Covidências

 

Ato o fio partido da confiança
ligo-o à corrente da consciência,
sinto as intermitências da energia:
uma insistente frouxidão a pender
para a fronteira do desânimo
o caminho mais curto para a ordália
em detrimento dos becos da ciência.
Ligo e desligo; digo e desdigo,
e furioso volto a ligar, agora ancorado
à coragem dos momentos críticos
o plano de contingência espontâneo;
os sinais tornam-se mais inteligíveis
na fluente corrente das emoções
quando olho o espelho côncavo
acidentalmente quebrado na contenda
por confluências e divergências intangíveis,
vejo milhentas desilusões em reprise,
imagens fractais, explosões solares
de astro escondido em buraco negro
sem história, cruel, sádico, e teimoso
no seu alumiar escórias de vulcões,
estilhaços de venturas falhadas
e o agitar da tranquilidade argentina
chibatada com raiva e sarcasmo
por invisível e arrepiante tripalium.
Entretanto a humanidade cura aleijões,
seca as cicatrizes com lágrimas evanescentes
e vai agremiando as tristezas, sem medos
para as queimar no fogo vivo da esperança
de cujas cinzas nascerão outros maios
tão promissores como desejos incontidos.
Agora entro clandestino em onírica divagação
mergulho nas luminosas festanças clássicas
onde as libações vínicas eram ponto assente
passando a ser transversais a todos os tempos,
e hoje, recobrando os sentimentos de alegria
ergo o copo cheio ao celeste arco do amor
com o riso das flores no chilrear dos pássaros
em afectivo e caloroso desfile de abraços amigos
entre polifónicos cânticos da felicidade inteira.

                          Maio de 2020

 

 

30-05-2020