Aldraba partida

 

No acaso, a aldraba da porta partiu-se

deixando uma pequena abertura,

convite para ratos e pardais

atacarem o milho do celeiro.

 

Entretanto os gatos, caçadores matreiros,

não quiseram perder o ensejo

fartos que estavam de tanta rataria

babavam-se ao olharem os pardais

sonhando iguaria de luxo

ou até o remédio para a gosma;

menu que, na sua visão não iria além duma sobra

ali mesmo ao alcance da garra.

 

Os invejosos encontram na oportunidade

que é irmã gémea da

desfaçatez,

o grande fascínio pelo mediatismo

pois é nele que projectam a exaltação,

mas, pelo contrário, abominam-no

se o mesmo os retrata humilhados

ainda que por coisa reles, mesquinha.

 

No caso vertente não importa invocar o factor K,

ir pela teoria dos acréscimos finitos,

abraçar conjecturas ou explicações,

porque para aqui apenas interessa

entender a ganância atropeladora

nascida do acaso duma aldraba partida

mas que é capaz de nos tirar do sério

perante a incontornável questão vertida no axioma da lógica:

"a sobra era a sobra e a sobra era o acaso

e o acaso estava na sobra".

 

Por consequência, se no celeiro ou fora dele

aparecer gatinho ou gatarrão

dando ares de ingénua distracção,

será nesse caso presenteado

com o acaso  duma pardalesca sobra

ou não tivesse sido o acaso o culpado

pela ocasional quebra da tal aldraba?

Certo. É preciso é que o gato esteja por perto

disfarçado de turista e longe das vistas

da incómoda e indiscreta  comunicação social.

Fevereiro de 2021

 

 

24-02-2021