I
Após um dia alegre e
soalheiro
O crepúsculo foi enchendo os vales
Atraindo a si os bichos da noite
E com eles um disfarçado machacaz
Cúpida avantesma arguta e nervosa
Prestes a dividir tranches chorudas
Acordadas nos esconsos da avidez.
II
Tímido, cauteloso,
ziguezagueante
Numa tosca imitação dos pirilampos
Vagueia pela escuridão já preenchida
Até ouvir o estridente grito da coruja,
O sinal para o encontro de escroques
Entre abraços e atitudes calculistas,
Debruçados sobre a mesa da bulimia
A brilhar com o cardápio da gula,
Da flatulência, dos arrotos, da azia,
Das garatujas sobre a toalha de papel
E do granel de multiplicações, divisões,
Setas cruzadas, símbolos cabalísticos
Donde pulam as cifras das veniagas.
III
Celebram o acto no
ritual do sangue
Na mudez autista do cartório tribal
Benzendo a ganância com o incenso
Que santifica e purifica a impunidade
Dos trambiques abrigados em tocas
onde dormem morcegos e vampiros
Ao arrepio de suspeitas, de indícios,
Dos raciocínios correctos e seguros
Que atacam sem constrangimentos
E reduzem a pó a aura do fingimento
IV
Na cegueira de inusitado
deslumbre
Sentem-se seguros nas suas fraudes
E, num complexo de superioridade
Fazem do cidadão comum um tolo
Por terem esquecido a velha estória
Do gato escondido com rabo de fora.
Janeiro de 2023
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