Na modorra dos dias infindos
sedento de bulício e de paz
abro as largas portadas da janela
desta prisão domiciliária
e fico olhando o vasto espaço
que se abre à minha frente
onde o tempo alijou o vazio
com a inclemência dum assassínio;
nesse mesmo instante vislumbro
muito para além das colinas
o vulto da multidão anódina
na expectativa dum levantar de ferros
para dispersar em louco desvario
sem ordem, destino ou direcção.
No interlúdio correm rumores
alimentando a instabilidade
enquanto boatos provocam
intermitências
no descabelado desassossego
avolumando o desconhecimento
que preenche os interstícios do medo
e alonga o já desmesurado
sofrimento.
A tirania do permanentes receio
rouba o descanso, a reflexão
e aponta o poço da angústia,
mas basta pensar no seu póstero fim
para que a solidão se alegre
na esperança que tal dádiva
não passe da evanescente felicidade
duma quimera.
Fevereiro 2021 |