Acesso à hierarquia superior.

Nas BODAS DE DIAMANTE
da Associação Humanitária
dos Bombeiros Voluntários de Aveiro

 

75 anos
de altruísmo

pelo Dr. HUMBERTO LEITÃO

 

NOS tempos idos, e por mercê de Deus, poucas vezes Aveiro sentiu a tragédia do fogo, o terror dos grandes incêndios. Podem contar-se: em 1628, no Paiol, na antiga Capela de S. João, no Rossio, havendo mortes; em 1712, na sacristia do Convento de Santo António; em Outubro de 1843, no Convento de N. S. da Misericórdia; em 20 de Julho de 1864, no antigo Palácio dos Tavares, senhores de Mira, construído em 1500, que fora o Paço dos prelados do Bispado de Aveiro, na rua dos Tavares, e onde, desde 1849, se achavam instaladas as repartições do Governo Civil; e em 19 de Novembro de 1865, na estação do caminho-de-ferro, inaugurada no ano anterior.

Admiração pelo sacrifício e pela coragem

Há muitos anos já, desde que pisei terras de Aveiro, que nutro profunda simpatia e admiração pela Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários, que agora festeja o 75.º aniversário da sua fundação. Esta admiração é-lhe devida não só por mim, mas também por parte de todos os aveirenses que saibam avaliar o sacrifício alheio, que reconheçam a abnegação de um punhado de homens que, com risco da sua própria vida, acorrem pressurosos a salvar a vida e os haveres dos seus semelhantes não importa quem nem onde. Uma tal benemérita instituição, cujos servidores levam tão longe o espírito de sacrifício e o sincero desinteresse material, não pode deixar de ser acarinhada, auxiliada e admirada por todos, seja qual for a sua índole ou condição. Estou seguro de que ninguém regateia louvores a esse sacrifício e deixa de prestar homenagem ao valor, abnegação e coragem dos nossos Bombeiros.

Setenta e cinco anos de incansável actividade, impregnada de humanitarismo, é a maior folha de serviços que uma instituição desta natureza pode apresentar. Daqui a saúdo por esta feliz data e presto sincero culto aos seus fundadores e continuadores.

Paços do Concelho, 3 de Janeiro de 1957

ÁLVARO SAMPAIO

Talvez por isso mesmo, por essa feliz raridade, apenas em meados do século passado apareceram aqui os primeiros apetrechos para combater o fogo, rudimentares, pequenas bombas braçais de escasso rendimento, propriedade municipal — no momento próprio postas à disposição do público que, generosa e voluntariamente, acorresse ao local do sinistro.

Desse público, benemérito anónimo, disposto ao sacrifício máximo nos momentos de perigo, suprindo largamente com o coração e com os músculos o que lhe faltava em preparação técnica, encontramos fiel retrato na magnífica e viva descrição, dada por um jornal aveirense da época, do pavoroso incêndio que, na noite de S. João do ano de 1871, destruiu completamente um dos melhores edifícios de Aveiro, o Palácio dos Viscondes de Almeidinha:

«.... Eram 2 horas e meia da madrugada. A noite, até ali ventosa, estava serena, girando apenas uma tépida bafagem. Aqueles que se tinham entregado aos divertimentos próprios da ocasião, haviam-se recolhido. Tudo jazia em silêncio. Neste momento, um sinal sinistro e que, felizmente, poucas vezes se ouve entre nós, despertou os habitantes, de improviso: — eram toques acelerados de incêndio, dados não só nas torres dos diferentes templos e conventos da cidade, mas também na dos Paços do Município. O palacete do Sr. João Carlos / 6 / do Amaral Osório, Visconde d'AImeidinha, situado no Terreiro, ardia de uma maneira que dificilmente se tornava salvá-lo.
 

«O incêndio manifestou-se a um canto da casa do segundo andar, do lado de sudoeste, e as rubras chamas, lambendo com incrível rapidez quanto encontravam, aproximaram-se do cume do edifício em pouco minutos. Houve, então, uma dessas cenas medonhas que aterram quem as presencia: o ígneo elemento assumia proporções terríveis, e as línguas de fogo, flutuando envoltas em espesso fumo, subiam a grande altura. Dir-se-ia o Etna, vomitando, de seu seio, ardentes lavas. Após isto, uma detonação longa e medonha, e baqueia o tecto daquela bela casa, seguindo-se-lhe um estrépito rouco e pavoroso.

Daí a pouco brilhava a flama ardente por entre as vidraças, e estas, não podendo suportar o fogo, estalavam umas após outras. Viam-se, então, as chamas, como farpadas línguas de serpentes, a saírem pelas diferentes janelas, parecendo quererem devorar, naquela precipitação assoladora, quanto lhes obstava a passagem.

Dr. Humberto Leitão
Presidente da Direcção


«Era um espectáculo sublime de horror e desolação!

Ao local do incêndio logo afluiu gente de toda a parte. Ali se viam as pessoas mais gradas da cidade, e entre elas os Srs. Governador Civil, Administrador do concelho, e seu secretário, e o destacamento aqui estacionado, com toda a    oficialidade, que compareceu logo no Terreiro.

«Apareceram também bombas, que prestaram serviço, mas no estado em que o fogo se achava, impossível era salvar o edifício. Obraram-se ali prodígios, e muitos indivíduos arrostaram com a morte para salvarem o que podiam.

«É nestas ocasiões críticas que se revela o génio prestante dos habitantes desta cidade. Mancebos ali apareceram, e homens já de idade, tão corajosos que entravam e saíam na casa a salvar móveis e o que encontravam, com tal denodo, que nem os intimidava o fogo a crepitar por sobre suas cabeças. Era o heroísmo e a vontade inabalável de ser útil à humanidade.

«Daquele belo edifício — onde tantas festas beneficentes se realizaram, e onde o luxo, o fausto e a sumptuosidade rivalizavam com as riquezas assombrosas do Conde do Farrobo, — apenas restam as paredes desmanteladas e em ruínas, com as janelas sem portas, e enegrecidas pelo fumo. Assemelha-se aquele palácio, que era um dos formosos ornamentos de Aveiro, a um esqueleto, com as fauces escancaradas, despertando a mais séria reflexão nos que o contemplam!

(De “O Campeão das Províncias”)
 

Este impressionante incêndio ficou, por muito tempo, na lembrança da nossa gente, e ainda a sua trágica recordação se não havia desvanecido quando, na madrugada do dia 12 de Janeiro de 1882, um novo e gravíssimo sinistro — então no Convento de Sá — alarmou a cidade, a ponto do Presidente da Câmara Municipal, Manuel Firmino de Almeida Maia, em sessão nesse dia efectuada, e atentas as precárias circunstâncias em que o Município se encontrava em relação ao material de extinção de fogos, que possuía, que não satisfazia as necessidades, propor a aquisição urgente de «uma bomba nas condições precisas para bem servir, e também dos mais aprestes que são indispensáveis em casos tais, como escadas, machados, baldes, escadas de salvação, etc., tudo, finalmente, o que a ciência aconselha no que respeita ao serviço de extinção de incêndios». Esta proposta foi aplaudida, com entusiasmo, por toda a Câmara, que sugeriu ainda a urgente formação de «um corpo de bombeiros voluntários, capaz de desempenhar-se satisfatoriamente do encargo que tão nobre e elevada missão impõe».

Assim nasceu, naquele dia, a primeira corporação de bombeiros de Aveiro. Tomou, de início, o nome de Companhia de Bombeiros Voluntários, para mais tarde se designar por Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Aveiro.

Da sua fundação legal dá conta a acta seguinte:
 

/ 7 / «Às doze horas da manhã do dia 28 de Novembro de 1882, na sala das sessões da Câmara Municipal, achando-se reunidos os indivíduos que assinam, tomou a palavra o cidadão Francisco Augusto da Fonseca Regala, e disse que tendo sido procurado, em nome dos indivíduos presentes, por uma comissão composta dos cidadãos José Maria de Carvalho Branco, Manuel Homem de Carvalho e Christo, José Vieira da Costa, Fernando Homem de Christo e José de Azevedo Leite, a fim de o convidarem a acompanhá-los na organização de uma Companhia de Bombeiros Voluntários — que eles, a pedido da Câmara Municipal deste concelho, desejavam constituir, para se exercitarem no manejo das máquinas e demais material que o Município possui, destinado à extinção de incêndios, e dele se servirem quando alguma destas calamidades se manifestem no concelho, concorrendo com os seus esforços e trabalho para a debelação dessas calamidades, — estava pronto, não só a fazer parte dessa Companhia, mas para, com o seu auxílio e boa-vontade, concorrer para que tão generosa ideia fosse por diante.

 

Disse mais que a mesma comissão o encarregara de redigir um projecto de Estatutos, que fossem depois competentemente aprovados, a lei da mesma Companhia; e que desse encargo se desempenhara o melhor que poderá, e vinha apresentar o seu trabalho à aprovação da assembleia presente nesta sala.

Em seguida propôs que eu, Francisco de Pinho Guedes Pinto fizesse nesta reunião, e desempenhasse as vezes de secretário, o que, sendo aprovado pela assembleia, procedeu o mesmo cidadão, Francisco Regala, à leitura do projecto de Estatutos, o qual, sendo posto à discussão, foi unanimemente aprovado pela assembleia, e em seguida assinados três exemplares deles para serem remetidos à Câmara Municipal, a fim de por ela serem aceites, na parte que lhe dizem respeito, e depois enviados à autoridade administrativa para a aprovação legal.
 


Augusto Pinho Varela
Secretário da Direcção


Dr. João Lapa de Oliveira
Tesoureiro da Associação

Deste modo deu-se a Companhia como provisoriamente constituída, devendo-se regular pelas disposições dos mesmos Estatutos deste dia em diante, e declarando-se logo que, desde que o projecto agora aprovado não sofra alteração alguma da parte da Câmara Municipal ou da autoridade administrativa, se considerem como definitivas as resoluções nesta sessão tomadas.

Depois disto propôs o mesmo cidadão, Francisco Regala, que vista esta resolução da assembleia, julgara conveniente que imediatamente se procedesse à eleição dos cargos da Companhia, o que, sendo aprovado pela assembleia, logo se efectuou por aclamação, com o seguinte resultado:


          Comandante
— Francisco Augusto da Fonseca Regala

                     Na 1.ª secção:
    Primeiro Patrão
— José Maria de Carvalho Branco
        Segundo dito
— José Vieira da Costa

                     Bomba n.º 1:
    Primeiro agulheta
João de Oliveira Christovam
            Segundo dito
Manuel Tavares da Graça
    Primeiro ajudante
Rufino de Sousa Lopes
            Segundo dito
Manuel da Rosa

                     Bombas n.º 2 e 3:
    Primeiro agulheta
João Augusto de Sousa
            Segundo dito
José Bernardes da Cruz

                     Na 2.ª secção:
    Primeiro Patrão
— Manuel Homem de Carvalho e Christo
        Segundo dito
— Fernando Homem de Christo
               Aspirante
Manuel da Rocha
    Director de ambulância
João Bernardo Ribeiro Júnior
               Fiscal de material
— Francisco Pinho Guedes Pinto

 

/ 8 / Em seguida, cada um dos eleitos agradeceu à Assembleia a confiança neles depositada, acrescentando o Comandante que, nas atribuições do cargo que lhe tinha sido conferido, desde já determinava que começassem os exercícios da Companhia, aproveitando assim o auxílio que a Câmara Municipal ofereceu, influindo para que viesse a esta cidade o segundo patrão da Companhia dos Bombeiros Voluntários do Porto, Sr. José Rodrigues Barrote, expressamente para instruir a Companhia no serviço a que se destinava, e que, estando já entre nós o mesmo senhor, era necessário aproveitar as suas lições, — e propôs que, nesta acta, se mencionasse a gratidão com que a Companhia recebia mais este auxílio da Câmara Municipal, bem como os serviços que o sr. Barrote, generosa e dedicadamente ia prestar à mesma Companhia.


José Rodrigues Vieira
Vogal da Direcção

E não havendo mais que resolver se encerrou a presente sessão preparatória, de que se lavrou a presente acta, que vai ser assinada por todas as pessoas presentes, depois de lida por mim Francisco de Pinho Guedes Pinto, servindo de secretário da Companhia, que a escrevi e também assino.

aa) Francisco Augusto da Fonseca Regala, Manuel Homem de Carvalho e Christo, José Maria de Carvalho Branco, José Vieira da Costa, Júlio da Rocha, Manuel Ferreira, José d'Azevedo Leite, Fernando Homem Christo, José Marques d' Almeida, José Bernardes da Cruz, João Augusto de Sousa, Manuel da Rosa, Manuel Tavares da Graça, Rufino de Sousa Lopes, João de Nunes da Maia, Miguel dos Santos Gamelas, João de Oliveira Chrisostomo, João António da Graça, Sertório Maria Afonso, João da Silva J.or, Francisco Ferreira, António Marques d' Almeida J.or, João Bernardo Ribeiro J.or, Anselmo Ferreira, António Duarte dos Santos Gamelas, António de Sousa Marques, Júlio da Rocha, Jerónimo Marques d'Oliveira, Luís Benjamim, Manuel da Rocha, e Francisco de Pinho Guedes Pinto.

Um mês depois, exactamente, em 28 de Dezembro, com a aprovação oficial dos estatutos, ficou a Companhia legalmente constituída; e, no dia imediato, pelas 11 horas da manhã, na «casa que serve de estação das bombas e máchinas», com a presença do Presidente da Câmara, Manuel Firmino de Almeida Maia, procedeu-se à entrega do material de incêndios que a Câmara possuía. (Cabe referir aqui que foi com a Câmara de Dr. Bento Rodrigues Xavier de Magalhães que, em 1858, vieram para Aveiro as duas primeiras bombas de incêndio).


João Soares
Vogal da Direcção

Começou, então, uma fase de preparação intensa levada a cabo com indescritível entusiasmo. O público, chamado a colaborar nesta obra de interesse colectivo, animou, com a sua presença, o «Grande Bazar», levado a efeito, no Jardim Público, em 3 de Maio de 1884, por iniciativa dos Srs. Duarte Ferreira Pinto Basto J.or, Carlos Faria e Melo, António Ferreira de Araújo e Silva, João da Silva Melo Guimarães, António Augusto Duarte e Silva, João Augusto Marques Gomes e Francisco Vitorino Barbosa de Magalhães. As filarmónicas Amizade, Aveirense e da Vista Alegre, participaram graciosamente; o Montepio emprestou os seus pavilhões; e a população contribuiu com prendas para esta festa, que rendeu a importante quantia de 361$220 réis.

O esforço daquele punhado de homens que, voluntariamente, se comprometera a velar pela vida e / 9 / pelos bens do semelhante, por todos era compreendido e animado. Assim...

«...O Governo Civil, tendo conhecimento do modo brioso com que a Companhia se portara no terrível incêndio que, na noite de 15 de Novembro de 1884, tivera lugar nas casas de habitação de José António de Resende, à Costeira, e dos relevantes serviços ali prestados pela mesma Companhia que, com grave risco e perigo de algumas das suas praças, conseguira, a muito custo, evitar que o fogo se propagasse às casas vizinhas, por isso e por julgar um dever da sua parte, desejava saber quais as praças que o Comandante entendia deverem ser condecoradas, pois que não podia pedir ao Governo condecoração para todas elas, como de toda a vontade faria, se fosse possível».

Pelo mesmo motivo, igualmente a Câmara Municipal, pelo seu presidente, felicitou a Companhia, agradecendo-lhe em nome da Cidade, os serviços que tão honrosa e arriscadamente lhe prestou.

Em resposta, a Companhia absteve-se de indicar os nomes das praças a condecorar, porque essas distinções poderiam produzir rivalidades e promover a desarmonia entre os sócios. Para seu prémio lhe bastava a satisfação de terem cumprido, cada um na medida das suas forças, como um dever que, voluntariamente e da melhor vontade, se impuseram. Além disso, seria difícil distinguir os que mais serviços prestaram, pois todos se portaram denodadamente.

Em Janeiro de 1887 — sendo de 40 homens o efectivo da Companhia — a Câmara da presidência do Dr. Elias Fernandes Pereira resolveu conceder uma pensão pecuniária aos bombeiros, alistados há mais de um ano, que se inutilizassem no serviço de extinção de incêndios, ou às suas viúvas, entregando a Câmara à Companhia os juros de 2 inscrições de 100$000 réis.

Em Fevereiro de 1888, o Dr. Joaquim de Melo Freitas foi nomeado Comandante, cargo que foi posteriormente ocupado pelo Sr. Carvalho Branco, em 1893, pelo Sr. João Bernardo Ribeiro Júnior, em 1895, e pelo Sr. Manuel Gonçalves Moreira, em 1897.

Conveniências da vida interna da Companhia levaram-na à dissolução, em Dezembro de 1898, transformando-a na ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE AVEIRO. A mesma gente, o mesmo material, iguais fins altruístas, — com novos moldes orgânicos, nova estrutura estatuária, e nova designação, — numa palavra, independência da tutela municipal, embora a Câmara, como era de justiça, auxiliasse com um subsídio anual.

Nos documentos da época aparecem como renovadores, os nomes de Manuel Gonçalves Moreira, João de Morais Machado, Manuel da Rocha, Luís Benjamim, João da Silva J.or, Teodorico Augusto da Silva, Firmino Fernandes, Manuel Ferreira, Manuel de Matos Bandarra, Pedro Soares, Joaquim dos Santos Gamelas, José Maria Pereira, Jerónimo Marcos de Carvalho, Lourenço de Oliveira Brandão, Isaías de Albuquerque, Abel Ferreira, João do Amaral Fartura, Ângelo Augusto Sérgio, João Pinto de Miranda, José Pereira Carvalho, Domingos Vieira Guimarães, Gaspar Augusto da Cunha e João Augusto de Mendonça Barreto.

A nova Direcção reuniu pela primeira vez no dia 25 de Janeiro de 1899, sob a presidência do Sr. Dr. Joaquim Simões Peixinho.

A Câmara Municipal, do Dr. Álvaro Moura Coutinho de Almeida d'Eça, deu facilidades e permitiu que o Quartel ficasse instalado numa antiga arrecadação camarária, na Rua de Santa Catarina, junto do Teatro Aveirense, com a condição da Associação alugar, por sua conta e por 12$000 réis semestrais, um armazém onde se fizesse arrecadação. Então, pela primeira vez, contratou-se um contínuo ou chaveiro, mediante concurso e fiança de 50$000 réis, o qual vencia o ordenado mensal de 9$000 réis.

/ 10 / Nesse ano, sob um certo desafogo económico, efectuaram-se as seguintes aquisições:

— 150 metros de mangueira de lona, a 450 réis o metro;
— 1 bomba de chaminé, por 16$820 réis;
— 5 lanços de escada Portuense, por 60$000 réis;
— Bonés, por 1$000 réis;
— e uma mobília para a Sala das Sessões, por 25$000 réis;

Em 1909, graves desinteligências perturbaram a vida da Associação, e delas resultou a fundação, pelos elementos dissidentes, de uma nova corporação de bombeiros: — a Companhia de Salvação Pública «Guilherme Gomes Fernandes». Mas este incidente, longe de quebrar ânimos, mais ainda os acicatou.


Dr. António Peixinho
Médico do Corpo Activo


Em Novembro de 1908, a Associação comparticipou nas grandes festas de recepção ao Rei D. Manuel II; e, em 19 de Dezembro de 1909, assistiu à inauguração do obelisco da Praça do Comércio.

Francisco Ferreira da Encarnação era o Comandante em 1911.

Em 1913, inteiramente debelada a crise por que se passara, logo se pensou em melhoramentos. Em reunião de 10 de Setembro foi resolvido comprar um carro de escadas «Magyrus», de modelo pequeno e barato visto as condições das ruas da cidade não darem largura suficiente para modelo maior; e à Câmara foi pedida, entretanto, a construção de um novo quartel, visto o actual não se encontrar em condições e, além disso, não ter o espaço suficiente para arrecadar a escada «Magyrus» que se ia adquirir. A escada chegou em Março de 1914, mas, como não havia onde arrecadá-la, foi levada para as ruínas da igreja da Vera-Cruz. Erradamente supunham tê-Ia, ali, em bom abrigo, pois que, uma noite, forte ventania a fez voltar, partindo-a. Talvez por este acidente, a construção do novo quartel não demorou.

Em 1915 era Comandante o Sr. Júlio Cabral, que, abandonando o cargo dois anos depois, deixou a substituí-lo o 2.° Comandante Sr. Firmino Fernandes. Este cargo, efectivo, foi ocupado, em 1921, após algumas tentativas de fusão de ambas as Corporações, pelo Sr. Isaías de Albuquerque.

Em 1925, tomou posse a Direcção da presidência do Sr. Ricardo Mendes da Costa, que, no ano seguinte, adquiriu a primeira moto-bomba, para substituição da antiquada e pouco rendosa bomba braçal. Os gestos de generosidade tornaram-se frequentes; de resto, as necessidades crescentes duma cidade em franco aumento impunham a urgente modernização de todo o material existente. As viaturas eram braçais: — os próprios bombeiros, auxiliados pelo garotio, que sempre acorria, eram quem puxava, até o local do sinistro, os carros que conduziam o material, donde resultava, além de tão abnegado ridículo, um cansaço antecipado dos que iam trabalhar com grande responsabilidades. Três aveirenses dedicados, grandes amigos da Associação, contribuíram, na altura, para a almejada renovação: — o Sr. Egas Salgueiro, oferecendo, em Setembro de 1927, um automóvel «Humber», para ser adaptado a pronto-socorro; — o Sr. Dr. José Maria da Silva, fazendo, em Abril de 1928, idêntica oferta; e o Sr. Dr. António Nascimento Leitão, em / 11 / Fevereiro de 1938, dotando a corporação com uma auto-ambulância, para o transporte de feridos.


Padre Manuel C. Fidalgo
Capelão

O Governo da Nação, reconhecendo os valiosos serviços prestados pela Associação, distinguiu-a, em 16 de Março de 1929, com a comenda da ORDEM DA BENEMERÊNCIA; e, em 10 de Agosto de 1932, considerou-a INSTITUIÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA.

Nova viatura pronto-socorro foi adquirida em Outubro de 1932.

Em 1934, o comando foi entregue ao Sr. Tenente Alberto Daniel Machado, lugar que ocupou até 1936, para ceder a vez ao Sr. Firmino Fernandes, elemento valiosíssimo, a quem, em 1944, pouco antes da sua morte, foi prestada pública e solene homenagem, a quando do cinquentenário da sua vida de bombeiro.


Marino Sousa Moreira
foi o comandante seguinte. Tomou posse em 14 de Março de 1945; graças a ele, adquiriu-se em Londres a magnífica sereia de alarme que está a funcionar desde 6 de Setembro de 1946, graciosamente instalada, pelos Serviços Municipalizados de Electricidade, no telhado do Quartel, — acabando-se, assim, com o anacrónico sistema do toque do sino da torre dos Paços do Concelho.

Entretanto, a nova Direcção, empossada em 1 de Fevereiro de 1943, e ainda em exercício (aparte ligeira mudança de estrutura), substituiu toda a mangueira inutilizada no grande incêndio do Governo Civil, em 16 de Outubro de 1942, — exactamente no mesmo local onde ardera o Palácio dos Viscondes de Almeidinha, atrás referido —; reorganizou a esquecida CAIXA DE SOCORROS, de auxílio pecuniário ao bombeiro, garantindo-lhe ainda assistência médica e medicamentosa em doenças adquiridas fora do serviço; conseguiu da Câmara Municipal o seguro contra acidentes, para todo o pessoal do Corpo Activo; adquiriu uma agulheta de espuma, e respectivas cargas, para incêndios de gasolina, óleos e aguarrás; modernizou os pronto-socorros, blindando um deles; comprou uma moderníssima e potente moto-bomba Escol; renovou todos os fardamentos; criou uma escola de aspirantes; e, não esquecendo a função social que lhe é devida, organizou, em 1952, a ÁRVORE DO NATAL DA CRIANÇA POBRE, que foi um êxito.

Ao Sr. António Folhadela de Melo, técnico distintíssimo, que comandou a Corporação a partir de 15 de Julho de 1947, se ficaram a dever muitas inovações, ainda mantidas e muito apreciadas.

Em Março de 1949, alguns pequenos subsídios, e os donativos de uma subscrição de que se encarregaram as telefonistas desta cidade, por iniciativa da sua chefe, Sra. D. Alcina dos Santos Gil, e que rendeu esc. 12.500$00, permitiu com os bons ofícios do Governador Civil de então, Sr. Coronel Dias Leite, e um importante subsídio do Governo — adquirir uma nova ambulância, de 2 macas e assaz confortável, que útil e copioso serviço tem prestado a toda a população.

Por afastamento do Comandante Folhadela, e por parecer do digno Inspector da Zona Norte, foi nomeado para o exercício daquele cargo, em 21 de Agosto de 1950, o Sr. Albano Henriques Pereira, dedicadíssimo elemento, que, há muitos anos já, e em vários cargos directivos, vinha servindo a Associação.

É já longa a vida desta ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA, se a compararmos com os limites acanhados da vida humana; mas da vida humana só ela tem as consequentes dificuldades materiais de sobrevivência — porque a sua duração, função do auxílio no perigo, será infinita, como infinita é, no coração do Homem, essa magnífica virtude que se chama ALTRUÍSMO.

           Janeiro de 1957

HUMBERTO LEITÃO
 

Índice da publicação.Cimo da página.Página anterior.Página seguinte.