No
cimo das escarpas, só e desprotegido
tomado duma incrível vertigem azul
vacilo perante a negrura do precipício
entre
o deixar-me ir no vórtice do mergulho
até
ao fundo da ravina onde mora o ódio
acarinhado e protegido pela infâmia
ou
aceitar as asas que o hábito me sugere
-
sentimento desde há muito moldado
e até
já enquistado no instinto -
para
me levar junto ao místico altar
onde
a chama transversal aos povos
alumia a incongruência dos mistérios.
Hesito. Sinto o borbulhar da dúvida
e
fico preso na apreensão do trajecto:
vias
sinuosas, adentro de mares perigosos
em
voltas e reviravoltas do desconhecido
e,
nesse então, a dúvida é crescente
criando pequenos nichos de dúvida
por
dentro da fraqueza de todas as dúvidas.
Parto. Tomo a aventura por guia,
ponho
de lado a memória e a razão,
suporto as incessantes ondas de emoção
( que
nunca despega da consciência )
e
navego: ora com vento de través,
por
vezes encontro calmaria ou mar chão
e
muita bolina em vagas de medo.
A
barcaça frágil, dança temerosa
soluçando no contratempo da vida.
Cá
estou. E afastada que foi a dúvida
encontro-me perante o temível inimigo
do
qual desde sempre me quis afastar
e
agora sem margem para o não encarar.
Estamos frente a frente: eu e o egoísmo
na
tribulação, deste "ás armas ás armas"
neste
" salve-se quem puder"!!!
Ei-lo
no pódio do seu descarado esplendor
em
disfarce mas adjectivado a preceito:
execrável, hediondo, ultrajante,
agora
eivado de purificado cinismo
na
sua super execrável sem - vergonha
travestido de misericórdia ou caridade
este
hipócrita parente próximo da inveja
e
gémeo da ausência de humanidade.
Tento
encontrar a porta de fuga;
sei
que do outro lado da rua
vivem
a compreensão e a dádiva
paredes meias com a fraternidade e o amor.
Espero usufruir com alegria o convívio
e
guardar largo espaço para os que amo.
Março de 2021 |