Mensário do 7º D

  Sal de Aveiro  ▲

Junho 93

Nº 5


As obras do Porto de Aveiro e as implicações na área do Salgado

Reportagem por Patrícia Ribeiro e Júlia Santos

Ouvimos a Eng.ª Civil Ana Maria Nogueira de Lemos, que chefia o Departamento dos Recursos Costeiros da Junta Autónoma do Porto de Aveiro.

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S. A. – Por que é que escolheram este local para a construção do porto?

A. L. – Pela acessibilidade criada pela proximidade da barra. O porto divide-se em cinco áreas: um porto de pesca costeira, um porto industrial, um porto de pesca longínqua e agora tem dois terminais comerciais – o porto comercial do Norte e a parte que se está a desenvolver que é o novo porto de pesca costeira. Estes é que hão-de justificar o local, em função da entrada da barra.

S. A. – Quais foram as perturbações introduzidas na costa pela construção do porto?

A. L. – Houve, efectivamente, uma perturbação inédita na construção dos molhos à entrada directa da barra, e há uma necessidade de uma construção de outros para que as embarcações possam entrar com alguma segurança. A construção desses fez algumas alterações, na medida em que, por um lado, existe um movimento de transporte de sólidos ao longo da costa, predominantemente de norte para sul e, por outro, a intersecção desse fluxo por um molhe que leva à reposição dos inertes do molhe norte. Reconhece-se, consequentemente, a falta desses inertes do molhe sul, enfim, um mal que se torna necessário por causa da segurança da entrada da barra.

Para além disso, é preciso fazer dragagens, porque, neste porto os fundos são de areia, e tem de se remover as areias até que haja fundos suficientes para os barcos entrarem e a ria não possui esses fundos, naturalmente. É indispensável a execução de obras para tornar funcional o porto.

S. A. – A construção do porto não terá afectado as marinhas?

A. L. – A construção do porto em si, não. O aumento da quantidade de água que entra com as marés, na ria, pelo facto de se terem aprofundado os canais e de se haver facilitado a entrada desses caudais de água é que afectou as marinhas, de algum modo, na medida em que aumentou o nível máximo da preia-mar dentro da ria.

S. A. – Isso não poderia ter sido evitado?

A. L. – Não, porque as obras feitas não podiam ser evitadas.

S. A. – O porto deu subsídios aos proprietários das salinas para reconstruírem as áreas afectadas?

A. L. – Não, vocês sabem que a subida do nível das águas não foi só provocada pelas obras do porto. Há uma previsão e uma medição que é concreta, que antevê a elevação média do nível do mar, e apesar de neste caso pontual da intervenção do homem. Mesmo sem esta intervenção o aumento do nível das marés ia dar-se de alguma forma, embora não tão rapidamente.

S. A. – Os produtos lançados à água pelas embarcações não poderão pôr em risco a qualidade do sal?

A. L. – Não, a produção do sal diminuiu muito, não pelo porto ou pelos efeitos das marés, mas, essencialmente, pelo custo, pois há muitos mais países que produzem sal a preços muito mais / pág. 3 / competitivos. Até dentro do país, o único sal que tem um preço relativamente competitivo é o do Algarve. As nossas marinhas não revelam capacidade de serem trabalhadas por um processo mecânico, tudo é feito manualmente e é muito mais dispendioso. Também as condições meteorológicas, no Algarve, onde não há chuvas e é maior a intensidade solar, podem trabalhar praticamente todo o ano, o que faz com que se produza sal em maior quantidade do que na nossa região. Embora nós tenhamos uma grande área e ventosa, facilitadora de uma rápida evaporação e consequente elevada produção de sal, no momento em que as pessoas fogem do trabalho manual, as coisas dificultam-se.

S. A. – O que pensa sobre este tema "'O Salgado de Aveiro"?

A. L. – Penso que o salgado, a produção de sal em Aveiro, vai subsistir, se for subsidiada como uma actividade turística, porque, efectivamente, as salinas são as mais bonitas que existem no país. Economicamente não é viável; há dificuldade em resolver ou tomar decisões sobre o futuro destas áreas molhadas, que correspondem ao concelho de Aveiro e que é difícil saber programar, em termos de espaço. Qualquer outra produção, que se venha a estabelecer aí, vai prejudicar a parte ecológica e, devido à falta de acessos, não se torna fácil o estabelecimento de outra cultura. Neste momento, já foram criadas alternativas, a piscicultura ou a aquacultura em algumas salinas.

A piscicultura tem hipóteses, se for de regime extensivo. É proibida na ria de Aveiro, se for em regime intensivo e pretende-se que se opte pelo regime semi-intensivo.

Isto tudo quer dizer: o regime extensivo é quando não há alimentação artificial, ou seja, colocados nos viveiros, as espécies alimentam-se exclusivamente com a entrada natural da água e com o que ela transporta; regime semi-intensivo, é misto, isto é, quando começa a ser introduzida a parte de rações; regime intensivo é totalmente à base de rações. Mesmo no semi-intensivo, as rações, apesar de em menor quantidade, geram a degradação da ria, pelo que serão necessárias medidas, contrariando esta acção.

Assim tudo isto vai tornar extremamente difícil planear algo. Em termos de aterros, onde houver salinas, é evidente que não deverão ser autorizados. Por exemplo, talvez haja possibilidade de substituir a piscicultura pela cultura de bivalves. Estes não poluem, antes pelo contrário, absorvem alguma poluição que haja na ria. Mas os bivalves requerem fundos arenosos para o seu desenvolvimento e as salinas, para já, não têm esses fundos, porque são argilosos, o que implica algumas transformações. De maneira que, neste momento, não estão ainda criadas estruturas alternativas.

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17-12-2013