Em tempos de paz e acalmia social
numa ridente primavera, nasceu
Narciso
na orla viçosa do Grande Lago da Luz
e, entre a curiosidade infantil e o
destemor
foi crescendo só, entre Eros e
Tânatos
passeando sem receio a ingénua
vaidade
pelo sinistro, mas atraente dédalo
do Caos
até encontrar, sem mestre, a saída
oculta.
Na tentativa de aceder ao Arcano
Alfa
perdeu-se entre as diatribes da
dialéctica
e a desconcertante ilusão da sua
húbris
até sentir dentro de si todo o
Universo
enquanto se via também nano
partícula
desse vasto e desconhecido Mundo.
Um longo, doloroso, e pestífero
inverno
abafando os zumbidos da esperança
fê-lo erguer do sonambulismo lúcido
para celebrar em união com o Cosmos
a solene liturgia, sagrada e profana
da gloriosa grandeza dos sentimentos
enquanto deixava a consciência livre
a espreitar pela frincha da porta
entreaberta
da pródiga Natureza no seu habitual
afã
entre almofarizes de augúrio e
cábulas de alquimia
a doirar frementes emoções na
retorta do Tempo
e levando à forja lingotes de poesia
abstracta
malhando-os na bigorna do
conhecimento
vivificando com amor maternal a
Essência do Ser
e reabilitando para nova vida o
corajoso Narciso.
Janeiro de 2021 |