O
Dr. José Luís Christo, advogado aveirense, já foi Presidente da
Cooperativa do Sal e vem-se apresentando como grande defensor da
permanência da produção de
sal na polémica que o futuro do salgado de Aveiro tem levantado.
S. A. – Qual a sua relação com o
salgado?
J. L. C. – Porque nasci em Aveiro
e porque sentimentalmente estou
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ao salgado, onde a minha família era proprietária de grande
número de salinas. Numa
das ilhas, passava férias: posso afirmar, pois,
que uma parte da minha vida decorreu no salgado.
S. A. – E do conhecimento de todos nós, aveirenses, a crise profunda na área do salgado. No seu entender, quais as causas da crise?
J. L. C. – No meu entender, as causas estão ligadas às dificuldades de
adaptação das salinas às novas técnicas, de modo a substituir-se o
trabalho manual, e à falta
de navegabilidade dos canais que dão acesso às salinas.
S. A. – Qual a reacção dos proprietários e dos marnotos face à crise?
J. L. C. – Em relação aos proprietários, há dois tipos de comportamento: os que não precisam das
salinas para viver e que se tornam
absentistas, não arriscando continuar a produção e os que, vivendo do
seu rendimento, não têm capacidade económica para fazer a
reconversão necessária. Por sua
vez, os marnotos, técnicos de produção do sal, não estão interessados
em prosseguir neste tipo de trabalho e, os poucos que resistem,
já estão velhos.
S. A. – O que está a ser feito para se tentar resolver o problema?
J. L. C. – Praticamente nada e, dos conhecimentos que possuo, só uma
intervenção global na ria poderia viabilizar a área do salgado. Como?
Tornar os canais navegáveis, reforçarem-se as margens das divisórias
dos compartimentos das salinas e reconstruir-se a rede viária
adequada. No entanto, não tem
havido vontade política para que
isso se torne realidade e o individualismo dos proprietários também não tem ajudado.
S. A. – Na sua opinião, qual o
modelo de reconversão a realizar?
J. L. C. – Penso que, se as obras estruturais e globais que referi fossem
feitas, não seriam necessárias grandes reconversões. As salinas poderão
ter, inclusivamente, um
aspecto físico praticamente idêntico ao actual, mas onde a energia
eléctrica chegasse e as máquinas pudessem trabalhar a salina. Outro
tipo de unidades de produção poderiam aparecer: áreas de pastagem,
viveiros de peixe, áreas de aquacultura. Pontualmente, algumas destas
reconversões já estão em funcionamento, só que não integradas num plano
global para toda a "ria".
S. A. – Que tipo de intervenção tem tido a cooperativa do sal?
J. L. C. – A cooperativa é uma
associação particular e, para que funcione, necessita de cooperantes. E
como já atrás referi, a maioria
dos proprietários são extremamente individualistas e só actuam quando se sentem directamente
beneficiados. Não existe em Aveiro, neste sector, aliás como
noutros, um verdadeiro espírito associativista e cooperativista.
S. A. – Que opinião tem relativamente
à construção
da via, recentemente inaugurada e que atravessa o salgado?
J. L. C. – Concordamos na necessidade da sua construção, o que interrogamos é se não haveria um
traçado alternativo que, embora também sacrificasse algumas salinas,
porque construída mais a norte, protegeria o salgado dos ventos norte
e não teria afectado tanto
a paisagem.
As obras do Porto de Aveiro podem prejudicar, mas também podem ser
úteis. Por exemplo, na área da piscicultura, interessa que a água
mantenha uma certa percentagem de sal marinho, de modo a que as águas
doces, porque poluídas, não venham a comprometer
a produção.
S. A. – Há normas de protecção
do salgado impostas pela CE?
J. L. C. – Que eu saiba não. Há
normas comunitárias que possibilitam ao Governo Português a obtenção
de fundos para a realização de obras na "ria". Ainda não há
muito tempo que foi publicado um artigo pelo Dr. Miranda, no semanário "O Litoral", que refere este problema. Lastima que, existindo
normas de protecção ao ambiente, elas não estejam a ser aplicadas na
nossa região. Não existem projectos que contemplem as obras
estruturais a realizar em toda a "ria"
e que facilitem a obtenção
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dos
respectivos fundos. A Comunidade cria fundos e mecanismos que, para
funcionarem, é preciso que os
planos cheguem até Bruxelas. E para isso, particulares, Câmaras
Municipais e Governo têm de ter vontade política para os realizar e
defender. A dragagem da "ria", a regularização da água nos esteiros e a
segurança das margens passam
pelo plano global que referi.
S. A. – Pode-nos contar algo, passado na sua infância ou juventude, que
esteja relacionado com o salgado?
J. L. C. – Quando fui baptizado, meteram-me sal na boca e tossi. Um dia,
numa das salinas da família, na ilha de Sarna, resolvi ajudar um marnoto a rer
o sal. Ao colocar os meus pés na salina, fiquei cheio de pintassilgos.
Sabem o que são os pintassilgos nos pés? São os buraquinhos provocados
pela salinidade excessiva. Sabem como faziam os marnotos para o evitar?
Pincelavam a planta do pé com verniz que as senhoras usam para as unhas.
S. A. – Que razões vê para se
manter a produção do sal?
J. L. C. – O sal deve continuar a
ser produzido porque é a terceira
matéria prima do mundo e não há vida sem sal: ele está presente na
alimentação e na indústria química. Não se pode invocar que o preço da custo da produção do sal
aveirense é elevado, para que se
deixe de produzir o sal de Aveiro. À escala mundial, os preços do sal
são muito variados e a procura é
elevada e existem países, nomeadamente africanos e asiáticos que,
para além de utilizarem o sal na alimentação directa, também o usam na
conservação dos alimentos. Então, o sal de Aveiro não
poderá ter novos mercados? É evidente que, para tal acontecer, a
rede viária terá de ser bastante
melhorada...
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Não existe em Aveiro, neste
sector, aliás como noutros, um verdadeiro espírito associativista e
cooperativista. |
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