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por joaquim féIix

«Capitão Xico », era assim que todos nós o chamávamos.

Conhecemo-lo quando das suas primeiras viagens no arrastão «Santa Joana». A sua primeira viagem, sob a flâmula da E. P. A., foi feita em 1935, no lugre «Santa Joana», que veio a naufragar em 12 de Julho do mesmo ano. Fez, depois, duas viagens no lugre «Santa Isabel», em 1936 e 1937, iniciando, em 1938, a primeira viagem de arrosto, no «Santa Joana», onde se conservou até 1946.

Por coincidência, são chegadas precisamente nesta data as bodas de prata do velho «Santa Joana», com o seu historial de trabalho intenso, e com o seu coração velhinho – o seu primitivo motor –, que está sendo substituído por um novo que o rejuvenescerá, tornando-o apto a novas fainas. Fazemos votos para que a nova era deste navio obtenha a sua plenitude, pois a ele se deve, em grande parte, o engrandecimento e a projecção que hoje tem a Empresa que servimos.

Na segunda viagem de 1946, o «Capitão Xico» ficou em terra para prestar assistência à construção do «São Gonçalinho». Só mais tarde, em 1948, é que comandou este navio.

Foi também ele que, em 1947, foi buscar a Inglaterra os caça-submarinos «Killdary» e «Killmalcolm» que, depois de transformados em atuneiros com os nomes de «Rio Vouga» e «Rio Águeda», viriam aumentar e enriquecer a frota da E. P. A., com esta nova modalidade de pesca.

No mar, pelas versões que por vezes contavam, o «Capitão Xico» era / 11 / rude na labuta da pesca, e, quando as coisas no convés não corriam de feição, a sua voz potente era como um incentivo para aqueles que, pela primeira vez, embarcavam como «verdes» ou «moços».

Muitas vezes – diziam eles – o tamanco do «Capitão Xico» era a sua arma de ameaça, para que se maneassem a lançar as redes ou a escalar o peixe. Depois de carregado o navio e chegados a terra, todos então compreendiam que os ralhos do capitão tinham sido para bem do interesse de todos. Em terra eram todos bons amigos, esquecendo o que se tinha passado a bordo.

O nosso Amigo e Saudoso «Capitão Xico» já não pertence ao número dos vivos. Já não ouve o marulhar das ondas desse mar a quem deu quase toda a sua energia. Também já não sente a borrasca dos temporais, o sabor da brisa bonançosa, nem o piar constante das gaivotas em redor do seu navio.

Repouso agora, deixando àqueles que o conheceram e com ele lidaram, a saudade da figura e da sua bondade.

Foi nesta luta pelo mar e num enorme desejo de bem cumprir e honrar a bandeira da E. P. A. que, em Abril de 1953, foi vítima de um acidente a bordo, que originou o seu internamento no hospital de St. John's. Sofreu a amputação da perna direita, sendo substituído por seu filho, o Capitão David Manuel M. Calão.

Abraçámo-lo então, quando da sua chegada e vimos que já não era ele, aquele «Capitão Xico» que conhecemos, pois alquebrado e desanimado com o que lhe sucedeu, ficou sempre pensando naquilo que tanto ambicionava: continuar a servir a E. P. A. em terra. Afinal, como ironia do destino, os seus derradeiros dias foram de pungente saudade, de invalidez e de falta de vista.

Estamos convencidos de que o seu sacrifício foi longe em demasia. Os seus sucessores podem orgulhar-se do pai que tiveram e continuar o seu nome no trabalho e na pesca.

Para aqueles que o conheceram de perto e dele foram amigos, pedimos que recordem o seu nome com saudade. Para os novos que não chegaram a conhecê-lo, respeitem simplesmente o nome da pessoa modesta e trabalhadora que foi FRANCISCO DOS SANTOS CALÃO.

 

 

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