Mensário do 7º D

  Sal de Aveiro  ▲

25 Maio 93

Nº 4


O SALGADO É PATRIMÓNIO QUE OS AVEIRENSES DEVEM DEFENDER

Entrevista por Sara Santos e Maria Teresa Christo

 

O Dr. José Luís Christo, advogado aveirense, já foi Presidente da Cooperativa do Sal e vem-se apresentando como grande defensor da permanência da produção de sal na polémica que o futuro do salgado de Aveiro tem levantado.

S. A. – Qual a sua relação com o salgado?

J. L. C. – Porque nasci em Aveiro e porque sentimentalmente estou ligado / pág. 6 / ao salgado, onde a minha família era proprietária de grande número de salinas. Numa das ilhas, passava férias: posso afirmar, pois, que uma parte da minha vida decorreu no salgado.

S. A. – E do conhecimento de todos nós, aveirenses, a crise profunda na área do salgado. No seu entender, quais as causas da crise?

J. L. C. – No meu entender, as causas estão ligadas às dificuldades de adaptação das salinas às novas técnicas, de modo a substituir-se o trabalho manual, e à falta de navegabilidade dos canais que dão acesso às salinas.

S. A. – Qual a reacção dos proprietários e dos marnotos face à crise?

J. L. C. – Em relação aos proprietários, há dois tipos de comportamento: os que não precisam das salinas para viver e que se tornam absentistas, não arriscando continuar a produção e os que, vivendo do seu rendimento, não têm capacidade económica para fazer a
reconversão necessária. Por sua vez, os marnotos, técnicos de produção do sal, não estão interessados em prosseguir neste tipo de trabalho e, os poucos que resistem, já estão velhos.

S. A. – O que está a ser feito para se tentar resolver o problema?

J. L. C. – Praticamente nada e, dos conhecimentos que possuo, só uma intervenção global na ria poderia viabilizar a área do salgado. Como? Tornar os canais navegáveis, reforçarem-se as margens das divisórias dos compartimentos das salinas e reconstruir-se a rede viária adequada. No entanto, não tem havido vontade política para que isso se torne realidade e o individualismo dos proprietários também não tem ajudado.

S. A. – Na sua opinião, qual o modelo de reconversão a realizar?

J. L. C. – Penso que, se as obras estruturais e globais que referi fossem feitas, não seriam necessárias grandes reconversões. As salinas poderão ter, inclusivamente, um aspecto físico praticamente idêntico ao actual, mas onde a energia eléctrica chegasse e as máquinas pudessem trabalhar a salina. Outro tipo de unidades de produção poderiam aparecer: áreas de pastagem, viveiros de peixe, áreas de aquacultura. Pontualmente, algumas destas reconversões já estão em funcionamento, só que não integradas num plano global para toda a "ria".

S. A. – Que tipo de intervenção tem tido a cooperativa do sal?

J. L. C. – A cooperativa é uma associação particular e, para que funcione, necessita de cooperantes. E como já atrás referi, a maioria dos proprietários são extremamente individualistas e só actuam quando se sentem directamente beneficiados. Não existe em Aveiro, neste sector, aliás como noutros, um verdadeiro espírito associativista e cooperativista.

S. A. – Que opinião tem relativamente à construção da via, recentemente inaugurada e que atravessa o salgado?

J. L. C. – Concordamos na necessidade da sua construção, o que interrogamos é se não haveria um traçado alternativo que, embora também sacrificasse algumas salinas, porque construída mais a norte, protegeria o salgado dos ventos norte e não teria afectado tanto a paisagem. As obras do Porto de Aveiro podem prejudicar, mas também podem ser úteis. Por exemplo, na área da piscicultura, interessa que a água mantenha uma certa percentagem de sal marinho, de modo a que as águas doces, porque poluídas, não venham a comprometer a produção.

S. A. – Há normas de protecção do salgado impostas pela CE?

J. L. C. – Que eu saiba não. Há normas comunitárias que possibilitam ao Governo Português a obtenção de fundos para a realização de obras na "ria". Ainda não há muito tempo que foi publicado um artigo pelo Dr. Miranda, no semanário "O Litoral", que refere este problema. Lastima que, existindo normas de protecção ao ambiente, elas não estejam a ser aplicadas na nossa região. Não existem projectos que contemplem as obras estruturais a realizar em toda a "ria" e que facilitem a obtenção / pág. 7 / dos respectivos fundos. A Comunidade cria fundos e mecanismos que, para funcionarem, é preciso que os planos cheguem até Bruxelas. E para isso, particulares, Câmaras Municipais e Governo têm de ter vontade política para os realizar e defender. A dragagem da "ria", a regularização da água nos esteiros e a segurança das margens passam pelo plano global que referi.

S. A. – Pode-nos contar algo, passado na sua infância ou juventude, que esteja relacionado com o salgado?

J. L. C. – Quando fui baptizado, meteram-me sal na boca e tossi. Um dia, numa das salinas da família, na ilha de Sarna, resolvi ajudar um marnoto a rer o sal. Ao colocar os meus pés na salina, fiquei cheio de pintassilgos. Sabem o que são os pintassilgos nos pés? São os buraquinhos provocados pela salinidade excessiva. Sabem como faziam os marnotos para o evitar? Pincelavam a planta do pé com verniz que as senhoras usam para as unhas.

S. A. – Que razões vê para se manter a produção do sal?

J. L. C. – O sal deve continuar a ser produzido porque é a terceira matéria prima do mundo e não há vida sem sal: ele está presente na alimentação e na indústria química. Não se pode invocar que o preço da custo da produção do sal aveirense é elevado, para que se deixe de produzir o sal de Aveiro. À escala mundial, os preços do sal são muito variados e a procura é elevada e existem países, nomeadamente africanos e asiáticos que, para além de utilizarem o sal na alimentação directa, também o usam na conservação dos alimentos. Então, o sal de Aveiro não poderá ter novos mercados? É evidente que, para tal acontecer, a rede viária terá de ser bastante melhorada...

 

Não existe em Aveiro, neste sector, aliás como noutros, um verdadeiro espírito associativista e cooperativista.

▲▲▲▲▲

 

página anterior início página seguinte

17-12-2013