AO relermos há dias
certo livro consagrado aos problemas cinematográficos,
deparou-se-nos um pequeno artigo de Frank Capra, no qual nos chamou
particularmente a atenção a seguinte passagem:
«Um bom filme pode
«fazer» uma estrela, mas uma estrela não pode nunca salvar um filme
mau. Na minha opinião, a estrela é a consequência natural dos
esforços combinados de todas as células dos estúdios, que contribuem
para conseguir um bom filme.
Se o assunto, a
realização, a produção e os mil outros factores que entram na
fabricação do filme são bons, o ou a principal intérprete tem as
maiores possibilidades de atingir a celebridade, desde que,
naturalmente, ela ou ele seja a personagem do seu papel.»
Esta opinião do
conceituado realizador americano trouxe-nos à ideia a permanente
actualidade do problema do vedetismo no cinema, com todo o seu
rosário de grandes vedetas que, realmente, nunca conseguem
acrescentar a nenhum filme mais do que um aumento mais ou menos
substancial do número de espectadores.
O culto do vedetismo
pelos espectadores de cinema sugere imediatamente um desconhecimento
quase total da técnica cinematográfica.
Dirigente vários anos do
C. C. A., pude verificar a improficuidade dos esforços feitos para
elevar o nível cinematográfico dos seus sócios. Só uma minoria muito
reduzida acompanhou a nossa actividade nesse capítulo, criando a
pouco e pouco uma mentalidade de cineclubista, que lhes permite uma
apreciação conhecedora dos filmes que têm oportunidade de ver.
Causa-nos pena ouvir
tantas vezes, e quantas até em pessoas com certas responsabilidades
culturais, esta afirmação: «O filme X deve ser bom, porque é com o
actor Y e ele só tem filmes bons».
Isto revela um
alheamento incompreensível do conhecimento dos mais / 9 /
elementares rudimentos da arte cinematográfica. Um filme nunca pode
ser bom ou mau apenas porque nele toma parte este ou aquele artista.
O filme é feito com esse actor e não por ele.
Pela teoria desses
espectadores, o mérito da «Gioconda», por exemplo, não deveria
pertencer a Da Vinci, mas sim ao seu modelo. A expressão, aquele
sorriso indecifrável que tantos adjectivos tem merecido, pertence a
este e o pintor ter-se-ia limitado unicamente a fixá-lo. Ora toda a
gente sabe que esta ideia seria um disparate.
Porque não havemos,
pois, de reconhecer também que o mérito do actor no cinema é
relativo, visto que se limita a expressar para a câmara a ideia do
realizador e que terá de sequência tantas vezes um plano até que o
consiga? Porque não havemos de dispensar mais atenção ao nome que
discretamente aparece no ecrã e que é, afinal, o do responsável por
tudo que de mal ou de bom vamos ver? Teria o «Ladrões de Bicicletas»
obtido a repercussão que alcançou devido a ter sido desempenhado por
artistas que aí deram o seu primeiro passo perante as câmaras ou
porque foi realizado por De Sicca? Alcançaria o mesmo sucesso
extraordinário o «Psico», de Hitchcock, se não fosse dirigido por
este realizador? Ou suscitaria a mesma celeuma «A Morte de um
Ciclista» se em vez de Juan António Bardem tivesse sido seu
realizador um desses directores inconcebíveis que pululam no cinema
português?
Julgamos que a resposta
é dada logo que se põe a pergunta. Mas, apesar disso, este problema
continua a ser, no capítulo de educação cinematográfica do nosso
público, um dos mais instantes e merecedores de atenção.
Esperamos que os
Cineclubes possam obter a solução deste problema, se forem
devidamente acarinhados e definitivamente compreendida a sua missão.
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Uma cena do filme «Ladrões de Bicicletas», de Vittorio de Sicca, com
a descoberta de uma nova fonte dramática: a perda do instrumento de
trabalho. |
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