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Depois do jantar, tivemos a pouca sorte de nos metermos no Coliseu dos Recreios, onde assistimos às diatribes duma companhia de circo que se exibia «magistralmente» para aquela assistência muito entusiasmada e ruidosa, que tudo aplaudia e admirava, quais basbaques entontecidos e alabregados. Teias de serpentinas e nuvens de confetis e de pó, tudo de parceria com as estridências duma orquestra, própria para mimosear os tímpanos dos surdos, davam uma nota de «bom-tom» àquele ambiente dum carnavalesco Domingo Gordo. «Maravilhados» com a «grandeza» deste espectáculo, resolvemos abandoná-lo após o começo, a bem do nosso sossego, do nosso repouso.

No dia seguinte, véspera de Carnaval, dirigimo-nos, logo de manhã, para o aeroporto, a fim de tomarmos o avião que nos havia de transportar para Casabranca. Enquanto aguardávamos a hora da partida, aproveitei para escrever à minha cara-metade, comprar um livro policial e apreciar o tráfego no aeroporto, mesclado de viajantes dos vários pontos do Globo, ao mesmo tempo que os altifalantes indicavam, em diversos idiomas, as chegadas e partidas das aeronaves, advertindo os passageiros de embarcarem nesta ou naquela.

Para quem nunca tenha apreciado a azáfama dum aeroporto movimentado como o da Portela – o que a mim sucedia –, não pode deixar de ficar bem impressionado, transformando-se a sensação de perigo que se apossa do inexperiente nestas andanças, em confiante e cómodo meio de viajar.

Eis que chega o momento de embarque e não posso passar além sem confessar a emoção que senti ao pôr os pés no avião, lembrando-me das recomendações higiénicas da rapaziada e da minha mala que tinha desaparecido do meu alcance manual.

Seria bonito se surgisse o tal «desse e viesse»!...

Porém, logo que dei fé do roncar dos motores, desanuviou-se-me toda e qualquer tensão nervosa e apenas pensei que a viagem consistiria para mim, como de facto consistiu, num atractivo novo, em que se apresentaria a meus olhos o desenrolar de panoramas maravilhosos, com o esplendor colorido de toda a natura, coadjuvados pela soalheira.

Aquecidos os motores, o avião descola, toma altura, enquanto que esbelta hospedeira nos pede, como medida de precaução, para que apertemos os cintos, dando-nos caramelos contra possíveis indisposições. Pensei, novamente, nas ditas recomendações da rapaziada do escritório e, em face da boa disposição que sentia, escrevi, em papel fornecido pela hospedeira do avião, ao casal Félix, dando-lhe conta das impressões do meu «baptismo de ar», até aquele momento.

/ 25 / De cima, através da vigia, ia observando o colorido terráqueo, com cambiantes, as mais variadas, interrompido aqui e ali por fugidia nuvem. Os recortes nítidos da costa portuguesa, parte das planícies e marinhas de sal e eis-nos, agora, observando o Oceano Atlântico, rumo a Tânger. Surgem-nos, pouco depois, as paisagens matizadas do Norte de África, um tanto esfumadas pela poalha atmosférica.

À vista o aeroporto de Tânger, onde aterrámos por meia hora. Retomada a viagem, panorâmica semelhante à anterior, pedido da hospedeira para apertar os cintos, o avião a aterrar e, enfim, a apearmo-nos no aeroporto de Casabranca, ao meio dia e meia hora, pouco mais ou menos.


 

Esperava-nos, no aeroporto, com o seu « Renault», o adjunto do gerente da nossa fábrica, Sr. Francisco Pires, oriundo do Algarve e há muito radicado em Agadir. Cumpridas as formalidades na alfândega, fomos almoçar ao Hotel Marhaba, cujo restaurante se encontra no oitavo andar. Dali se descortina quase toda a cidade de Casabranca, dividida pelas medinas de índole tipicamente árabe e pela urbe europeia, com edifícios bem delineados e alguns arranha-céus. Avista-se dali também o porto de mar, muito importante, com as suas instalações, donde sobressaíam guindastes e todos os meios necessários ao tráfego, formando como que um emaranhado de linhas negras junto ao cais.

Alguns navios ali ancorados e outros sulcando a toalha líquida do Atlântico, rumando aos seus destinos.

Cá em baixo, nas imediações do Hotel, algumas cercas de madeira indicam prévio estudo de novas construções a edificar proximamente. Ao atentar nisto, reparo que alguns indivíduos, andrajosamente vestidos, se encontravam dentro daquelas cercas, uns a dormir, outros a espreguiçar-se ao sol quente daquela primeira hora da tarde.

 

 

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