RECORTES (DISPERSOS) DE JORNAIS

Formam-se bichas nas bilheteiras do Rivoli. Depois da Casa da Imprensa e do Livro, patrocinadora dos três espectáculos do Corpo Cénico do Clube dos Galitos de Aveiro, chegou a vez do grande, moderno, cómodo e elegante teatro de benemérito Pires Fernandes. O Porto, preparado pelos êxitos conscientes de Lisboa, quer ver, não dispensa a fantasia regional "Môlho de Escabeche", peça colorida, alegre, movimentada, moça, desempenhada por raparigas gentilíssimas de Aveiro e por rapazes de fidalgo aprumo. O Clube dos Galitos, fiel à sua honrosa e honrada tradição, continua a servir, nobremente, a terra que lhe foi berço. E mantém álacre a sua grande divisa, verdadeira legenda dourada — "Cantam alto e quando entendem". 

Damos a boa nova com grande e grata alegria. É certo, certíssimo. O Clube dos Galitos vem ao Porto. Vem — já anunciou a Casa da Imprensa e do Livro — e traz-nos a sua última e lídima criação artística, a fantasia regional em 2 actos e 26 quadros, "Môlho de Escabeche", original de António J. Flamengo, com lindos e sugestivos versos do Dr. Luiz Carlos Regala, música de João Lé — um grande nome em composição — e uma valsa de Nóbrega e Sousa. A nova é certa, certíssima. Dentro de poucas semanas, talvez dias, esse excelente grupo de raparigas e rapazes virá dar-­nos, com um ar da sua graça, a certeza de que o teatro, entre nós, é ainda uma vigorosa realidade. 

A gente do "Môlho de Escabeche" não faz negócio, não faz profissão — vive em apostolado, rapazes e raparigas comungam o mesmo credo de beleza. Venceram em Aveiro, a sua cidade, desmentindo o aforismo de que ninguém é profeta em sua terra. Em Lisboa, de grandes exigências artísticas, o triunfo foi rútilo — artisticamente. O Coliseu encheu, a despesa foi grande. Mas os Galitos, que vivem mais pelo espírito do que pelo corpo, deram-se por satisfeitos com a vitória literária.

Na representação de "Môlho de Escabeche" não houve excepções à regra. E a regra geral foi esta: todos andaram bem, todos foram pelo melhor, todos mostraram alma. Gente de Aveiro — como não havia de viver, de sentir uma peça em que Aveiro, a região de Aveiro, é a personagem-protagonista, a principal personagem?

Lourdes Teles, Ângela de Jesus, Laura Albuquerque, Ester Amaral, Adelaide Ferreira, Maria do Céu Lourenço, Virgínia Calisto, Democracia Graça, Júlia de Lemos — receberam fartos aplausos. Das ovações partilharam, com toda a justiça, Mário Teles, Firmino Costa, José Duarte Vieira, Agnelo Coelho, Sebastião Amaral, António J. Flamengo — o autor, F. Moraes Sarmento e Luís António. Os coros tão certos iam apurados, notas de lirismo, de alegria e de cor, não foram esquecidos. Aveiro, que sabe o que deve aos Galitos —, é grata. Traduz a sua gratidão na veemência dos aplausos, na febre das palmas.

Pouca gente se terá dado uma ideia exacta, concreta, do que é, do que representa, do que vale o esforço do Clube dos Galitos. Aveiro deve ter orgulho nessa agremiação.

O que é surpreendente nos "Galitos" é o cuidado que lhes merecem as manifestações artísticas e culturais. Sem desprezar o corpo — não desmerece do espírito. Mens sana in corpore sano é a legenda que lhes assenta à maravilha.

A fantasia regional "Môlho de Escabeche" que sob o patrocínio do "Jornal de Notícias", brevemente será representada no Porto, num dos nossos maiores e melhores teatros, documenta eloquentemente o esforço material e artístico do benemérito Clube. Intérpretes — actores, actrizes, coristas — são de Aveiro, gente modesta, gente de trabalho. São de Aveiro os autores — José Flamengo e Dr. Luíz Carlos Regala — os compositores — João Lé e Nóbrega e Sousa — o ponto, o contra-regra, os electricistas. Em Aveiro se fez a montagem — que obteve no Coliseu de Recreios, o mesmo sucesso inicial. São de Aveiro os músicos, 28, formando uma orquestra privativa, inconfundível. Quer dizer: Para representar "Môlho de Escabeche" mobilizaram-se mais de 100 pessoas! Na capital, onde os "Galitos" estiveram três dias — correspondentes a três enchentes no Coliseu dos Recreios — causou impressão tão grande esforço. Felizmente, esse esforço não se perdeu. Os "Galitos" honraram Aveiro, dando um grande exemplo a Portugal!

 No "Môlho de Escabeche" não se fala calão, fala-se a língua portuguesa. Rude, sincera e franca, quando na boca da brava gente do mar e da ria — mas isenta de máculas e de obscenidades. Essa é a grande glória dos seus autores — e dos seus intérpretes. O poema compõe-se de poesia. Não sorriam! É que, por feio hábito, há quem chame poemas a certos desconchavados em prosa rimada. No "Môlho de Escabeche", nobre e bela Embaixada que Aveiro manda ao Porto, a poesia está nos versos — e na alma da grei.

Os autores do "Môlho de Escabeche" procuraram, sobretudo, oferecer ao público um espectáculo pleno de movimento e interesse, traduzir em cena tantos e tantos motivos e costumes típicos da gente da Beira­-Mar. E manda a verdade que se diga que o conseguiram por forma brilhante. Não abundam os ditos equívocos e as facécias pretendidamente espirituosas que estamos acostumados a ouvir em espectáculos semelhantes. Mas essa "falha" só depõe a favor do critério que presidiu à elaboração da curiosa fantasia-regional. Não admira pois que se atendesse preferencialmente aos aspectos coreográfico e musical, desprezando, um pouco, as partes declamadas.

 

 

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