Ouvimos a Eng.ª Civil
Ana Maria Nogueira de Lemos,
que chefia o Departamento dos Recursos Costeiros da Junta Autónoma do
Porto de Aveiro.
S. A. – Por que é que escolheram este local para a construção do
porto?
A. L. – Pela acessibilidade criada pela proximidade da barra. O porto divide-se em cinco áreas: um
porto de pesca costeira, um porto industrial, um porto de pesca
longínqua e agora tem dois terminais comerciais – o porto comercial do
Norte e a parte que se está a desenvolver que é o novo porto de pesca
costeira. Estes é que hão-de justificar o local, em função da entrada
da barra.
S. A. – Quais foram as perturbações introduzidas na costa pela
construção do porto?
A. L. – Houve, efectivamente,
uma perturbação inédita na construção dos molhos à entrada directa da
barra, e há uma necessidade de uma construção de outros para que as
embarcações possam entrar com alguma
segurança. A construção desses fez
algumas alterações, na medida em
que, por um lado, existe um
movimento de transporte de sólidos
ao longo da costa, predominantemente de norte para sul e,
por outro, a intersecção desse fluxo por um molhe que leva à reposição
dos inertes do molhe norte.
Reconhece-se, consequentemente,
a falta desses inertes do molhe sul, enfim, um mal que se torna
necessário por causa da segurança da entrada da barra.
Para além disso, é preciso fazer dragagens, porque, neste porto os
fundos são de areia, e tem de se remover as areias até que haja fundos
suficientes para os barcos entrarem e a ria não possui esses fundos, naturalmente.
É indispensável a execução de obras para
tornar funcional o porto.
S. A. – A construção do
porto não
terá afectado as marinhas?
A. L. – A construção do porto
em si, não. O aumento da quantidade de
água que entra com as marés, na
ria, pelo facto de se terem
aprofundado os canais e de se haver facilitado a entrada desses
caudais de água é que afectou as marinhas, de algum modo, na medida em
que aumentou o nível máximo da preia-mar dentro da ria.
S. A. – Isso não poderia ter sido
evitado?
A. L. – Não, porque as obras feitas não podiam ser evitadas.
S. A. – O porto deu subsídios aos proprietários das salinas para reconstruírem as áreas afectadas?
A. L. – Não, vocês sabem que a
subida do nível das águas não foi
só provocada pelas obras do porto.
Há uma previsão e uma medição
que é concreta, que antevê a elevação média do nível do mar, e apesar de
neste caso pontual da intervenção do homem. Mesmo sem esta intervenção o aumento
do nível das marés ia dar-se de alguma forma, embora não tão
rapidamente.
S. A. – Os produtos lançados à água pelas embarcações não poderão pôr em
risco a qualidade do sal?
A. L. – Não, a produção do sal diminuiu muito, não pelo porto ou
pelos efeitos das marés, mas, essencialmente, pelo custo, pois há muitos
mais países que produzem sal a preços muito mais
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competitivos. Até dentro do país, o único sal que tem um preço
relativamente competitivo é o do Algarve. As nossas marinhas não
revelam capacidade de serem
trabalhadas por um processo mecânico, tudo é feito manualmente e é muito
mais dispendioso. Também as condições meteorológicas, no Algarve, onde
não há chuvas e é maior a intensidade solar, podem trabalhar
praticamente todo o ano, o que faz com que se produza sal
em maior quantidade do que na nossa região. Embora nós
tenhamos uma grande área e
ventosa, facilitadora de uma rápida evaporação e consequente elevada
produção de sal, no momento em
que as pessoas fogem do trabalho manual, as coisas dificultam-se.
S. A. – O que pensa sobre este
tema "'O Salgado de Aveiro"?
A. L. – Penso que o salgado, a produção de sal em Aveiro, vai subsistir,
se for subsidiada como
uma actividade turística, porque, efectivamente, as salinas são as mais
bonitas que existem no país.
Economicamente não é viável; há dificuldade em resolver ou tomar
decisões sobre o futuro
destas áreas molhadas, que correspondem ao concelho de Aveiro e que é
difícil saber programar, em termos de espaço. Qualquer outra produção,
que se
venha a estabelecer aí, vai
prejudicar a parte ecológica e, devido à falta de acessos, não se torna
fácil o estabelecimento de outra cultura. Neste momento, já foram
criadas alternativas, a piscicultura ou a aquacultura em algumas
salinas.
A piscicultura tem hipóteses, se
for de regime extensivo. É proibida na ria de Aveiro, se for em
regime intensivo e pretende-se que se opte pelo regime semi-intensivo.
Isto tudo quer dizer: o regime extensivo é quando não há alimentação artificial, ou seja, colocados nos viveiros, as espécies alimentam-se exclusivamente com a entrada natural da água e com o que ela
transporta; regime semi-intensivo, é misto, isto é, quando começa a ser introduzida a parte de rações; regime intensivo é totalmente à base de rações. Mesmo no
semi-intensivo, as rações, apesar
de em menor quantidade, geram a degradação da ria, pelo que serão
necessárias medidas, contrariando esta acção.
Assim tudo isto vai tornar extremamente difícil planear algo. Em
termos de aterros, onde houver salinas, é evidente que não deverão ser
autorizados.
Por exemplo, talvez haja possibilidade de substituir a piscicultura pela cultura de bivalves.
Estes não poluem, antes pelo contrário, absorvem alguma poluição que
haja na ria. Mas os bivalves requerem fundos arenosos para o seu
desenvolvimento e as salinas, para já, não têm esses fundos, porque são
argilosos, o que implica algumas transformações. De maneira que, neste
momento, não estão ainda criadas estruturas alternativas.
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