A Merca

 

Naveguei pelo mar dos mercados
De víveres, certamente, porque
Quanto ao de capitais está longe
Da minha esfera de interesses;
E, embarcado no bote da pelintrice
Lá fui num embaraçoso vaguear
Sulcando vagas e ondas de palavrões
Entre a espuma raivosa de uma revolta
Virtual, insípida, respaldada na ronha
E o desejo de acostar em segurança
Num cais sem uivos demagógicos.

Então, sem luz, sem carta, sem o leme
Nem os outros instrumentos de marear
Perdido do azimute, da rota e do rumo
Fui remediando a situação recorrendo
Ao modo do desenrasca como um fim
E, porfiando, lá fui andando à deriva
De loja em loja, de bancada em bancada
A mirar sem fulgor, a qualidade e o preço
De coisas avulsas, num basbaque doentio:
Quedei-me nos nabos. De muita qualidade
Colhidos em tempo oportuno e baratos
E pensei para comigo: - nabos? Uf! Mais?
Havia uns produtos fazendo luzir o olho
Que haviam saído do mar e me fitavam
Num convite ligeiramente pornográfico;
Saí dali dorido pela frustração recorrente.

Entretanto o bote desgovernado, adernou
E com ele lá se foram os outros aprestos;
Fiquei só, desnorteado, de alcofa na mão
Procurando algo que justificasse a viagem;
Mercadejei então, depois de algum regateio
Um bonito lote de tomates reluzentes
Lustrosos e de uma raridade espantosa
Mas caros, porque eram de importação.

Surpreso com esta desconformidade
Perguntei à vendedora em jeito de tirada:
- Oiça: não temos por cá desta qualidade?
Ao que ela condoída me respondeu:
-Não meu senhor, pode não acreditar
Há tempo que não os vemos por cá
Nem dessa qualidade nem da outra.

Março 2023

 

 

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