais, culturais, religiosos, ideológicos, etc., que foram influenciando o caminho da humanidade desde os tempos dia (?) partes de mim que viveram camufladas por medos, ilusões e sonhos nefastos ao longo de 16 anos, a tempo de ainda mudar muita coisa. Por outro lado, a ideia de grupo tem vindo a ganhar novas formas e tonalidades desde que iniciei esta disciplina; a ligação entre os / 16 / membros, o seu funcionamento, os objectivos que o unem e a sua linha orientadora dão-me um novo sentido para tudo. OED permite interpretar de maneira diferente, mas clara e objectiva, as minhas acções e atitudes no quotidiano, assim como as reacções do meio que me rodeia, seja ele familiar, do círculo de amigos, escolar, etc.. É, sem dúvida, uma disciplina que deveria abranger toda a comunidade escolar, já que esta seria uma forma de derrubar barreiras para a aprendizagem de novas interpretações do mundo que nos abraça – permite-nos ultrapassar as aparências, atingir a alma...

 

JOANA PIMENTA – 16 ANOS

As aulas de OED são horas em que me sinto bem, descontraída, relaxada. Podemos estar à vontade, ser como realmente somos sem disfarces. Aprendemos a conhecer melhor os outros e também a darmo-nos a conhecer. Acho que até se aprendem diversas coisas que nos vão ajudar um dia mais tarde – respeitar os outros e ajudar o próximo. Estas aulas tiveram um efeito positivo em mim pois conheci-me melhor, consegui encontrar em mim alguns valores positivos e negativos que até então estavam camuflados e que nunca deveriam estar escondidos para se melhorar. Ao longo do tempo vim notando em mim várias diferenças, já não sou aquela menina outrora impulsiva, desrespeitadora e inimiga do seu amigo. Noto que já sou capaz de controlar alguns dos meus impulsos, respeito muito mais as pessoas que estão à minha volta, sei ouvir sem que a conversa seja motivo de escárnio. A minha relação com o mundo tomou-se muito mais fácil e proveitosa.

 

LILIANA VIDAL – 17 ANOS

Ser-me-á difícil de escrever aquilo em que OED me tem instruído ao longo deste tempo. Tudo aquilo que é exercitado aula após aula faz-me crescer e aprender a viver neste mundo tão grande e pesado que paira sobre mim. OED faz-me crescer em personalidade. As aulas são realizadas de tal maneira que torna possível o auto-conhecimento, quebrando e ultrapassando medos leva-nos a um conhecimento melhor do nosso interior. É possível ficar a conhecer melhor o outro, porque a vida é um jogo, algo que começa e logo se acaba, por isso é necessário saber viver – saber lidar com os outros. Se o outro ser é pensante devemos aceitar a sua individualidade. Cada qual tem a sua forma de estar e OED ensinou-me / ajudou-me a saber lidar com todo o tipo de pessoas. É preciso saber viver com as diferenças – "Todos Diferentes Todos Iguais".

A importância da confiança é indiscutível e foi uma coisa que após algumas aulas passei a sentir. Saber acreditar em mim, saber acreditar que sou capaz levou-me a concluir que se não confio em mim como poderei confiar no outro? Outra coisa que eu acho extraordinário nas aulas é o facto de poder desenvolver a capacidade de concentração e de compreensão da realidade. Posso dizer que OED é a disciplina do conhecimento, a / 17 / fonte da comunicação e da desinibição, embora ainda me sinta um pouco tímida (por enquanto). Noto, da minha parte, mais compreensão e afecto no seio familiar e mais amizade e tolerância com os outros. A minha capacidade crítica aumentou e existe uma vontade enorme dentro de mim de querer chegar mais além. Já tenho bons objectivos de vida e acredito que ainda vou alcançar muitos mais.

Ao trabalhar a construção de personagem estou a explorar o meu outro lado, aquilo que sempre quis fazer sem saber como. Isso dá-me grande felicidade na alma porque procuro viver a personagem que escolhi, construindo-me a representar experimentando.

 

MARCO FONSECA – 18 ANOS

Todas as experiências realizadas, desde a comunicação corporal até à comunicação verbal, desde o aquecimento até ao realizar de uma dramatização, mudaram muito a minha vida. Antes quase nada tinha grande significado até perceber que só se vive uma vez e que tenho de aproveitar tudo até ao máximo. Comecei a ter uma nova forma de pensar, uma nova perspectiva de tudo o que me rodeia. Comecei a ter uma maneira mais positiva de relação com os pais com menos disputas, amigos, colegas, com o desconhecido. Cresci psicologicamente e descobri que não sou só mais um neste planeta, mas que sou um ser humano à procura de conhecimentos, razões e coisas diferentes. Desde que comecei a entender isto acabaram-se as más emoções, os maus pressentimentos. A vida tem duas versões, ou é boa ou é má. Tornou-se urgente perceber que apesar de ser dura, é boa.

Sinto-me mais forte e estimado, contrariamente ao que sentia antes. Na sala de OED, libertei-me de uma muralha que me rodeava e penso que os outros também. Com toda a gente em geral estabeleci confiança, amizade e também carinho. Consegui ser eu próprio, evitando fechar-me numa concha, num mundo intransponível onde só eu existia. As muitas experiências que tive com o grupo permitiram-me desvendar as minhas diferenças e igualdades em relação ao outro, e o que o professor me ensinou sobre eu ser "eu mesmo" foi de extrema importância. Por isso, estou muito grato às influências da disciplina, porque me sinto muito melhor comigo e com os outros. A vida tem sentido – representar é mais do que existir, é viver, ser e estar – é vida.

 

MARIA MANUEL BILELO – 17 ANOS

Escolhi OED um pouco às cegas. Muita gente dizia que era muito fixe e que se aprendia imenso. Só o percebi realmente quando comecei a reflectir sobre o que se tinha passado, até agora, nestas horas todas na sala de teatro. As aulas de OED são horas em / 18 / que, ao mesmo tempo que me divirto, aprendo. É fantástico aperceber-me de todas as mudanças que sofri e para as quais essas aulas foram fundamentais. Acho que apesar de me terem vindo a ajudar a lidar melhor com o exterior, o que considero mais relevante foi o conseguir compreender-me muito melhor e o ultrapassar certo tipo de barreiras, outrora inultrapassáveis. Considero o facto de lidar melhor com o que está à minha volta uma consequência dessa mudança interior. Afinal, como é que vamos perceber os outros se nem a nós mesmos percebemos? Talvez não tenham sido só as aulas de OED por si só, mas todo o contexto em que se inseriram. Se pensar bem, o principal e o que me fez sentir tão melhor foi o facto de me sentir muito mais EU, esteja onde estiver, esteja com quem estiver. A insegurança sempre presente está agora muito mais ténue, com muito menos poder sobre mim. Acho que me tornei uma pessoa muito menos frágil e que consegue superar as coisas sem pôr tantos problemas. Mas, ao mesmo tempo essas horas fizeram-me muito mais sensível. Descobri que toda a gente tem o direito de SER. Outra das barreiras que fatalmente tive que ultrapassar foi a timidez. Fui obrigada a deixá-la de lado, pois queria progredir na disciplina. Ainda bem que assim foi pois perder parte dela ajudou-me cá fora, muitas vezes tornava-se num verdadeiro empecilho. Aprendi a estar melhor em grupo, principalmente num grupo em que conhecia mal a maior parte das pessoas. Sinto-me muito mais capaz de respeitar os outros e de me fazer respeitar ultrapassando diferenças. Só não sei explicar coerentemente os choques com a minha família! Acho que nisso as aulas de OED foram prejudiciais, talvez por eu ter mudado tanto em tão pouco tempo ou até por aquilo de que me apercebi durante as mesmas. O que mais me fascina nestas aulas ainda é o facto de serem multifacetadas. É incrível como se aprende tanta coisa e tão variada numa só disciplina e ainda por cima de uma forma descontraída e sem pressões! Considero estas aulas um grande contributo para a minha formação pessoal. Para além de melhorar a minha relação comigo própria e com o exterior comecei a cativar-me e a entender o "teatro". Consigo neste momento apreciar muito mais um espectáculo, não só de teatro mas também de cinema ou dança. Tornei-me muito mais sensível a certos pormenores que dantes nem sequer me chamavam a atenção. É bom lidar melhor com o meu corpo e com o dos outros. É incrível aquilo que se pode fazer e transmitir com o corpo, fazendo muitas vezes com que a voz se torne desnecessária ou mesmo ridícula. OED tem sido intrigante mas enriquecedora.

 

MARIANA SARMENTO – 17 ANOS

Passar para o papel o que para mim têm sido as aulas de OED pode, de início, parecer uma tarefa simples; porém, ao fim de algum tempo a reflectir sobre o que havia de escrever, descobri que afinal não era algo assim tão fácil. Provavelmente, para quem está de fora, esta minha dificuldade não tem razão de ser, porque apenas é necessário dar uma opinião. O primeiro obstáculo com que deparei foi: o que é OED? Qual a sua finalidade? O que pretende ensinar? Estas são, talvez, algumas das interrogações mais pertinentes desta oficina. A sua definição revela-se complexa, assume várias dimensões, visto que tudo o / 19 / que está relacionado com esta disciplina faz parte do mundo da subjectividade, depende da maneira de ser de cada um, da forma como se deixam transparecer as emoções; tudo depende de nós próprios. Pois bem, as seis horas por semana dedicadas a OED são momentos em que eu faço uma viagem ao meu ser, de modo a conhecer melhor as minhas potencialidades e os meus limites. E esta introspecção é feita por todos, pelo grande grupo. Mas o que tem isto de comum com o teatro? Para vestir outra pele é preciso, antes de mais, sentirmo-nos bem na nossa, o que só é alcançado depois de "travarmos conhecimento" com a pessoa que somos. OED proporciona-nos o ambiente e as circunstâncias adequadas, bem como nos dá elementos para tal. Várias foram as barreiras que consegui transpor graças a algumas actividades que temos vindo a realizar ao longo do ano. Acho que a principal meta atingida foi a desinibição, a perda de complexos sem fundamento, conquistei a minha afirmação pessoal apenas por aquilo que sou, a partir do conhecimento das minhas características. Um pormenor que ajudou muito foi o trabalho em conjunto. Confesso que ao princípio, o facto de ter que me "despir" perante catorze pessoas, com cuja maior parte das quais não temos confiança suficiente, apesar de todos nos conhecermos, foi assustador mas sobretudo deixou-me pouco à vontade. Acabei por descobrir que esses jogos são muito benéficos, na medida em que me "obrigaram” a analisar o meu interior, fazer uma lavagem à alma e ao coração, em busca daquilo que temos de bom e numa tentativa de mudar alguns pontos de vista e/ou alguns comportamentos. No âmbito do desenvolvimento pessoal ocorreram algumas mudanças originadas pelo "despir" de cada um. Creio que aprendi a respeitar as diferenças, a ter espírito de partilha, de modo a relacionar-me melhor comigo própria, com o meio em que estou inserida, com os amigos, os outros e a família. A minha autonomia também foi "posta em jogo' – testada. O professor Duarte esteve sempre presente, só que me deu (a todos) espaço de manobra, forçando-nos a ser autónomos, a acreditar que somos capazes de fazer sozinhos o que nos é pedido. Por vezes senti-me desamparada, de mãos atadas. Tinha de trabalhar, o problema é que não sabia como começar nem como tornar as ideias realidade. Mas era preciso desenvencilhar-me. E não restam dúvidas de que o método teve sucesso, pois não só aumentei a minha autonomia como desvendei um pouco mais do "eu". Contudo, a vertente teatral propriamente dita da disciplina nunca foi esquecida, bem pelo contrário, o teatro esteve sempre na base de tudo. Posso afirmar, que agora o teatro ocupa um lugar especial, dedico-lhe mais atenção, até porque adquiri conhecimentos que me permitem apreciá-lo. Explorei a minha capacidade crítica e agora sei identificar muito mais depressa e melhor os "produtos" que têm valor e qualidade. Acima de tudo foi-me incutido o gosto por esta arte, integrei-a no meu quotidiano, pois aprendi que a própria vida pode ser vista como uma peça de teatro e que nós somos personagens numa constante actuação. Assim, o que eu julgava ser uma disciplina onde se representariam peças de teatro, onde se aprenderia ser actor, revelou-se uma caixinha de surpresas, principalmente boas. OED é um espaço que permite explorar o mundo, que nos ensina a lidar com o exterior, a utilizar o teatro na comunicação... enfim, com entrega e empenhamento da nossa parte ganhamos mais um incentivo para a vida.

 

ORLANDA RIBEIRO – 16 ANOS

Eu sei que esta / 20 / disciplina transformou muitos dos meus actos em relação a muita coisa. Embora ainda não tenha visto com muita clareza o que está em transformação, sei que tenho a noção de mudança. Em casa estou mais paciente com a minha irmã e com o meu pai, e estou a ensiná-los a ser mais tolerantes. Já consigo compreender certas situações que, provavelmente, antes seriam completamente absurdas. Coisas insignificantes têm um significado que normalmente as pessoas passam e não dão importância. Em relação aos meus colegas, quando a conversa não interessa, tento incutir outro assunto sem que eles fiquem magoados, já os conheço melhor porque passei a dar importância a pequenas coisas. Estou mais perspicaz e isso reflecte-se em muitas das minhas acções. Mas, em contrapartida, já não consigo deixar de aborrecer as pessoas, não sei se isto é uma consequência de ter OED ou não, até pode nem ser, mas isso ainda vai levar algum tempo para descobrir. Consigo, em algumas situações, disfarçar a minha timidez, embora às vezes custe um pouco. Acho que as aulas de OED deviam ser para todos os alunos, porque não se trata de aprender a representar, mas sim a descobrirmo-nos e a descobrirmos os outros. Eu, apesar de tudo, só deixo que os outros descubram de mim aquilo que eu quero...

 

RAQUEL BARROS – 17 ANOS

As aulas de OED fizeram-me pensar sobre tudo aquilo que fiz até hoje, sobre a vida. Ainda bem, porque permitiu analisar e desenvolver a minha personalidade. Aprendi a compreender melhor o outro, aprendi a ser mais forte em relação ao mundo e aos outros. Quebrei barreiras e medos para aceitar-me mais com sou, lidar com as inibições de uma forma mais positiva – sinto que cresço a cada hora. Nas aulas libertei as emoções mais escondidas. Descobri que podemos comunicar e exprimir sentimentos através do corpo, porque o corpo não mente, ele denuncia-nos. Descobri que o que parece simples tem objectivos profundos e complicados. Deste modo, comecei a desenvolver e a reconhecer uma evolução na minha personalidade e na personalidade dos outros. Não posso esquecer que a confiança esteve sempre presente nas aulas de OED, e isso fez-me deixar despir a alma para enfrentar obstáculos. Consegui definir algumas fragilidades e aprendi a conviver com elas. Ao aprender a integrar-me melhor no mundo, descobri que o teatro é vida. Tudo isto fez-me encontrar mais paz interior, harmonia e calma. O teatro é vida, mas será o teatro algo bem definido e concreto? Ainda não consigo definir bem o teatro por ser tantas coisas, mas é vida.

 

SÓNIA MOSTARDINHA – 17 ANOS

Antes de ir mais além do que se pretende, poder-se-á nomeadamente começar por dizer uma frase muito importante que Peter Brook proferiu. «O teatro é um instrumento fantástico para a educação.» Todavia, em tempos anteriores, o teatro não era visto desta / 21 / forma. Era idealizado como um mundo de ilusão, de elite, visando essencialmente a arte de artifícios espalhafatosos, ridicularizados. Mas toda esta idealização é posta de parte quando se vai à raiz do teatro, ou seja, aprofundamos mais a sua origem e constatamos que o teatro não tem qualquer semelhança com os ideais estabelecidos, pois a verdadeira natureza é aquela que somente o teatro reconhece: o ser-se. O teatro baseia-se na vida, espaço e tempo concentrados, permitindo desta forma que possa sair de cada um aquilo que talvez, por uma razão ou outra desconhecidas, sem esta oportunidade permanecesse escondido. Verifica-se importante que haja no teatro sempre a verdade do actor, não a verdade dos outros, mas a verdade de cada um, para que o espectador possa acreditar no que está a ver, caso contrário todo o trabalho será em vão para se tornar um aborrecimento. Existe no teatro toda uma rede complexa de infinitas ideias. À medida que o tempo vai marcando o seu compasso nas aulas de OED, posso constatar que em cada dia que passa há algo que muda, não só connosco mas na relação com os outros. De início tudo parecia tão escuro, mas o sol foi infiltrando os seus raios por entre as barreiras da imensa "caminhada" a percorrer, tudo foi ficando cada vez mais claro e transparente, compreensível e esclarecedor. A verdade é que, parecendo que não, nós não conhecíamos o suficiente de nós próprios, ou seja, eu não me conhecia a mim própria e muito menos os outros. Por isso, à medida que as aulas passavam, através das surpresas desta disciplina, originou a colisão interior com o meu "eu" sentindo timidez umas vezes, angústia ou medo outras. Tudo isto só pode ser superado quando se descobre que tudo tem uma razão (lógica ou não) para nada acontecer por acaso. Há origem e fundamento para tudo. Foi assim que comecei a ver tudo numa perspectiva diferente, certas atitudes e posições que os outros tomaram (anteriormente tornavam-se desconhecidas com autênticos ficheiros secretos), ainda vítimas de crítica e escárnio, são agora possíveis de compreender e mais facilmente de aceitar – a sua receptividade é muito melhor. Penso que todos nós mudámos no sentido positivo; houve um desenvolvimento das nossas capacidades para uma melhor construção da Personalidade, certos "focos" que estavam muito escondidos são agora postos na "ribalta". Pessoas que aparentavam uma grande timidez, mostrando receio de fazer algo com medo do que os outros pudessem pensar, agora já não se passa, essa barreira já foi ultrapassada porque o teatro liberta o indivíduo, desenvolve-o psicologicamente e fisicamente dando-nos liberdade de expressão.

 

SORAYA AMARO – 16 ANOS

Quando escolhi OED sabia, de certo modo, o que me esperava. Mas acho que não sabia que seria tão bom. Ao começar, tenho a noção de que me espantei. Ninguém esperava que aquela sala fosse, em simultâneo, vestiário comum, oficina, palco, bastidores, confessionário e mesa de café, onde as pessoas se conhecem aos bocadinhos, onde se puxam conversas e onde com os amigos o respeito e a confiança se ganham. Uma mesa gigante onde, em vez de café, fomos ingerindo confidências e deglutindo vergonhas e receios. E muitos, muitos medos. Fomos tomando consciência de que aos olhos dos outros, somos / 22 / todos uma caixinha de surpresas pronta a abrir. Bastou saber o segredo da abertura. Com a ajuda do Duarte (perdão, em público é Professor Duarte) descobrimos as combinações certas que abriam cada um de nós e como nos usarmos no momento certo. Esse foi um efeito dos mais importantes da disciplina. Aprendi a ver para lá do que as pessoas mostram, a ouvir, não só o que elas dizem, mas sim aquilo que pretendem dizer. Porque isso era, provavelmente, o mais importante de tudo. Saber que as pessoas têm muito para mostrar, sabem disso e não são capazes de o fazer, leva-nos a ajudá-las a mostrar os seus maiores potenciais que dormitam dentro de si. Quando me foi pedido que criasse uma personagem para mais tarde a viver, tive tanto medo do que teria de mostrar de mim, dos meus desejos, das minhas vontades, que durante muito tempo não consegui decidir sobre qual seria a minha personagem. Depois percebi que essa era uma oportunidade única, e que era o melhor momento para descobrir como seria se não fosse eu mesma. Resolvi reinventar-me e foi excelente viver outra pessoa, outra realidade sem com isso deixar de ser eu. A minha personagem é aquilo que a minha verdade faz dela. Ela é exactamente aquilo que eu seria se, em vez de ser eu própria, fosse ela. A forma como tento representá-la é a verdade com que a vejo, é a imagem que tenho dela dentro de mim. E é muito bom aprender a ser capaz de exprimir a nossa própria verdade. Uma coisa que me surpreende bastante é a forma como tenho (temos todos) vindo a aprender a lidar com os complexos. Cheguei à conclusão de que não é saudável escondê-los e deixar que, na sombra, cresçam desmesuradamente. Aprender a reconhecê-los é o mais importante, tal como ultrapassá-los de uma forma o menos violenta possível e que não venha cortar radicalmente com a forma como até então nos víamos – um tempo para aprender a aceitar a nova imagem criada. Deitar no chão, no meio de uma roda de mais de duas dezenas de olhos curiosos, e esperar que estes nos observem e tirem as suas conclusões, é muito mais educativo do que ouvir depois essas mesmas conclusões. Porque o que custa verdadeiramente é aguentar vinte e tal olhos pousados, a vaguear pelo nosso corpo, a querer descobrir as nossas formas e características, o resto é fácil. Criou-se entre o grupo de OED uma união, as pessoas inscritas na disciplina tornaram-se um grupo com o passar do tempo. Compreendemos que a condição essencial para que um conjunto de pessoas se torne um grupo é o respeito, e nós temos vindo a respeitar as diferenças de cada um. Claro que existem sempre choques de ideias, de opiniões, de valores, mas temos procurado contornar essas divergências sem querer que passem em branco. O conhecimento que temos do outro nunca é total e divergências de opinião podem significar uma outra forma de conhecimento. OED levou-me a um sítio maravilhoso, ensinou-me como fazer a melhor de todas as viagens – a Viagem Dentro de Mim.

 

KINNERET ISRAEL – 17 ANOS

(aluna dos Estados Unidos da América inserida num projecto de intercâmbio escolar)

Já está quase na hora de sair de Portugal. Durante este ano vi exemplos de como eu quero viver e de como não quero nem consigo viver a minha vida. O teatro é uma das / 23 / coisas que não vou deixar para trás. A participação e a análise do teatro vão ficar sempre comigo. Aprendi muito com os trabalhos que nós fizemos em conjunto. Uma das coisas em que esta disciplina me ajudou foi na língua. Os colegas tiveram muita paciência para explicar o que estávamos a fazer; o ambiente desta aula é bom para se aprender, as pessoas não criticam os outros levianamente, o que cria liberdade e conforto para exprimir e experimentar as nossas ideias. Crescemos em conjunto para ouvirmos e aceitarmos as ideias e os compromissos. Todos temos que dar e aceitar e experimentar coisas novas. Também devido a certos jogos que nós fizemos eu desenvolvi a concentração e aprendi a confiar nos outros. Do teatro o que teve mais influência em mim foi a observação, a confiança, a criatividade e a imaginação. Tornei-me uma melhor observadora e comecei a pensar mais sobre a razão de sermos quem somos e de estarmos onde estamos. Este ano fiquei muito tempo sozinha. Quando não tinha alguém para falar ou nada para fazer, só olhava as outras pessoas como numa peça de teatro. Os melhores sítios para fazer isso são as paragens de autocarro, comboio, rua, escola, porque nestes sítios tenho que usar mais a minha imaginação. A utilização do teatro na vida real sempre dá a possibilidade para a elevação dos pensamentos e diversões em qualquer tempo e lugar. Quase todos os aspectos do teatro são importantes na vida. Mas algumas destas coisas são difíceis, tais como deixar os medos, nunca olhar para trás e tirar partido da linguagem corporal. O teatro ajudou-me a desenvolver a mentalidade e a percepção da vida, só que nem sempre consigo aplicar em relação aos outros. O que prefiro no teatro é a improvisação. O teatro mostra-nos a dinâmica dos múltiplos relacionamentos com os outros e pela observação eu já consigo ver como são as pessoas, sem se retratarem, tornando mais fácil as relações com os outros. O teatro disse-me que sempre existe alguma coisa mais depois da palavra, da acção, e é o que estou a procurar.

«Depus a minha máscara, e tornei a pô-la

Assim é melhor

Sem a máscara

E volto à personalidade como a um terminus da linha.»

ÁLVARO DE CAMPOS
 

 

Página anterior.

Índice Página seguinte.

14-23